O AC Cobra é a materialização perfeita da filosofia de Carroll Shelby — aquela que se tornou um clichê e por isso não iremos repetir, mas tem algo a ver com o aumento da cilindrada ser a melhor opção para andar mais rápido. Mas potência não é nada sem controle e por isso, sendo um americano que fez sucesso na Europa, ele soube como ninguém unir o melhor dos dois mundos: um chassi preciso e leve como só os britânicos sabem fazer, e um motor enorme e potente tipicamente americano.
Primeiro ele começou com o motor V8 260 (4,3 litros), depois o 289 (4,7 litros), e mais tarde decidiu mostrar que nada é melhor que um motor enorme e instalou o lendário 427 (7 litros) no roadster britânico. Quando o 427 chegou ao Cobra, Shelby fez uma série de 23 exemplares de competição. Esses carros não tinham abafadores, para-choques e nem para-brisas; eram carros puramente de corridas e por isso não podiam rodar em vias públicas.
Um desses carros, o CSX 3015, foi enviado à Inglaterra em 7 de setembro de 1965, onde faria uma turnê promocional e voltou aos EUA no fim de 1966. No ano seguinte, o próprio Carroll Shelby decidiu usá-lo como base para seu “Project Cars” pessoal. Shelby usava um Cobra 289 — seu preferido por ter equilíbrio de peso e potência na medida exata, sem exageros — mas marqueteiro que era decidiu rodar por aí com algo realmente potente.
Ele então foi até o depósito de peças novas, pegou um para-brisa, um conjunto de para-choques, um abafador para o escape e instalou tudo no modelo de competição. Com isso ele poderia rodar pelas ruas da Califórnia, onde a Shelby American era baseada na época, sem problemas com a lei.
Como se não bastasse usar um carro de corridas com 1.110 kg e um V8 de sete litros na dianteira, Shelby descolou um par de compressores Paxton e instalou OS DOIS no topo do motor — que passou a produzir 800 cv –, e completou o serviço com um câmbio automático de três marchas (você pode até achar uma heresia, mas com dois compressores em um V8 7.0 aceitaríamos o carro até mesmo com câmbio CVT!). Para cobrir os compressores ele adotou o capô “Super Snake” de alumínio, com uma tomada de ar imensa e saliente. O toque final foi o nome dado ao carro “Cobra to End All Cobras”, algo como “O Cobra para detonar todos os Cobras”.
O mais legal dessa história é que ele não fez somente um, mas dois Cobra Super Snake “To End All Cobras”. O outro tinha uma origem com menos pedigree, mas foi o mais famoso deles. Era o chassi CSX 3303, uma versão de rua que foi usado para divulgação do modelo. Ele recebeu a mesma receita e foi dado de presente pelo próprio Shelby ao seu amigo comediante Bill Cosby, dizendo que ele deveria parar de dirigir Ferraris e andar com algo americano por aí. Cosby dirigiu o carro somente uma vez e, aterrorizado pela brutalidade do carro, devolveu seu Super Snake a Shelby e criou sua peça de comédia “200 MPH” inspirado na experiência (se você está com o inglês em dia, pode ouvi-la ).
O Super Snake de Cosby acabou vendido a um cara chamado Tony Maxey, que teve o mesmo problema de controle que o comediante, mas não teve a mesma sorte: o carro acabou caindo no Oceano Pacífico após cair de um penhasco. Triste fim.
Felizmente, o outro (CSX 3015) ficou nas mãos experientes de Shelby por muitos anos, e ele o utilizava para corridas locais nos EUA, como Turismo Visitadores Cannonball-Run onde ele “acordava cidades inteiras, estourava janelas, arrebentava correias e pegava fogo de vez em quando”.
Em 2007 o modelo foi leiloado pela Barrett Jackson por US$ 5,5 milhões — o maior valor já pago até então por um veículo fabricado nos EUA. O modelo voltou a ser vendido há alguns dias, novamente pela Barrett-Jackson, desta vez por US$ 5,1 milhões — uma desvalorização de US$ 400.000. De acordo com os leiloeiros, o carro ainda está com o eixo traseiro original de corridas, o radiador e a bomba de óleo de competição, pinças de freio Girling originais de 1965 e o motor de código 5M17 original, com seus coletores de escapes também originais, porém pintados de preto e não cromados.
[Fotos: Barrett-Jackson]