A tradição da Audi no automobilismo é antiga – ela vem desde os anos 1930, quando as Flechas de Prata da Auto Union disputavam os Grand Prix na década de 1930. Naquela época, porém, a Audi ainda não era a Audi que conhecemos hoje – era uma empresa diferente, da qual a fabricante atual herdou o nome. É uma história complicada, que contamos neste post. No caso desta, a glória veio mesmo na década de 1980, quando o Audi Quattro tornou todos os rivais obsoletos ao levar a tração integral para o WRC, o Campeonato Mundial de Rali.
E foi justamente o Quattro que deu à Audi a inspiração e o conceito de transmissão de sua mais emblemática linhagem de esportivos: a RS, de Renn Sport (ou Racing Sport, em inglês). As lições aprendidas nos ralis, incluindo títulos em 1982 e 1984, logo foram aproveitadas também nas corridas em circuitos – o Audi 200 Trans-Am deu uma lição nos norte-americanos em sua própria casa na temporada de 1988 da IMSA GT.
Com esta bagagem, no início da década de 1990 a Audi começou a trabalhar em modelos esportivos de rua que bebiam completamente na fonte do Quattro de rali. Carros como o S2, em versões cupê, sedã e perua, e o S4, todos com turbo e tração nas quatro rodas. No fim de 1993, porém, a Audi decidiu elevar o nível de brutalidade e criou, em parceria com a Porsche, a perua RS2 Avant, que chegou ao mercado em 1994 – exatos 25 anos atrás. Ela foi a precursora de uma série de modelos velozes, avançados tecnicamente, bonitos e muito elogiados pelo público e pela crítica.
Para comemorar os 25 anos da divisão RS da Audi, nós separamos neste post seus modelos mais marcantes – carros que, de alguma forma, estabeleceram novos padrões para a família RennSport.
Audi RS2 Avant
Seria sacrilégio começar esta seleção com outro carro, de verdade. A Audi RS2 Avant foi um carro matador em técnica, estética e filosofia. Ela foi a primeira perua esportiva da Audi, feita em parceria com a Porsche, e utilizava um incomum motor de cinco cilindros em linha com turbo e 315 cv. A potência máxima aparecia às 6.500 rpm, acompanhada de 41,75 mkgf de torque já às 3.000 rpm.
Estes números podem não impressionar tanto se comparados aos padrões atuais – hoje em dia, não é preciso muito mais que um 2.0 turbinado para superar, e muito, os 300 cv. Mas pense como se estivesse em 1994, ano de lançamento da RS2 Avant, e você vai entender. Especialmente com o contexto da época: a perua foi feita com a ajuda da Porsche simplesmente porque os engenheiros de Ingolstadt e de Stuttgart ficaram a fim – e ainda tiveram um empurrãozinho de Ferdinand Piëch, que encarava a RS2 como seu pequeno projeto pessoal enquanto presidente do Grupo VW.
A colaboração com a Porsche foi muito maior do que alguns emblemas – a companhia também cedia as rodas Cup do Porsche 964 (acompanhadas dos freios Brembo usados pelo 911); para-choques inspirados pelo 911 993; espelhos de design similar aos dos 911 964 e os piscas destes, bem como toda a geometria de suspensão era retrabalhada pela Porsche.
O motor era ligado a uma caixa manual de seis marchas, que levava a força às quatro rodas através do sistema de tração integral quattro com blocante manual no diferencial traseiro. O resultado era um carro capaz de chegar aos 100 km/h em apenas 4,8 segundos, com velocidade máxima de impressionantes 262 km/h – há quase 30 anos, um verdadeiro canhão. Um canhão capaz de transportar cinco pessoas e sua bagagem com conforto e espaço de sobra – fórmula que a Audi transformou em uma de suas marcas registradas.
Foram fabricadas 2.891 unidades da Audi RS2 Avant entre março de 1994 e julho de 1995 – destas, 80 vieram para o Brasil através da Senna Import. Hoje, os Audi RS2 são colecionáveis valiosíssimos em todo o mundo, sofrendo uma rampa de valorização parecida percentualmente com a do Porsche 911 geração 993.
Audi RS4 B5
A sucessora da RS2 Avant merece destaque neste post simplesmente por conseguir ser um carro à altura. Como? Usando um motor V6 biturbo – solução que hoje é amplamente difundida entre os esportivos, exceto que a primeira RS4 Avant foi lançada no distante 1999. Duas décadas à frente de seu tempo.
