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A fábrica de máquinas de escrever que se tornou uma divisão da BMW

Tudo começou com um carburador na mão e uma ideia na cabeça. Ah, sim: e também um novo BMW que mudaria a história da fabricante bávara e de um cara chamado Burkard Bovensiepen. O carburador era o Weber de corpo duplo; o carro era o BMW Neue Klasse com o motor 1500. A ideia você já deve ter deduzido a essa altura: colocar o carburador no novo modelo.

Foi assim, com uma simples flange para instalação do carburador, que Bovensiepen (leia “bovenzípen”, vai ficar mais fácil) deu seu primeiro passo no mundo automotivo e criou o embrião daquela que se tornaria a segunda maior construtora de BMW do planeta, mais conhecida como Alpina.

A primeira, logicamente, é a própria BMW. Tal como a Ruf, a Alpina é registrada no Kraftfahrtbundesamt, o ministério dos Transportes da Alemanha, como um fabricante de automóveis, e não uma simples preparadora. Mas voltaremos a isso mais adiante; antes vamos continuar a história.

Bovensiepen era membro de uma família tradicional de industriais alemães, e por isso ele tinha acesso irrestrito a ferramental de primeira linha para produzir peças de alta qualidade para sua empreitada. Com os carburadores Weber Alpina, o motor 1.5 do BMW ganhava 10 cv de potência, chegando aos 90 cv — a mesma potência obtida pela BMW dois anos mais tarde com a adoção do motor 1.8 que resultou no modelo 1800.

Ele ainda era um estudante de administração e engenharia, mas seu kit de carburação para os BMW chamou a atenção da imprensa automotiva da época e até mesmo do diretor de vendas da BMW, Paul Hahnemann, que em reconhecimento à qualidade dos componentes certificou a garantia de fábrica para os carros equipados com os kits Alpina a partir de 1964.

Com essa mão amiga da própria fábrica, o jovem Bovensiepen formou a ALPINA Burkard Bovensiepen KG no primeiro dia de 1965, em Kaufbeuren, a 90 km de Munique. Além do fundador, a preparadora tinha oito funcionários que trabalhavam nos kits de carburação, componentes internos e novos cabeçotes para o motor M10 de quatro cilindros do Neue Klasse.

Na época, a Alpina ocupava um dos prédios do complexo industrial do Dr. Rudolf Bovensiepen, pai de Burkard e fabricante de máquinas de escritório, como máquinas de escrever — a fábrica de Rudolf também se chamava Alpina, e Burkard adotou o mesmo nome como forma de manter a relação com os negócios do pai.

Em 1967 Bovensiepen criou o atual logotipo da Alpina, o escudo bicolor vermelho e azul com um carburador duplo e um virabrequim circunscrito por um anel com o nome da marca. Curiosamente a AMG, que nasceu de forma parecida no mesmo ano, usa uma variação do tema em seu emblema, mudando o virabrequim por um trem de válvulas.

Mas foi 1968 o ano que mudou a vida da Alpina. A preparadora decidiu adotar a filosofia win on sunday, sell on monday — provavelmente declamada “gewinnen am Sonntag, verkaufen am Montag” por Bovensiepen e seu pessoal — e se inscreveu no Campeonato de Turismo Europeu.

De 1968 a 1973 a Alpina teve pilotos do porte de Derek Bell, Harald Ertl, James Hunt, Jacky Ickx, Niki Lauda, Brian Muir e Hans Stuck no comando de seus carros — inicialmente o 2800 CS e depois o 3.0 CS. Nessa época também a preparadora passou a usar as rodas de 20 raios, uma de suas marcas registradas até hoje.

Em 1970, sua terceira temporada nas pistas, a Alpina venceu o Campeonato de Turismo Europeu, as 24 Horas de Spa, e os campeonatos alemães de rali, turismo e subida de montanha.

Para o ano seguinte, a Alpina precisava de um carro mais leve para se manter competitiva e conseguiu convencer a BMW a criar uma versão aliviada do 3.0 CS para homologação. O projeto foi delegado à própria preparadora e resultou no 3.0 Coupé Sport Leichtbau, mais conhecido como 3.0 CSL. Sim: o lendário 3.0 CSL, o Batmóvel.

Com ele a Alpina voltou a vencer o Campeonato de Turismo Europeu com Derek Bell, Harald Ertl, Niki Lauda e Brian Muir ao volante. Além do título Lauda também estabeleceu o recorde de voltas nas seis horas de Nürburgring com o CSL. A Alpina ainda venceria o Europeu de Turismo em 1977 com Dieter Quester a bordo de um 3.5 CSL. Após a temporada a preparadora se retirou das competições para se dedicar exclusivamente à produção de carros.

E assim começou outro plot-point dessa história: quando a Alpina deixou de ser uma simples preparadora para dar os primeiros passos à construção de carros de rua. Em 1978 a preparadora apresentou três modelos desenvolvidos in-house: o B6 2.8, que foi o primeiro Série 3 com um motor de seis cilindros — na época a BMW só vendia o Série 3 E21 com motores de quatro cilindros; o B7 Turbo, baseado no Série 5 E28, que tinha 300 cv e se tornou um dos sedãs mais rápidos do mundo em sua época, chegando aos 100 km/h em 6,1 segundos e à máxima de 250 km/h; e o B7 Turbo Coupe que, como seu nome sugere, era a versão cupê do B7, baseado na Série 6 E24. Além do desempenho matador, todos eles tinham ignição eletrônica, algo inédito até então.

 

Cinco anos mais tarde veio o reconhecimento: em 1983 o Ministério dos Transportes da Alemanha reconheceu a Alpina como um fabricante de automóveis, permitindo que os carros construídos por Bovensiepel e cia. fossem registrados como Alpinas em vez de BMW. Apesar disso a parceria com a BMW continuou firme: os modelos Alpina são vendidos e atendidos pela rede de concessionárias e serviço autorizado da BMW — incluindo reparos em garantia.

Os modelos Alpina são reconhecidos por suas rodas de 20 raios, pela pintura metálica exclusiva e patenteada “Alpina Blue”, além do acabamento mais refinado no interior, que geralmente combina couro, alumínio, madeira e outros materiais nobres. Por fora os Alpina também trazem uma linha “pinstripe” em dourado ou prata e o nome da construtora na parte inferior do para-choques dianteiro.

Em 2022 a Alpina foi adquirida pela BMW, tal como a Mercedes comprou a AMG — e, não duvide, poderá fazer com a Brabus, um dia. A Alpina continuará construindo versões modificadas dos produtos BMW até o final de 2025. Depois disso, quem saberá o que a BMW pretende fazer com ela?


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