Trabalho com palavras, entre outras razões, porque elas me fascinam. Todas elas, em todos os idiomas. E uma coisa que eu acho interessante é a variedade de termos que a língua inglesa tem para referir-se àquilo que, em português, chamamos apenas de “relógio”. Clock, por exemplo, geralmente é um relógio de parede ou de cabeceira. Um relógio de pulso, por sua vez, pode se chamar watch, mas também chronograph (“cronógrafo”) se for um relógio usado para cronometrar períodos e além ver as horas. “Cronômetro”, o termo que usamos em português para falar do instrumento usado para medir, por exemplo, tempos de volta, na verdade é o certificado que atesta a precisão de um relógio, cronógrafo ou não.
Os relógios high-end que muita gente admira e sonha em comprar, de marcas tradicionais como TAG Heuer, Rolex, Chopard, Seiko e outros, geralmente são cronógrafos de alta precisão. E estas fabricantes, por fornecerem os aparatos e profissionais para medir (de forma oficial) tempos de volta na beira da pista, acabaram ficando fortemente associadas ao esporte a motor e tudo que o envolve – não só as corridas, mas também filmes dedicados ao automobilismo, personalidades idolatradas pelos entusiastas, e também moda e lifestyle. No fim do dia, ter sua marca de relógios associada ao automobilismo é uma excelente forma de publicidade. Atinge-se um público bem específico de forma certeira: o cara que tem bala na agulha para acompanhar de perto as corridas, para ver e ouvir seus ídolos das pistas a poucos metros de distância, geralmente também é um colecionador de itens de luxo, entre carros, vestuário e, claro, relógios de primeira.
Fica difícil não lembrar, de cara, da TAG Heuer. O lendário Steve McQueen não foi garoto propaganda da marca em “As 24 Horas de Le Mans” (Le Mans), o filme de 1971 do qual ele foi astro principal – e que usou cenas reais, gravadas durante a edição anterior, realizada em junho de 1970, para garantir a autenticidade do que o público veria na telona.
O vídeo acima é o trailer. Até diríamos o filme legendado em PT-BR está disponível na íntegra no Youtube, mas não podemos dizer isto…
Assim, durante o filme e nas fotos de divulgação, McQueen usava um TAG Heuer Monaco – que, na época, chamava-se apenas Heuer Monaco. O nome TAG veio em 1985, depois que o grupo TAG (Techniques d’Avant Garde) comprou a empresa – e, de quebra, conseguiu deixar seu nome ainda mais sonoro. O Monaco foi um cronógrafo revolucionário na época do lançamento, em 1969 – ocasião na qual o relógio foi apresentado simultaneamente em Nova York, nos EUA, e em Genebra, na Suíça (que já era considerada uma das cidades mais significativas para tudo o que tem relação com carros). Primeiro, por ser o pioneiro entre os cronógrafos automáticos, ou seja, que dispensava o ato de dar corda manualmente– seu mecanismo aproveitava a energia gerada pelos movimentos do próprio usuário. Segundo, por seu visor quadrado – que também era inédito no segmento.
Projetado pelo próprio Jack Heuer, bisneto do fundador Edouard Heuer, o Monaco foi batizado, obviamente, em homenagem à lendária corrida de Fórmula 1. E caiu muito bem no pulso de Michael Delaney – tanto que a TAG Heuer não deixa que a imagem do Monaco seja desassociada de Steve McQueen até hoje. E o Monaco sequer é o único relógio da Heuer a trazer esta associação: o modelo Carrera, criado em 1963, foi criado por Jack Heuer pensando especificamente em seus clientes que também eram pilotos – um modelo de design mais simples, minimalista e legível, que também servia para que eles pudessem medir seus tempos de volta e sua velocidade média durante as track sessions.
O melhor é que a ligação da TAG Heuer com o automobilismo vai além dos relógios. A Techniques d’Avant Garde é um conglomerado que atua em várias outras frentes, e no começo da década de 1980 foi patrocinadora da Williams na Fórmula 1 – incluindo as temporadas de 1980 e 1982, nas quais Alan Jones e Keke Rosberg, respectivamente, conquistaram títulos. E, em 1983, após uma reunião com Ron Dennis, a TAG fechou um contrato com a McLaren para adquirir a propriedade da equipe. Foi assim que a McLaren passou a usar motores TAG-Porsche a partir daquele ano.
