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Carros Antigos História

A história da Auto Union parte 1: a história da Horch – e a gênese da Audi

Se você é entusiasta, certamente conhece bem a Audi. Mesmo que não seja a sua marca favorita, você deve saber que a Audi é uma subsidiária da Volkswagen, que utiliza os projetos da matriz em seus próprios carros, e que é reconhecida por suas vitórias no WRC com o icônico Quatro/Sport Quattro. Provavelmente você admira os hot hatches e as super peruas da companhia de Ingolstadt, e lembre com certa nostalgia de quando o Audi R8 era um dos supercarros mais incríveis e futuristas que o dinheiro poderia comprar.

Mas a Audi percorreu um longo caminho antes de se tornar a companhia que conhecemos hoje. Um caminho que vem de muito antes de a Audi se tornar a divisão “de luxo” da Volkswagen, na década de 1970,  quando forneceu  o projeto do primeiro VW arrefecido a água – o Passat, lançado na Europa em 1972 e no Brasil em 1973, que era derivado do Audi 80. Aliás, o consagrado motor AP, o EA827, é derivado do projeto original da Audi.

E é este caminho que vamos explorar na série de posts que começa agora: um especial sobre a Auto Union – a companhia que deu origem à Audi moderna. É bem sabido que Auto Union foi formada em 1932, pela união de quatro fabricantes de automóveis: Horch, Wanderer, DKW e, claro, a Audi original.

O que muitas vezes passa batido, porém, é que a manobra foi mais que umas simples fusão entre quatro empresas diferentes: elas estavam interligadas desde o início. E tudo começou com a Horch, primeira das quatro companhias que abordaremos.

 

August Horch: o pai de todos

Para isto, temos que apresentar August Horch, figura importantíssima no processo todo. Ex-funcionário de Karl Benz, o inventor do automóvel moderno, Horch fundou em novembro 1899 a August Horch & Company, sediada em Köln, na Alemanha, junto com o amigo e sócio Salli Herz. O primeiro carro com a marca Horch foi lançado já em 1901 – uma “carruagem sem cavalos” com motor de dois cilindros e potência de 5 ou 10 cv, dependendo da configuração. Era um carro curioso: tinha quatro lugares, o condutor ia sentado no banco de trás, ao lado do carona, encarando os ocupantes do banco dianteiro. A iluminação era provida por lanternas com velas dentro, e a velocidade máxima era de parcos 32 km/h.

A Horch mudou de sede duas vezes, em 1902 e 1904, primeiro para a cidade de Richenbachh, e depois para Zwickau, ambas no estado da Saxônia – esta última, um dos maiores centros industriais da Alemanha no início do século 20. Foi também em 1902 que a Horch produziu seu primeiro carro de verdade, com motor dianteiro de quatro cilindros, tração traseira, volante e pedais, o Horch 10/12 PS Tonneau. Este carro era tecnologicamente mais avançado que os carros da Mercedes ou da Benz, que na época ainda eram empresas distintas, e eram as maiores rivais da Horch.

Horch promovia uma evolução rápida e constante de seus produtos e, já em 1904, começou a desenvolver seu primeiro motor de seis cilindros, que estreou em 1907. No entanto, ele não pode dedicar-se muito tempo às questões técnicas de seus carros, pois havia problemas administrativos para resolver: August Horch se desentendeu com o quadro de diretores da empresa e foi expulso dela – mesmo que fosse seu fundador. A fabricação e o desenvolvimento de carros continuaram sem ele, e a companhia ficou até mesmo com os direitos sobre seu sobrenome.

Horch foi deixado para trás de mãos vazias, mas não desanimou: meses depois, ele abriu uma nova companhia – a Audi Automobilwerke GmbH. O nome não foi escolhido por acaso, pois Audi, do latim antigo, e Horch, do alemão, querem dizer a mesma coisa: “ouça”, no imperativo do verbo “ouvir”.

As duas companhias conviveram por anos no mercado alemão e, em 1932, foram compradas pela Auto Union, junto com a Wanderer e a DKW. Mas nós já vamos chegar lá.

 

Por conta própria

Mesmo sem a pessoa Horch, a empresa Horch prosperou. A saída de August colocou na geladeira a ideia de um carro de seis cilindros mas, mesmo com motores de quatro cilindros, os Horch não pararam de evoluir. Eles ficaram cada vez maiores, mais potentes e mais sofisticados ao longo dos 15 anos seguintes.

O diretor técnico da Horch na época, Georg Paulmann, era um engenheiro talentosíssimo que queria levar a empresa ao topo do mercado. Seus carros eram luxuosos e potentes, e os motores de quatro cilindros tinham deslocamento absurdamente alto – não estavam sozinhos nesta, na verdade, mas não deixavam de ser impressionantes. 

Os nomes dos carros sempre faziam referência à potência do motor: o Horch 31/60 PS (de Pferdestärke, que é como os alemães chamao os cv do motor), por exemplo, tinha um motor de 6,4 litros e 60 cv. Já o Horch S 33/80 PS tinha um motor de 8,5 litros e 80 cv. E havia modelos menores e mais baratos, como o Pony 5/14 PS, que tinha um motor de 1,3 litro e 14 cv.

