A Zenvo é uma fabricante relativamente nova: fundada em 2004, completa 14 anos em 2018. Seu nicho de atuação pode ser considerado o dos supercarros alternativos, feitos para brigar com as companhias consagradas, agradando a quem não quer ser só mais um ao volante de uma Ferrari, Lamborghini ou McLaren, e deseja algo ainda mais diferentão do que um Pagani, por exemplo.
Até hoje a Zenvo tem um único modelo, lançado em 2008. O fundador e engenheiro-chefe da companhia, Troels Vollertsen, tem orgulho de dizer que o carro foi totalmente desenvolvido na Dinamarca – ainda que a primeira versão, chamada Zenvo ST1, usasse um motor GM small block LS7 de 6,8 litros com turbo e supercharger. O Zenvo ST1 tinha 1.120 cv a 6.900 rpm e era capaz de chegar aos 100 km/h em três segundos cravados, com velocidade máxima de 375 km/h. Quinze unidades fora fabricadas artesanalmente entre 2008 e 2015, e então a Zenvo anunciou que uma versão atualizada do carro, agora chamado Zenvo TS1, seria lançada em 2017. E foi.
O Zenvo TS1 tem um novo motor V8, agora com 5,9 litros de deslocamento e dois superchargers do tipo centrífugo para entregar insanos 1.180 cv a 7.700 rpm e 112,1 mkgf de torque à mesma rotação. Novamente, 15 exemplares serão fabricados, e a Zenvo também lançou uma versão exclusiva para a pista chamada TSR, com interior aliviado e aerodinâmica ainda mais radical. Então, no Salão de Genebra deste ano, foi apresentado o Zenvo TSR-S… versão de rua da versão de pista do TS1 de rua. Como a gente costuma dizer: se parece confuso, é porque é confuso mesmo.
Todo Zenvo usa a mesma estrutura de alumínio com suspensão por braços triangulares sobrepostos e amortecedores Öhlins ajustáveis. De acordo com a marca, o visual do ST1/TS1/TSR/TSR-S é totalmente funcional: parte do formato da estrutura e posicionamento dos componentes mecânicos e é vestido com uma roupagem aerodinâmica. O que o TSR-S tem de diferente é que, além de ter um visual ainda mais radical, com um splitter maior na dianteira, entradas de ar mais avantajadas nas laterais e fibra de carbono exposta, ele traz uma asa traseira das mais… não convencionais que já vimos. Eles a chamaram de asa centrípeta.
Já vimos componentes aerodinâmicos móveis antes e esta é uma tendência cada vez mais forte entre os hipercarros e mesmo entre os supercarros (alô, McLaren!), mas o Zenvo TSR-S leva o negócio a outro nível. De acordo com a explicação da própria Zenvo:
A asa traseira tem dois eixos rotacionais que a permitem a função dupla de freio aerodinâmico e estabilizador nas curvas. Quando o TSR-S faz uma curva, a asa rotaciona sobre o eixo longitudinal do carro. Isto gera uma força adicional que atua junto da downforce convencional, aumentando a aderência na roda interna da curva e a estabilidade na curva.
O nome “Centrípeta” é uma referência direta à força centrípeta [Nota: a força que puxa um objeto para o centro em uma trajetória circular, agindo em oposição à força centrífuga]. Quando em posição horizontal absoluta, uma asa traseira convencional gera downforce perpendicular à sua posição horizontal, ou seja, absolutamente vertical. Quando a asa centrípeta se inclina e sai da posição horizontal absoluta, a downforce continua perpendicular ao plano da asa, gerando então força centrípeta. Esta força centrípeta reduz a tendência da traseira de escapar – uma característica inerente aos carros de motor central-traseiro. Além disso, a posição de ancoragem da asa permite que ela atue como uma barra estabilizadora adicional. Isto dá mais aderência à roda interna da curva, reduzindo a chance de perda de tração na traseira, e também assegura mais downforce sobre a roda do lado de dentro. A asa também atua como um freio aerodinâmico quando totalmente voltada para cima.
Fica mais fácil visualizar o que eles estão querendo dizer ao ver o carro em ação. Os primeiros vídeos do Zenvo TSR-S acelerando na pista com outros supercarros começaram a aparecer só agora, meses depois de sua apresentação em Genebra. Aliás, sequer o preço foi revelado – especula-se algo acima de US$ 1,8 milhão.
É inegável que o efeito visual da asa centrípeta em funcionamento impressiona. Mas será que, na prática, ela representa mesmo uma vantagem expressiva?
Temos nossas dúvidas, e por uma razão simples: balanço dinâmico – no caso, aerodinâmico.
Vamos pegar como exemplo uma curva de velocidade média ou média-alta: com a asa centrípeta atuando, tem-se um ganho de aderência no pneu traseiro interno da curva, certo? Vamos assumir então que, graças a isso, há um ganho de aderência resultante no eixo traseiro com esse dispositivo. Sem um apêndice similar no eixo dianteiro, a atuação da asa tende a migrar o centro de pressão aerodinâmica do carro mais para trás, desbalanceando a dinâmica do carro e deixando-o mais sub-esterçante, escapando de frente. Ganha-se mais aderência atrás, mas não há nada que faça ganhar mais aderência na dianteira.
De acordo com a Zenvo, o splitter frontal maior e as modificações aerodinâmicas do TSR-S compensam esta disparidade, o que nos soa contraditório: se os componentes aerodinâmicos dianteiros estáticos mantém a mesma proporção de ganho de downforce que a traseira móvel numa curva, então a asa centrípeta seria inútil. E há uma questão mais delicada para a pilotagem: a asa centrípeta cria uma variável aerodinâmica bastante complexa, que influencia diretamente a tocada do piloto e também o acerto de suspensão – que, no caso do supercarro dinamarquês, não conta com componentes ativos ou reativos. Há também uma questão de manutenção e confiabilidade, mas não vamos entrar neste mérito.
Independentemente disto, trata-se de uma solução exótica que sem dúvida chama a atenção da gente de forma hipnotizante, e tem seu mérito por causa disto. Com tantos superesportivos ousados e inovadores lançados nos últimos tempos, de diferentes formas – a aerodinâmica radical do Ford GT, as proporções e o nome do McLaren Senna, 1.500 cv do Bugatti Chiron – fica cada vez mais difícil causar impacto. Quem procura algo para torcer pescoços dificilmente conseguirá algo que chame mais a atenção que um outdoor balançando pra lá e pra cá numa curva. Certamente, por conta do arrojo no arranjo, o Zenvo TSR-S terá sua página na história dos aerodinamicistas. Mas não um capítulo como a Chaparral Cars de Jim Hall e Hap Sharp.