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Car Culture

A evolução do design automotivo | Parte 4: os arrojados anos 70

A década de 1960 é amplamente considerada o auge do design automotivo. Afinal, foi nos anos 60 que surgiram alguns dos carros que sempre são lembrados como “os mais bonitos de todos os tempos” – Jaguar E-Type e Lamborghini Miura, por exemplo. Esportivos americanos icônios, como o Ford Mustang e o Chevrolet Corvette C2, também costumam ser citados como evidência disto. E com razão: eles são mesmo belíssimos.

Mas a década seguinte também trouxe uma série de elementos e tendências de design que se tornaram emblemáticos – além de vários modelos que se tornaram extremamente influentes. E mais: nos anos 1970, foi possível notar uma mudança importante: os Estados Unidos, que pouco antes viveram seus anos de ouro em termos de design automotivo, começaram a ser ofuscados pelos europeus e até mesmo pelos japoneses. Mas… por quê?

Muito disto tem a ver com a própria indústria dos automóveis nos EUA. No fim da década de 1960, a maior parte dos esbeltos e atraentes cupês esportivos – em especial o já citado Ford Mustang – estavam perdendo o charme. Atualizações de design anuais, que eram algo esperado pelo público, tornaram o Mustang de 1970 um carro muito maior, mesmo utilizando a mesma base desde o início, e que não tinha a mesma elegância descolada dos primeiros anos.

O Mustang, aliás, é um excelente termômetro para o direcionamento que o design automotivo norte-americano tomou a partir dali. Em 1971, quando sua última reestilização foi implementada, o cupê ficou praticamente irreconhecível. O teto fastback assumiu uma linha quase perfeitamente horizontal; o capô ficou mais longo e a dianteira ficou mais baixa; e havia mais linhas retas e brutas.

A metamorfose do Mustang era um excelente exemplo da postura que as Big Three de Detroit tomaram naquela época de transição. Carros compactos importados da Europa e do Japão ganhavam espaço nas ruas à medida em que os jovens amadureciam e o público em geral procurava automóveis menores, mais econômicos e mais racionais. Contudo, as fabricantes americanas ainda enxergavam os compactos como algo incerto – ou mesmo como invasores que deveriam ser combatidos com doses copiosas de american metal. Não apenas na carroceria, mas também nos motores, que continuavam grandes e beberrões.

E isto não valia apenas para cupês esportivos – carros de luxo, como as opções da Cadillac e da Lincoln, por exemplo, mantiveram proporções exageradas e sisudas. Por outro lado, também já era visível uma tendência a adotar formas mais limpas, sem curvas ou superfícies complexas, bem como faróis mais discretos e uma redução perceptível nos detalhes cromados. Detalhes que se tornaram comuns foram lanternas traseiras embutidas nos para-choques e persianas nas janelas traseiras.

 

Mas o que realmente afetou – e de forma geralmente negativa – o estilo dos carros americanos na década foi a mudança na legislação que entrou em vigor em 1973. Por exigência da National Highway Traffic Safety Administration (NHTSA), todos os carros novos vendidos nos EUA a partir daquele ano deveriam ser equipados com para-choques capazes de evitar quaisquer danos à carroceria em colisões a até 8 km/h (5 mph).

O pobre coitado do Maverick norte-americano e seus para-choques de 5 mph

Esteticamente, foi um desastre. As fabricantes tiveram de correr para adequar os modelos que já estavam em produção às novas regras – e, quase invariavelmente, acabavam com a harmonia em seu design. Em alguns casos a mudança foi particularmente triste, como no caso do Chevrolet Camaro de segunda geração. Uma de suas características de estilo mais interessantes – o para-choque bipartido, com a grade no meio – foi trocado por uma enorme barra cromada que claramente foi adaptada às pressas (um aftertought, como diz-se em inglês).

O Ford Mustang talvez tenha sofrido ainda mais – a segunda geração, que se tornou um carro compacto de baixo custo feito sobre a mesma plataforma do Ford Pinto – já não era um carro muito atraente, e os para-choques de impulsão não lhe faziam favores.

Quem se saiu melhor foi a Chrysler – de forma geral, seus modelos mais representativos, como o Dodge Challenger e seu irmão maior, o Charger, integraram melhor os para-choques de 5 mph em seus desenhos. O Challenger foi especialmente feliz, incorporando com maestria a lâmina cromada da peça às linhas da carroceria, na dianteira e na traseira.

As soluções de design para os para-choques de impacto variavam de fabricante a fabricante. Algumas chegavam a equipar os para-choques com amortecedores e protetores de borracha, o que além de prejudicar a aparência dos veículos, aumentava a complexidade e o peso do conjunto – e, consequentemente, o preço.

