Enfim, temos o novo BMW Série 4 G22 revelado. Um dos carros mais polêmicos dos últimos anos – tudo por causa de sua enorme grade dianteira. É um caso atípico no qual a controvérsia ocorre não porque um automóvel rompeu com uma característica marcante em sua história, mas sim porque os projetistas decidiram levá-las às últimas consequências.
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Aproveitando o ensejo, resolvemos fazer uma breve análise de cada uma das gerações do BMW Série 3 cupê e do Série 4 – começando pelo BMW E21, de 1975, quando só havia o cupê, até o recém-lançado Série 4 G22. Assim, veremos quais foram os rumos que o Série 3/Série 4 tomou para chegar ao carro que foi apresentado nesta semana.
BMW E21
O BMW E21 foi a primeira geração do BMW Série 3, lançada no longínquo ano de 1975 e fabricado até 1983. Ele foi o sucessor da chamada Série 02, parte da Neue Klasse de sedãs e cupês da Baviera – da qual o membro mais famoso talvez seja o BMW 2002 Turbo.
Esteticamente, o carro era uma clara evolução do Série 02 nas proporções, com três volumes muito bem definidos e faróis circulares (que podiam ser simples ou duplos, dependendo do nível de acabamento e do ano de fabricação. Por outro lado, a silhueta da carroceria era bem mais retilínea, e as lanternas traseiras deixaram de ser circulares para adotar o formato retangular, de perfil bem baixo – uma característica comum a outros projetos alemães da época.
O diretor de design do projeto foi Paul Bracq, que já havia projetado o Série 5 E12 em 1971. É visível a intenção de Bracq em tornar o E21 semelhante ao E12 e unificar a identidade visual da BMW para a década de 1970. E isto inclui a pequena grade “duplo-rim” centralizada na dianteira. Nesta configuração, ela era mais decorativa, e tinha quase a função de um emblema – era pelas entradas de ar ao lado duplo-rim que entrava o ar fresco para o radiador.
É importante frisar que, na geração E21, só havia dois tipos de carroceria – cupê e conversível. E o cupê estava mais para um sedã de duas portas. Foi só na geração seguinte que a BMW expandiu o leque de opções, introduzindo um sedã de quatro portas e uma perua.
Motores: O BMW Série 3 E21 Coupé tinha motores de quatro cilindros (M10) e seis cilindros (M20), sempre com comando simples no cabeçote e duas válvulas por cilindro. Os modelos com carburador não tinham a letra “i” após a numeração – e esta sempre correspondia ao deslocamento do motor (por exemplo, “316” fazia referência ao Série 3 com motor de 1,6 litro). A versão mais potente era a 323i, com um seis-em-linha de 2,3 litros com injeção eletrônica, 141 cv e 19,3 kgfm de torque.
Dimensões: 4,355 m de comprimento, 1,61 m de largura, 2,563 m de entre-eixos. Peso entre 1.020 kg e 1.180 kg.
BMW E30
A geração E30 é icônica por si só – afinal, ela foi a primeira a contar com o esportivo M3, que na época era o especial de homologação da BMW para o DTM (Deutsche Tourenwagen Meisterschaft, o Campenato Alemão de Carros de Turismo).
Mas, em termos de design, o E30 era ainda mais próximo do E21 que o E21 do Neue Klasse – no fato de o cupê estar mais para um sedã de duas portas, inclusive. Aliás, nem o E21 e nem o E30 se encaixam na definição mais rígida para o termo “cupê” – um carro de duas portas com caimento suave no teto e portas sem molduras.
A dianteira manteve os quatro faróis circulares, bem como a grade pequena e centralizada. Mas as proporções ganharam corpo, incluindo o perfil das lanternas traseiras, que permaneceram horizontais e sóbrias. Outra coisa que não mudou praticamente nada foi o contorno dos vidros laterais traseiros – simples, amplo e com a Hofmeister kink bem demarcada.
Motores: O Série 3 E30 Coupé tinha versões de quatro a seis cilindros, e eram sempre batizadas de acordo com o deslocamento. Os quatro-cilindros pertenciam às famílias M10 e M40, com deslocamento entre 1,8 e 2,5 litros, enquanto os seis-em-linha eram da família M20, deslocando entre 2,5 e 2,7 litros. Todos tinham comando simples no cabeçote e duas válvulas por cilindro (com exceção do S14 do BMW M3, que era DOHC).
Dimensões: 4,325 m de comprimento, 1,645 m de largura, 2,57 m de entre-eixos. Peso: 1.080 kg a 1.200 kg.
BMW E36
A geração E36 foi lançada em 1990 e trouxe a primeira grande revolução no design do cupê E36. De forma interessante, ele não se rendeu às tendências “arredondantes” da nova década (certamente por ter sido projetado ainda na década de 1980), mas conseguiu manter-se atual ao longo de uma década inteira – ele saiu de linha em 2000.
