A impressionante imagem acima — e sua versão em vídeo, com o Porsche GT3 de Pedro Piquet rolando pela pista do autódromo de Goiânia — ganhou a internet mundial nas últimas 24 horas. E não sem motivo: ainda que acidentes façam parte do automobilismo, é raro ver uma batida tão agressiva visualmente. O Porsche 911 GT3 do filho de Nelson Piquet rolou nove vezes depois de sair da pista, lançando pedaços do carro e fluidos para todos os lados, junto com uma imensa tempestade de poeira.
Mas como tudo isso aconteceu? É o que veremos neste post.
A primeira impressão que tive ao ver o vídeo ontem, ainda em uma versão gravada da tela de uma TV, foi de que o toque poderia ter sido evitado. Nas redes sociais, onde opiniões profundas como uma colher de chá são despejadas em questão de segundos, não faltou gente para condenar o jovem Piquet e Ricardo Batista (o piloto que tocou o carro de Pedro), para questionar a habilidade do garoto, discursar sobre a segurança dos autódromos, dos carros etc. Pode procurar aí na sua timeline.
Mais tarde as cenas editadas pela transmissão oficial da prova foram publicadas na internet, os jornalistas presentes contaram o que viram (como Luc Monteiro, que tem um excelente relato ) e então pudemos observar melhor o que aconteceu.
O acidente ocorreu na primeira volta da segunda corrida da Porsche GT3 Challenge Cup, na entrada da Curva 2 do Autódromo Internacional de Goiânia. Nas categorias monomarca é comum os carros andarem em bloco no começo da corrida — geralmente até a segunda volta —, com situações com dois ou até três carros lado a lado. Exatamente o que aconteceu nessa segunda corrida.
A Curva 2 de Goiânia é uma curva de alta, feita com aceleração constante, como é possível ver a partir dos 0:50 deste onboard de Ingo Hoffman…
… ou dos 0:22 deste onboard de Guilherme Salas, da Stock Car:
Na aproximação da dobra, Ricardo Batista tentou passar por dentro, enquanto Pedro foi por fora. Os dois se tocaram e, em seguida, o pneu dianteiro esquerdo do carro de Batista acabou furando, o que resultou na escapada súbita do carro para a esquerda. Com isso, a dianteira do Porsche de Batista acertou a lateral do carro de Piquet, levantando as rodas direitas do chão.
Essa condição foi fundamental para o capotamento espetacular: o carro de Piquet acabou empurrado para fora da pista com a rolagem iniciada e, ao tocar a grama, a roda traseira esquerda travou na superfície macia e deformável. Com a inércia, o eixo traseiro se transformou em uma alavanca que arremessou o carro. Foram nove rolagens em seis segundos e meio.
Em slow motion
Mais tarde, a organização da Porsche Cup divulgou os dados da telemetria do GT3 de Piquet. O primeiro contato com o carro de Ricardo Batista aconteceu a 200,9 km/h. Em seguida, Pedro aliviou o acelerador e freou antes de ser atingido novamente pelo 911 descontrolado. A última medição de velocidade registrada com as rodas no chão indicou que o carro foi alavancado a 169,3 km/h.
Pedro Piquet precisou ser removido do carro, mas estava consciente. Ele foi levado ao hospital onde passou por uma série de exames e foi diagnosticado com uma pequena fratura na mão e um leve trauma no pulmão, além de hematomas no rosto. Ele passou a noite em observação, mas tranquilizou os torcedores com uma publicação em seu Instagram, dizendo que tudo estava bem.
A telemetria também registrou a aceleração do Porsche durante o acidente: Pedro foi submetido a uma aceleração lateral de 8,4G (para se ter uma ideia, esportivos como o Nissan GT-R ou o Corvette chegam ao limite da aderência em 1,2G). A aceleração longitudinal chegou a 6,5G, enquanto a aceleração vertical chegou a 8,7G. A combinação dessas forças — situação à qual Pedro foi submetido durante a sequência de rolagens — chegou a impressionantes 12,7G, ou seja 12,7 vezes a aceleração da gravidade. Ele certamente ficou inconsciente durante a rolagem e só acordou quando o carro finalmente repousou sobre o que sobrou das quatro rodas.
Quanto à culpa do acidente, esqueça esse papo. Isso é simplesmente o que acontece quando dois pilotos competitivos disputam posição em uma curva. É simplesmente a essência do automobilismo, ainda que às vezes possa ser um pouco dolorosa.