A RS4 Avant era construída sobre a mesma plataforma do A4 e do S4, porém trazia diversas mudanças radicais. Os para-lamas eram mais largos para acomodar as bitolas e pneus maiores; os para-choques dianteiro e traseiro eram exclusivos da versão, e os componentes aerodinâmicos – splitter frontal, difusor traseiro e até mesmo as aberturas nas laterais do para-choque dianteiro – eram completamente funcionais, necessários para gerar mais downforce e, ao mesmo tempo, manter o coeficiente de arrasto relativamente baixo para uma perua: 0,34. As rodas de 18×8,5 polegadas eram exclusivas da versão, mas não eram mais desenvolvidas em parceria com a Porsche. Tudo foi feito in house. Os freios usavam discos de 360 mm na dianteira e 312 mm na traseira – sim, enormes.
E eles precisavam trabalhar duro para segurar o ímpeto da perua: o motor era um V6 de 2,7 litros com comando duplo nos cabeçotes e cinco válvulas por cilindro. Os cabeçotes eram de alumínio, feitos pela Cosworth, com os dutos de admissão alargados, enquanto os componentes internos eram todos reforçados. Com dois turbocompressores BorgWarner K04 paralelos e dois intercoolers, além da ECU reprogramada, capaz de entregar 381 cv a 7.000 rpm e 44,9 kgfm de torque a 6.000 rpm. Em comparação, a Audi S4 da mesma época tinha uma versão bem mais simples do mesmo motor, com 265 cv e 40,8 kgfm de torque.
Como mandava o figurino na época, a RS4 Avant B5 só era oferecida com câmbio manual de seis marchas da Getrag, ligada ao sistema quattro de tração integral. O conjunto levava a super perua de zero a 100 km/h em 4,9 segundos, com máxima limitada em 262 km/h – números excelentes para um carro que, com 1.620 kg, passava longe de ser leve.
Audi RS4 B7
Se a Audi RS4 Avant B5 estava à frente de seu tempo com o V6 biturbo, a geração seguinte marcou um retorno bem-vindo às raízes: o motor era um V8 naturalmente aspirado de 4,2 litros. Importante frisar que não houve uma versão RS do Audi A6 B6: a linhagem saltou direto para a B7, estreando em setembro de 2005.
O motor em questão também não era qualquer um: estamos falando do V8 que viria a ser usado no Audi R8, lançado em abril de 2007. A principal diferença estava no posicionamento do acionador do tem de válvulas: na RS4, ele ficava na parte traseira do bloco, enquanto no R8, ele era instalado na frente. Além disso, no R8 o V8 usava lubrificação por cárter seco.
Estamos falando de um V8 bastante avançado e muito girador – além de ser construído todo em alumínio, com quatro válvulas por cilindro, ele foi um dos primeiros motores produzidos em série a contar com injeção direta de combustível (FSI, ou Fuel Stratified Injection), desenvolvido a partir dos esforços da Audi no Campeonato Mundial de Endurance, o WEC. Em ambos os carros, ele entregava 420 cv a 7.800 rpm, com 43,8 kgfm de torque a 5.500 rpm – sendo que 90% já apareciam entre 2.250 e 7.600 rpm. O limite de giro era estratosférico: 8.250 rpm, cortesia das medidas de diâmetro e curso: 84,5 mm × 92,8 mm. Nem precisamos falar o quanto ele roncava bonito:
Com este motor, a Audi RS4 Avant ia de zero a 100 km/h em 4,9 segundos, com velocidade máxima limitada em 250 km/h, segundo a fabricante. Isto posto, relatos da época diziam que o limitador de velocidade não era muito rigoroso – era comum ver exemplares alcançando os 270 km/h sem a remoção do limite.
Mas há outro motivo para colocarmos a Audi RS4 B7 nesta lista: ela só estava disponível com uma caixa manual Getrag de seis marchas – diferentemente do modelo seguinte, que passou a usar o câmbio S-Tronic de dupla embreagem e sete marchas.
Outra coisa: diferentemente da B5, a RS4 Avant B7 também foi oferecida como sedã e conversível. Nós, contudo, achamos que a versão correta é a perua. Questão de princípios.
Por outro lado, é injusto não mencionarmos o Audi RS5, lançado em 2010 – o cupê feito sobre a plataforma da RS4, com o mesmo motor V8, exceto que com 450 cv. E apenas com o câmbio de dupla embreagem e sete marchas, que era sensacional no lado funcional, mas tirava um pouco do sabor da experiência. De todo modo, ele era uma bela – e bem mais cara – alternativa alemã aos muscle cars americanos. Invocadíssimo.