 

Europa: outra realidade

Enquanto os americanos estavam às voltas com a legislação e foram forçados a modificar o estilo de seus carros para adaptar-se a eles, na Europa a situação era completamente diferente. Para começar, já na segunda metade da década de 1960 os europeus começaram a empregar formas mais discretas e harmônicas em carros naturalmente mais compactos e leves. Elegância era onipresente e discrição era um atributo comum, mas também havia diversos carros marcantes por sua ousadia – e feitos sem preocupação com os padrões de segurança americanos.

Entre os modelos de grande volume, é possível nomear um projetista cuja influência foi gigantesca: Giorgetto Giugiaro. O designer italiano criou o Volkswagen Passat em 1972 e, através dele, inaugurou a identidade visual que a VW seguiu em praticamente todos os seus modelos a partir dali – faróis redondos embutidos na grade, área envidraçada generosa e laterais limpas também foram aproveitados em carros como o Golf e o Scirocco, ambos de 1974. Até mesmo a Volkswagen Transporter de terceira geração, lançada em 1979, adotou alguns destes elementos.

Não é por acaso que os trabalhos de Giugiaro para a Volkswagen logo ganharam rivais muito parecidos. A Renault, por exemplo, lançou em 1975 o R20 – que, visto de lado, tinha perfil idêntico à versão de quatro portas do Passat. Além disso, praticamente toda fabricante europeia lançou sua própria versão do Golf Mk1 ao longo da década de 1970.

É claro que havia pontos fora da curva. O mais representativo deles talvez seja o Citroën SM, de 1970 – um grand tourer com motor V6 cheio de soluções de estilo criativas, como faróis e placa protegidos por uma lente transparente, perfil em forma de gota, rodas traseiras parcialmente cobertas e o para-choque traseiro acima das lanternas, e não abaixo delas.

 

Apesar disto tudo, porém, talvez a tendência de design automotivo mais marcante da década de 1970 sejam os supercarros em forma de cunha.

Como contamos nesta matéria recente, a ideia de um esportivo com um bico baixo e fino, o capô formando uma linha contínua com o para-brisa – este, extremamente inclinado – e uma traseira alta e vertical foi popularizada por Marcello Gandini. O jovem designer italiano começou a empregar esta fórmula em carros conceito já na década de 1960, mas foi em 1971 que o primeiro automóvel deste tipo estreou (inicialmente como protótipo no Salão de Genebra): o Lamborghini Countach, que ganhou sua versão de produção em 1974.

O Lamborghini Miura, também assinado por Gandini, era um carro belíssimo. Mas suas formas e proporções eram mais clássicas, com o capô ainda razoavelmente destacado, faróis circulares e uma boa dose de curvas. O Countach, não. Ele era completamente diferente de qualquer outro cupê esportivo que se podia ver nas ruas: tinha faróis escamoteáveis, para-brisa extremamente inclinado, dutos NACA nas laterais, um minúsculo vigia traseiro e caixas de roda com contorno assimétrico – sem falar nas portas tesoura.

 

Tais características ecoam em todo supercarro que a Lamborghini fez depois, claro, mas imediatamente as fabricantes de esportivos sentiram o impacto do desenho futurista do Countach.

O próprio Gandini foi o projetista do Lancia Stratos, especial de homologação para o Grupo 4 do WRC lançado em 1973 (dois anos depois da estreia do Countach em Genebra). A Ferrari apresentou a 308 GTB, sucessora da Dino 246, em 1975 – com um desenho muito inspirado de Leonardo Fioravanti do estúdio Pininfarina. E até mesmo os alemães da BMW chamaram Giorgetto Giugiaro para dar um toque italiano ao M1, seu único superesportivo de motor central-traseiro. Todos visivelmente influenciados pelo Countach.

Falando em alemães, a Porsche trouxe em 1977 o 928, esportivo com motor V8 dianteiro arrefecido a água que, ingenuamente, tinha a intenção de substituir o 911 como carro-chefe da marca. Mas, além de romper radicalmente com o arranjo mecânico tradicional da Porsche – que, àquela altura, já era usado havia quase três décadas – ele também tinha um estilo que, talvez, fosse inovador demais para o período, com um bico afilado que se dissolvia em direção a uma traseira arredondada, e para-choques com miolo de poliuretano bem integrados à carroceria.

Foi só na década de 1980, com a adição de alguns spoilers, lanternas traseiras maiores e para-lamas mais largos, que o 928 ficou mais palatável ao público (embora hoje em dia o estilo quase minimalista dos primeiros exemplares seja mais valorizado) – e o 928 sobreviveu com vendas razoáveis até 1995. Mas a extravagância oitentista fica para a próxima parte desta história.