As 24 Horas de Le Mans são, sem dúvida, a corrida de longa duração mais importante do planeta. Realizada desde a década de 1920 no circuito de La Sarthe, na França, a prova já deu reputação lendária a dezenas de carros e pilotos — tanto que a gente até fez uma série de posts chamada “Lendas de Le Mans”, falando sobre os bólidos vencedores mais importantes da história da corrida.
Mas e das 24 Horas de Lemons, você já ouviu falar? Talvez sim, talvez não, mas por via das dúvidas vamos falar do que se trata. O nome é obviamente inspirado por Le Mans e, como você deve imaginado, as corridas duram 24 horas. Mas elas não acontecem apenas uma vez por ano na França, e sim todo fim de semana, em diversos circuitos dos EUA. E, em vez de protótipos feitos com tecnologia de ponta e orçamento milionário, os carros são velharias que só podem custar, no máximo, US$ 500, ou cerca de R$ 1.700.
Aliás, é daí que vem o trocadilho no nome da prova: lemon é como os americanos chamam os carros que só revelam seus defeitos depois que já foram comprados — algo parecido com aquilo que chamamos de “bombas” por aqui. Já deu para entender o espírito, né? But wait, there’s more!
Para começar, são cerca de vinte eventos por ano e a maioria deles dura cerca de 14 horas, divididas entre o sábado e o domingo em baterias que duram de seis a dez horas. No entanto, uma corrida de 24 horas de verdade é realizada pelo menos uma vez por temporada.
O fundador das 24 Horas de Lemons é o jornalista automotivo americano Jay Lamm. Aconteceu há dez anos, em 2006: Jay e seus amigos já realizavam uma corrida de 500 quilômetros para carros de US$ 500, a Double 500. Acontece que, depois de uma noite regada a muita cerveja e comida chinesa (segundo o próprio Jay Lamm em entrevista ao Jalopnik US em 2008), eles chegaram à conclusão de que uma corrida de 500 km era fácil demais. Então, eles decidiram estender a duração da prova para mais algumas horas. Como a maioria dos pilotos são caras normais, que trabalham, e têm o automobilismo como hobby, as “24 Horas” do nome da prova são mais um dos vários exageros dos caras.
De início, as provas eram realizadas apenas em circuitos da Califórnia, mas com o tempo foram se espalhando para outros circuitos americanos — alguns bem conhecidos, como Infineon Raceway, Palm Beach e Road America.
Se trata de uma corrida normal até certo ponto: o primeiro a cruzar a linha de chegada ganha. No mais, é tudo uma verdadeira “bagunça organizada”, com algumas regras rígidas o bastante para proporcionar um verdadeiro caos do início ao fim da corrida.
Primeiro: aparentemente, não há um sistema de classificação para definir o grid. O principal critério é que o carro precisa estar funcionando — e, acredite, com um orçamento limitado a 500 dólares, isto já é um desafio. Por outro lado, considerando que cada prova traz centenas de inscritos, já aconteceu de mais de 150 carros começarem a corrida.
Nas primeiras voltas, por mais ou menos 20 minutos, a pista fica sob bandeira amarela. A velocidade é limitada e é proibido ultrapassar, mas invariavelmente alguns carros deixarão a pista antes mesmo de a bandeira verde, que marca o início da corrida, ser agitada para um carro escolhido aleatoriamente — ele passará a ser o líder da corrida.
E de que carros a gente está falando? Bem, qualquer coisa — mesmo. Você ficaria surpreso com a variedade de carros que se pode comprar nos EUA com US$ 500. O caminho fácil é comprar um carro que esteja rodando e partir para o abraço, mas o legal mesmo é tentar preparar e modificar o carro sem estourar o orçamento. E as modificações são verdadeiramente ilimitadas — seu carro pode ficar exatamente do jeito que você quiser, desde que não se gaste mais de US$ 500. E é claro proporciona alguns dos carros de corrida mais esquisitos, curiosos e engraçados já vistos.
Este Chevrolet Camaro de ponta cabeça, por exemplo: na verdade, a carroceria do Camaro é só uma casca: debaixo dela, está o chassi de um Ford Festiva, um dos carros populares mais miseráveis já vendidos nos Estados Unidos.
E que tal este Mazda Miata (com tração traseira, baixo peso e precinho camarada, um dos favoritos dos que competem nas 24 Horas de Le Mons) com dianteira de BMW Série 3 E30, com direito a pintira Motorsport e tudo?
Isto aqui não é um barco, acredite: trata-se de um Toyota MR2, esportivo de motor central-traseiro vendido na década de 1980, com o casco de um barco.
E isto aqui, pode ter certeza, não é um porco, e sim um Ford Mustang de terceira geração — aquele que parece um Escort dos anos 1990 e é conhecido como Fox Body — disfarçado de porco. Olhe bem.
Já este cesto de vime sobre rodas (com bambu revestindo a gaiola de proteção) é um Volkswagen Jetta. Não dá para identificar a geração mas, considerando o orçamento, é dos mais velhinhos.
Este Austin Mini Moke, uma espécie de jipe com tração dianteira feito sobre o Mini clássico, que já se disfarçou de vários tipos de veículos diferentes, não é uma graça? Ele pensa que é uma retroescavadeira!
Tem até o “The Homer”, versão real do famoso “carro perfeito” de Homer Simpson — sobre o qual falamos aqui.
E, acredite, isto é só uma pequena amostra — pequena mesmo. Centenas de carros diferentes já participaram das 24 Horas de Lemons, e alguns nem parecem carros…
E a gente precisa fazer uma observação: existem modificações obrigatórias para todos os carros — equipamentos de segurança que não estão inclusos no orçamento e podem custar o quanto for preciso: gaiola de proteção, bancos concha, cintos de segurança de cinco ou seis pontos e extintor de incêndio. Gastos com pneus, rodas e freios também são livres.
A preocupação com segurança é a única parte séria do negócio — tanto que, apesar de acidentes serem algo realmente frequente (afinal estamos falando de um monte de latas velhas acelerando na pista), nenhuma fatalidade decorrente de uma colisão foi registrada em dez anos de corridas.
Todo o resto é completamente escrachado: as corridas são marcadas por penalidades bizarras, como aparatos anti-aerodinâmicos no formato de animais presos ao teto dos carros, escolhidas aleatoriamente em uma espécie de “roda da fortuna”. Se você capota seu carro, é desclassificado não apenas da corrida, mas de TODA A TEMPORADA.
Mas também há prêmios para quem completa mais voltas ao fim da corrida: o vencedor geral, ganha US$ 1.500, e o vencedor em cada categoria (são quatro: A, B, C e X) ganha US$ 500. No entanto, o verdadeiro vencedor é escolhido por um corpo de jurados, que precisam dar o prêmio a um carro que terminou a corrida com um número respeitável de voltas, mesmo que ninguém achasse que ele tivesse chance de conseguir fazê-lo. Para este cara, o prêmio é de US$ 501. Apesar do valor, este é considerado o prêmio máximo.
O que importa é a diversão, mas tem quem leve a prova muito a sério — tanto que há equipes que competem desde o primeiro ano, cujos membros dedicam todo o seu tempo livre à competição.
Apesar de ser tudo uma grande piada, no fim das contas as 24 Horas de Lemons são uma verdadeira celebração ao automobilismo de garagem, e estimulam muita gente a continuar correndo com o que se tem. Talvez seja esta a solução que a gente está procurando aqui no Brasil, não é mesmo?