Audi RS6
A primeira geração do Audi RS6 (C5), lançada em 2002, era um carro e tanto – o motor era um V8 biturbo de 4,2 litros com 40 válvulas e 450 cv, verdadeiramente monstruoso. Mas a segunda geração, ah… ela tinha um V10!
O V10 usado pela Audi na RS6 C6, apresentada em 2002, era um derivado direto do V8 empregado na RS4 B7 – resumindo ao extremo, era um V8 FSI com dois cilindros a mais. No entanto, o curso dos pistões era menor, de 89 mm, e havia uma adição importante: dois turbocompressores operando a 1,6 bar.
Era o bastante para entregar obscenos 579 cv a 6.250 rpm, além de 66,3 kgfm de torque entre 1.500 e 6.250 rpm. Ou seja: a RS6 C6 não era apenas um dos carros mais potentes do planeta quando foi lançada, em 2008, mas também tinha uma curva de torque muito ampla e plenamente utilizável. Só ficaria melhor com um câmbio manual – a única opção disponível era o automático ZF de seis marchas.
De qualquer forma, a RS6 V10 ia de zero a 100 km/h em 4,6 segundos, com velocidade máxima limitada em 250 km/h. Opcionalmente podia-se suprimir o limitador – nesse caso, o carro era capaz de atingir os 274 km/h.
O mais bacana era que, apesar disto, a RS6 C6 tinha um visual bastante discreto para tanta força – ela fazia a linha esporte-fino – algo que foi deixado de lado nas gerações seguintes, que ficaram mais agressivas esteticamente.
Vale observar que, da mesma forma que a RS4 deu origem à RS5, a RS6 serviu como base para o RS7. É uma pena que isto só tenha acontecido em 2013, quando o V10 biturbo já tinha dado lugar a um V8 biturbo de 560 cv.
Audi RS3 Sportback
Como você deve lembrar, a Audi RS2 Avant tinha um belo motor de cinco cilindros com 2,1 litros e 315 cv. Mas levou quase vinte anos para que outro RS empregasse novamente esta configuração – foi em 2011 que a Audi lançou o primeiro RS, com um cinco-em-linha turbinado de 2,5 litros (2.480 cm³). Ouvir um ronco destes vindo de um Audi novamente marejou os olhos de muitos marmanjos.
Disponível apenas como hatchback de quatro portas (ou Sportback, na nomenclatura da Audi), o RS 3 era um dos hot hatches mais violentos de seu tempo – o motor entregava 340 cv a 6.500 rpm e 45,9 kgfm de torque entre 1.600 e 5.300 rpm. Com câmbio de dupla embreagem sete marchas e com o sistema Haldex rebatizado como quattro (na prática, muito parecido com o 4Motion do VW Golf R), o RS3 Sportback ia de zero a 100 km/h em 4,6 segundos, com velocidade máxima de 249 km/h.
Mas não era só isto: como um verdadeiro RS, o RS 3 também trazia melhorias em outros aspectos. A suspensão usava o mesmo arranjo McPherson porém era 25 mm mais baixa, com carga muito maior e outra geometria; as rodas eram de 19 polegadas com acabamento que simulava titânio; os freios tinham discos de 370 mm na dianteira e 310 mm na traseira (!); e os para-lamas dianteiros, mais largos, eram de fibra de carbono. Detalhe: os pneus da frente eram mais largos, de medidas 235/35, enquanto os traseiros eram 225/35, para buscar balancear o equilíbrio dinâmico e reduzir o sub-esterço.
A terceira e atual geração do Audi A3 manteve o RS 3 Sportback no catálogo, e a receita é praticamente a mesma. A diferença é que, agora, o cinco-cilindros turbo desenvolve 400 cv entre 5.850 rpm e 7.000 rpm, com 48,9 kgfm de torque para acompanhar. É o bastante para ir de zero a 100 km/h em 4,1 segundos – tanto para o hatch quanto para o sedã, que estreou nesta geração.
Aliás, também vale mencionar aqui, honrosamente, o Audi TT RS. Feito sobre a mesma plataforma do RS3, ele compartilha o conjunto mecânico e diversos elementos do chassi, porém sob uma carroceria muito mais conceitual e esportiva. É uma pena, realmente, que tudo indique que ele vá dá lugar a um cupê elétrico. Ao menos o RS3 já está confirmado para uma nova geração, e até começou a ser testado.