Os carros projetados por Paulmann seguiram em produção por mais alguns anos, até que em 1920 a Horch – que passava por problemas financeiros, como era comum nos primeiros anos do automóvel – foi adquirida por outra companhia, a Argus Motoren. Lá, trabalhava o engenheiro Paul Daimler. Ele era filho de Gottlieb Daimler, inventor do motor a combustão interna e fundador da empresa com seu sobrenome que, anos mais tarde, daria origem à Mercedes-Benz.

Daimler puxou o pai e era outro engenheiro cheio de ideias. Para a Horch, ele desenvolveu um novo motor de quatro cilindros e 2,6 litros com comando duplo no cabeçote e potência que variava entre 35 cv e 50 cv, dependendo do acerto.

O motor menos potente era usado nos modelos mais voltados a famílias, enquanto o mais forte era usado nos cupês e conversíveis de apelo mais esportivo – que, capazes de chegar aos 95 cv, estavam entre os carros mais velozes do planeta na década de 1920.

 

Oito cilindros

A Horch não parou por aí: durante a primeira metade dos anos 20, Paul Daimler trabalhou exaustivamente na criação do primeiro motor de oito cilindros produzido em série por uma companhia alemã. Os oito cilindros eram dispostos em linha, com comando duplo no cabeçote.

O primeiro modelo foi o Typ 303/304, com motor 3.1 de 60 cv, lançado em 1926. No ano seguinte, veio o motor de 3,4 litros e 65 cv, com os carros passando a se chamar Typ 305 e 306. Por fim, em 1928, foi lançada a versão de quatro litros e 80 cv nos modelos Typ 350 e 375. Eram carros grandes, com mais de cinco metros de comprimento, que pesavam algo entre 1.900 e 2.200 kg – e, como era costume na época, eram vendidos como chassi rolante, com a carroceria encomendada à parte e fabricada por empresas especializadas.

A fama da Horch no mercado alemão era das melhores, graças à excelência técnica e à sofisticação em sua engenharia. Mas eles não resistiram à Grande Depressão de 1929, que começou nos Estados Unidos mas não demorou a afetar o restante do planeta.

Em 1930 foi convocado um novo diretor técnico, Fritz Friedler. Sua missão era tornar os carros da Horch mais viáveis e econômicos, perdendo o mínimo de refinamento possível. Para isto, ele eliminou um dos comandos no cabeçote e reduziu o deslocamento do motor de volta para três litros, enquanto a potência passou para 65 cv. O motor de quatro litros e 80 cv ficava reservado aos carros mais caros.

Não demorou muito tempo, porém, para que a economia da Europa se estabilizasse e a Horch voltasse a investir em modelos mais luxuosos e, sim, cada vez maiores – já em 1931 foram lançadas versões de 4,5 e cinco litros, com 90 cv e 100 cv, respectivamente. Este último era o motor do Horch 500B, um carro de 5,55 metros de comprimento e versões aberta e fechada, sendo que esta última podia ter até seis lugares.

Em 1931, apostando alto, a Horch apresentou seu primeiro modelo de 12 cilindros, o Typ 670. O motor entregava 120 cv e era capaz de levar o carro a até 140 km/h.

Dois anos depois, a companhia apresentou seu primeiro motor V8, usado nos modelos 830, 830B e 830 BL, com deslocamento de 3,5 e 3,85 litros e potência que variava entre 82 e 92 cv.

No ano seguinte, a Horch fundiu-se às outras três companhias que formaram a Auto Union e deixou de existir como fabricante, tornando-se apenas uma marca do grupo – ao lado da Audi, da DKW e da Wanderer. O nome Horch foi usado nos carros com motor oito-em-linha feitos pela Auto Union até o início da Segunda Guerra Mundial, quando a indústria automotiva alemã interrompeu a produção de automóveis para fabricar material bélico.

Nos anos de conflito, a Horch produziu veículos militares com mecânica Ford até o momento em que sua fábrica foi reduzida a cinzas por um bombardeio norte-americano. Seu retorno aconteceu em 1948, produzindo tratores e caminhões – um mercado de nicho bem menos glamouroso que em seus primeiros anos, com rentabilidade limitada.

O fim da Horch veio em 1958, depois de uma mal-sucedida incursão no segmento de entrada com o P240 de 1955, um carro de seis cilindros que só durou quatro anos.

P240, o último Horch

Ironicamente, sua extinção veio pelas mãos do próprio August Horch, de certa forma – embora ele tivesse morrido em 1951, aos 82 anos de idade. Lembra do que dissemos lá atrás? Depois de ser expulso da Horch, August Horch fundou a Audi. E, depois que Audi, Horch, Wanderer e DKW foram unidas sob a Auto Union, a Audi foi a marca que prevaleceu. Dá até para dizer, foi como uma vingança póstuma para August Horch. Ou melhor: uma compensação.