A linguagem visual da Série 3 mudou bastante com o E36 – agora os faróis tinham uma lente transparente sobre os elementos redondos e eram quase perfeitamente retangulares. A grade duplo-rim manteve praticamente o mesmo formato, mas agora ficava sozinha entre os faróis, e a entrada de ar para arrefecimento ficava abaixo da placa, entre os faróis auxiliares. Atrás, as lanternas ficaram mais integradas à carroceria e ficaram menores.
Além disso, o cupê E36 estava mais próximo de um cupê de fato, graças às portas sem molduras. Mas o teto não tinha um contorno muito diferente do que se via no hatchback E36 Compact e o terceiro volume ainda era bem definido. Já a janela traseira ficou menor e mais triangular, com o Hofmeister kink ainda bem aparente.
Motores: O BMW Série 3 E36 Coupé novamente tinha motores de quatro ou seis cilindros em linha, das famílias M40/M42/M44 (entre 1,6 e 1,9 litro) e M50/M52 (entre 2,0 e 2,8 litros), respectivamente. O M42 e o M44 tinham comando duplo no cabeçote, bem como o M50. Desconsiderando o BMW M3, versão mais potente era o 328i, que dispunha de 193 cv e 28,5 kgfm de torque.
Dimensões: 4,433 m de comprimento, 1,71 m de largura, 2,7 m de entre-eixos. Peso entre 1.315 e 1.395 kg.
BMW E46
Com o Série 3 E46, lançado em 1997, estabeleceu-se um padrão – depois de uma geração revolucionária, uma geração evolutiva. Em proporções e silhueta o E46 era claramente inspirado no antecessor, mas com contornos mais arredondados e uma postura mais imponente.
No caso do cupê, ficava mais evidente a intenção de arredondar o carro – especialmente na silhueta do teto. A dianteira tinha faróis trapezoidais e, na parte inferior, dois pequenos ressaltos no contorno para acomodar os elementos internos circulares; a grade, por sua vez, ficava na mesma posição e tinha o mesmo estilo da geração anterior. Já a traseira apostou em lanternas retangulares com extensões que invadiam a tampa do porta-malas – era a primeira vez que as peças tinham contorno irregular no Série 3 cupê.
Para muitos fãs da BMW e do Série 3, a primeira fase da geração E46 foi o auge em termos de design. O carro ainda tinha a silhueta esbelta dos clássicos, porém a linguagem estilística era contemporânea. As formas eram sóbrias mas tinham esportividade e arrojo.
Contudo, o facelift de 2001 meio que tirou um pouco desta elegância – os faróis ganharam um contorno mais puxado, com as setas voltadas para cima e contorno curvo na parte inferior. Não era feio, mas não tinha a mesma harmonia de antes da reestilização.
Motores: O BMW M3 E46 cupê era movido pelos motores quatro-cilindros N42 e N46; e pelos seis-em-linha M52 e M54, sempre com comando duplo no cabeçote, e boa parte deles com variador de fase. O mais potente de todos era o 330i com motor M54 de três litros, 238 cv e 30,7 kgfm de torque.
Dimensões: 4,486 m de comprimento, 1,74 m de largura, 2,725 m de entre-eixos. Peso de 1.385 kg.
BMW E92
Com a geração seguinte, pela primeira vez o Série 3 tinha códigos diferentes para cada tipo de carroceria – o sedã era o E90, a perua era o E91, o cupê era E92 e o conversível ficava com a designação E93. Além disso, cupê e conversível tinham faróis com desenho exclusivo – ligeiramente menores e mais afilados que no sedã e na perua.
Lançado em 2007, o cupê E92 trouxe a Série 3 para o século 21 em design – adequando-se a novas normas de segurança, ele rendeu-se às formas mais infladas que caracterizam os carros atuais, bem como aos para-choques bem integrados às linhas da carroceria. A traseira do cupê trazia de volta as lanternas horizontais, porém adaptadas aos novos tempos – maiores, com elementos internos mais complexos e lentes totalmente vermelhas.
No facelift promovido em 2010 as mudanças foram bem discretas – a grade aumentou marginalmente de tamanho e os para-choques tiveram o desenho levemente atualizado. Os faróis também tiveram o contorno refeito, mas quase não dá para perceber: eles só ficaram mais “abertos”.
O que ninguém imaginava na época é que aquela seria a última geração do Série 3 cupê a se chamar Série 3.
Motores: O BMW M3 foi o primeiro a usar um motor V8, mas as versões normais do Série 3 E92 Coupé permaneceram com motores de quatro e seis cilindros em linha. A grande novidade, porém, era a adoção do turbocompressor – dois deles, na verdade, no motor N54 utilizado pelo 335i. Com três litros de deslocamento, ele dispunha de 306 cv e 40,8 kgfm de torque. Em 2010 estreou o motor N55, também de três litros, mas com um único turbo de duplo fluxo (twin-scroll) – números de potência e torque eram os mesmos, mas otimizados na faixa de rotações.