É por tudo isto que, quando se pensa em relógios ligados ao automobilismo, geralmente a TAG vem em primeiro lugar.
Existem outras ligações bem estreitas do mundo das corridas com o mundo dos relógios, porém. Uma das ligações mais diretas é a da Chopard: desde 1988 a empresa suíça é a patrocinadora e cronometradora oficial da Mille Miglia, uma das mais tradicionais e importantes corridas de longa duração de todo a a história do automobilismo.
E logo que o contrato foi selado, o cronógrafo Chopard Mille Miglia estreou para comemorar, tornando-se um dos modelos mais adorados da linha. Diferentemente do Heuer Monaco, que revolucionou com seu formato, o Mille Miglia é um relógio tradicional, que preza pela elegância de seu desenho, com visor redondo e inspiração direta no painel de instrumentos de um automóvel. Segundo a Chopard, as indicações do cronógrafo foram desenhadas para serem legíveis sem que o piloto precisasse tirar os olhos da pista.
Originalmente um modelo único, que teve 400 exemplares dados de presente a cada um dos pilotos que participaram da corrida em 1988, o Chopard Mille Miglia deu origem a uma linha completa, a Mille Miglia Classic que, atualmente, conta com um modelo correspondente a cada um dos carros mais antigos que participaram da edição daquele ano – fabricados de 1927 a 1940.
Bem longe da Europa, porém, uma marca japonesa também conseguiu criar laços com o automobilismo: a Seiko. Não que seja estranho: fundada em 1881, a companhia – que, além de relógios, também fabrica componentes eletrônicos, semicondutores, joias, equipamentos fotográficos, lentes e óculos – foi responsável pelo primeiro relógio de pulso a quartzo, em 1969; e também a primeira a colocar no mercado um relógio de pulso com cronógrafo.
Embora os serviços de cronometragem da Seiko sejam tradicionalmente mais associados a eventos esportivos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas, você deve lembrar que, na década de 1990, a Seiko foi patrocinadora oficial da British Auto Racing (BAR em galvãobuenês) até 2008, quando a equipe deixou a competição. E, se você jogava Gran Turismo no PlayStation, vai lembrar que os tempos de volta também eram medidos pela Seiko, embora fosse mais uma ação de marketing do que qualquer outra coisa – afinal, era um jogo de videogame.
Por outro lado, a Seiko foi dona da Omega por alguns anos – e a Omega, fundada em 1848, também quis associar-se ao automobilismo com a linha Speedmaster, que foi lançada em 1957 existe até hoje. Curiosamente, porém, o Omega Speedmaster acabou ficando famoso por outras razões: a versão Professional foi o primeiro relógio a ser usado por um astronauta – Buzz Aldrin – durante a missão Apollo 11, que levou o homem à Lua pela primeira vez. Contudo, sua precisão extrema também o fez bastante popular entre pilotos e outros profissionais que dependem da precisão cronológica em suas funções, como atiradores do exército e operadores de submarinos. A Omega, contudo, não deixa de destacar sua ligação com as corridas e de tempos em tempos aparece com uma edição especial do Speedmaster dedicada a algum piloto, como Mario Andretti ou Michael Schumacher.
Evidentemente, também não se pode deixar de mencionar a Rolex, que possivelmente é a mais conhecida das marcas citadas aqui, mesmo por quem não é ligado ao mundo dos carros – na década de 1990 era comum ver programas de TV dominicais fazendo matérias especiais sobre os “relógios mais caros do mundo” ao menos uma vez por ano.
Desde a década de 1930 a Rolex oferece seus serviços de cronometragem. Em 1935, quando Sir Malcolm Campbell levou seu protótipo Bluebird até as planícies de sal de Bonneville, em Utah, para tornar-se o primeiro a quebrar a barreira das 300 mph (482 km/h) em um automóvel.
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Desde então a Rolex fez questão de manter-se próxima das corridas, patrocinando eventos e categorias e, em 1963, apresentando o Cosmograph Daytona, obviamente uma homenagem ao circuito de Daytona, na Flórida – e, reconhecidamente, é a patrocinadora titular das 24 Horas de Daytona até hoje.
Dica do Joel Gayeski