Dimensões: 4,612 m de comprimento, 1,782 m de largura, 2,76 m de entre-eixos. Peso de 1.420 kg.
BMW F32
Deste aqui todo mundo lembra, pois foi uma decisão radical: a partir de 2013, com a geração F30, o cupê passaria a se chamar Série 4 – foi quando a BMW decidiu que seus cupês teriam numeração par, enquanto os sedãs utilizariam a numeração ímpar.
Na prática, porém, o Série 4 ainda era o cupê do Série 3 – tanto que, informalmente, muitos ainda o chamam assim. Tanto que o Série 4 F32 tinha a dianteira praticamente idêntica à Série 3 F30 – o contorno dos faróis era quase o mesmo, e em ambos eles eram ligados à grade de uma forma que não agradou a todo mundo de início (mas depois nos acostumamos). A grade, aliás, era perceptivelmente maior que na geração anterior – algo que foi notado na época mas, em retrospecto, não era tão escandaloso quanto o que viria depois.
A carroceria como um todo, adotou vincos mais marcantes. Mas a silhueta mudou pouco em relação à geração anterior – especialmente na área envidraçada, que conservava ainda a base reta e o Hofmeister kink como um elo forte com o passado. As lanternas traseiras renderam-se de vez ao contorno irregular, ainda com um elemento separado invadindo a tampa traseira.
Da mesma forma que ocorreu na geração E92, o BMW F32 foi concebido para durar – ao longo de sete anos ele quase não teve mudanças – o facelift de 2017 só trouxe novos elementos internos para os faróis e para-choques redesenhados em todas as versões, sem mudanças perceptíveis nos painéis da carroceria.
Motores: Novos motores foram adotados pelo Série 4 – todos eles sobrealimentados, pela primeira vez. Os B48 (184 a 252 cv) e B58 (352 cv), de quatro e seis cilindros, respectivamente, são utilizados atualmente em uma variedade de modelos, incluindo o Toyota Supra. E em 2016 foi lançado o 418i, movido pelo três-cilindros turbo B38, de 1,5 litro e 136 cv.
BMW G22
E enfim, chegamos ao carro que a BMW mostrou nesta semana – o Série 4 G22. Com ele, a BMW parece querer afastar um pouco mais o Série 4 do Série 3. Curiosamente, porém, o M3 e o M4, previstos para setembro de 2020, deverão compartilhar a mesma face.
Na apresentação do Série 4, a BMW mencionou modelos históricos que foram referência no design do novo Série 4, como o 3.0 CS (acima). O cupê da série E9 tinha a grade duplo-rim vertical, assim como uma série de outros BMW mais antigos. Ela era menor, mas de certa forma é um precedente histórico para o formato da grade do Série 4 G22.
E não para por aí. Como mencionado no post de lançamento, o 2000CS vendido na década de 1960 e projetado pelo estúdio Pininfarina também tinha uma dianteira polarizante, contando não apenas com uma grade avantajada e vertical, mas também com faróis em forma de trapézio invertido que dividiram a opinião do público e da imprensa na época.
Houve também uma referência que a BMW não mencionou, mas faz todo o sentido: o conceito 2200ti Garmisch, desenhado pelo estúdio Bertone e apresentado em 1970, no Salão de Genebra. Ele não chegou a ser produzido, mas inspirou o Série 5 E12 de Paul Bracq – e trazia uma grade que lembra o Série 4 G22.
Ou seja, não é de hoje que a BMW aposta em elementos de design polêmicos. Mas naquela época não havia a internet para gerar repercussão.
Mas há outra questão. A dianteira não apenas segue uma tendência já vista nas rivais – como a Audi, que traz grades enormes em toda a linha há tempos. Ela também é ousada a ponto de não conversar direito com o restante do carro. Repare na foto de perfil abaixo: todo o restante do carro tem uma pegada bem mais clean e fluida. Quase como se tivesse sido projetada por outra equipe de design.
Além disso, lateral perdeu dois elementos marcantes. Um deles é o vinco abaixo da linha dos vidros, que acompanha o Série 3 Cupê desde sua concepção e tornou-se uma assinatura de estilo muito própria – uma característica estilística que o Série 3 Cupê vinha carregando ao longo de toda a sua história. No Série 4 G22, ela desapareceu.
Além disso, pela primeira vez em um cupê da BMW, o Hofmeister kink foi diluído a ponto de perder a curvatura para a frente, característica presente em todas as gerações do cupê do Série 3 e no Série 4 anterior.
Fica mais do que evidente que a BMW procurou uma ruptura com o novo Série 4 – embora ela seja justificada com referências ao passado. Fica o questionamento: esta ruptura é mesmo necessária? Será que ela vai ser nociva ao BMW Série 4 a médio e longo prazo? São questões que começarão a ser respondidas quando colocarmos as mãos nele – e quando o M4 chegar.