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Car Culture

A origem dos Honda Type R

Está acontecendo mesmo. O Honda Civic Type R está no Brasil e já foi visto em testes de emissões e numa concessionária Honda de São Paulo. O que a concorrência não faz, não é mesmo? Afinal, será que o Type R seria trazido se a Toyota não tivesse confirmado o GR Corolla por aqui?

Bem, não importa. O que importa é que finalmente teremos a linhagem mais nobre dos esportivos da Honda depois de uma sequência respeitável de VTi/Si nos últimos 30 anos — e não só do Civic, se você tem memória boa. A linhagem, aliás, começou praticamente junto da história da Honda no Brasil.

NSX, Prelude, e a ressurreição de um Civic VTi: Kazuhiko Kobayashi e as histórias da chegada da Honda ao Brasil em 1992

Foi em 1992 que a Honda chegou ao Brasil, trazendo Civic, Accord e até mesmo o NSX. E foi em 1992 que o NSX se tornou o primeiro Type R da Honda. Ou melhor, o primeiro “R”, porque o “Type” não faz parte de seu nome de forma oficial. A Honda, contudo, não faz objeção alguma à sua inclusão na linhagem, afinal, a filosofia do NSX-R foi seguida por todos os Type R que vieram depois.

E qual era essa filosofia? Como o NSX já era um carro suficientemente potente e veloz, a Honda se concentrou no alívio de peso e no refinamento dinâmico do carro. O NSX perdeu o isolamento acústico, o sistema de áudio, o estepe, o ar-condicionado e o controle eletrônico de tração. Os bancos de couro com ajuste elétrico foram trocados por bancos de Recaro de fibra de carbono e Kevlar.

As rodas originais de liga leve foram substituídas por rodas Enkei de alumínio forjado, bem mais leves, e a alavanca de câmbio de borracha e couro deu lugar a uma nova de titânio. O resultado: 120 kg eliminados, que deixaram o NSX-R (como ele foi batizado) com 1.230 kg. Para quem fizesse questão do ar-condicionado e do sistema de áudio Bose, eles eram oferecidos como opcionais.

A segunda parte da preparação, o refinamento dinâmico, envolveu a recalibragem da suspensão: molas mais firmes na dianteira equilibravam a transferência de peso, deixando-o mais neutro (sutilmente sobre-esterçante). O carro, que já era insanamente equilibrado, ficou ainda mais afiado para uma tocada inspirada.

Essa primeira série do NSX-R teve somente 483 exemplares produzidos entre setembro de 1992 e novembro de 1995 — o que faz dele um dos Honda mais raros de todos, especialmente por ter sido vendido somente no mercado interno japonês.

Agora… note que eu disse “primeira série do NSX-R”. Isso, porque ele voltou ao mercado em 2002, após a reestilização que deu ao NSX os faróis fixos “bolha”. A receita de redução de peso foi mantida, porém com duas mudanças importantes: a direção perdeu a assistência hidráulica e o carro ganhou elementos de fibra de carbono — o compósito foi usado no spoiler traseiro, no capô e na cobertura do motor. Como a reestilização trouxe reforços estruturais que aumentaram o peso do NSX, a segunda versão R acabou 40 kg mais pesada que a anterior, chegando aos 1.270 kg.

O motor V6 também era diferente: em vez de três litros, ele usava a versão mais nova, de 3,2 litros. Cada motor era montado a mão por um mecânico do programa de automobilismo da Honda, pois parte do processo de montagem era o balanceamento dos componentes internos para se obter a tolerância mínima e a menor diferença de peso possível. Segundo a Honda, o equilíbrio do conjunto rotativo do NSX-R era dez vezes mais preciso (ou seja: as variações de peso e medidas eram dez vezes menores) que no NSX regular.

Oficialmente o motor manteve os 290 cv declarados originalmente, mas você sabe como eram os carros japoneses da época, a potência declarada era uma mera formalidade para não ferir o acordo de cavalheiros da indústria local. Afinal, é pouco provável que um motor com mais deslocamento e todo balanceado a mão tenha um comportamento esportivo ainda mais agressivo e mantenha a mesma potência. A Honda também dizia que a impressão de o motor ter mais potência veio do acelerador eletrônico reprogramado para ter mais sensibilidade no início do curso.

O resultado foi um carro difícil de dirigir nas ruas — afinal, o acelerador era sensível, a direção não tinha assistência e a suspensão era rígida. Imagine um Porsche GT3 RS no modo sport nas ruas de São Paulo. Era algo parecido.

O esforço se justificava: mesmo com 10 anos de estrada e quase 15 de projeto, o NSX-R ainda era extremamente competitivo frente aos esportivos da época. Naquele mesmo ano de 2002, o NSX-R foi levado ao Nordschleife de Nürburgring pela imprensa japonesa e completou a volta em 7:56 — o mesmo tempo da Ferrari 360 Challenge Stradale, também uma versão aliviada, porém com 100 cv a mais.

 

Integra Type R

O segundo carro da linhagem — e o primeiro com o nome “Type R” — não foi o Honda Civic, e sim um primo seu: o Integra Type R. Ele chegou em 1995, dois anos depois do lançamento da terceira geração do cupê, e veio equipado com um motor 1.8 aspirado da família B (a mesma que equipou o Civic VTi no Brasil), com insanos 200 cv a 8.000 rpm. Sim: 1.8 de 200 cv aspirado.

O responsável por esses números era, em grande parte, o sistema VTEC de comando de válvulas variável, que alterava o perfil de atuação a 5.200 rpm, modificando o tempo, cruzamento e levante a partir dali até as 8.700 rpm do “corte” do motor. Como o motor V6 do NSX-R, ele também era montado e balanceado por um mecânico da divisão de competição da Honda.

Como disse mais acima, a receita do NSX-R foi replicada nos modelos seguintes, então o Integra Type R também tinha monobloco reforçado, suspensão recalibrada, alívio de peso (com menos isolamento acústico, para-brisa 10% mais fino e rodas mais leves) e rodas pintadas de branco “Championship White” e emblemas vermelhos.

Mais tarde, houve um segundo Integra Type R, já da geração posterior (DC5). Desta vez ele vinha com o motor K20A (da mesma família do nosso Civic Si), com dois litros de deslocamento e 220 cv de potência, com limite de rotações a 8.400 rpm.

O sistema VTEC alterava o perfil dos comandos a 6.000 rpm — ou seja: quando a maioria dos carros está “morrendo”, o Integra Type-R está só começando o show.

Como o primeiro Integra Type R, ele também tinha peso mais baixo, obtido pela remoção de componentes supérfluos. Ele foi oferecido somente entre 2001 e 2006, e não deixou sucessor.

 

Civic Type R

Sim, o Civic Type R é o mais famoso da linhagem, mas foi apenas o terceiro a receber a ingressar no time. Ele chegou só em 1997 e só para o mercado interno japonês. Baseado na geração EK9, ele tinha o lendário motor B16, uma pequena usina com deslocamento de 1,6 litro e 160 cv, atingindo a fórmula mágica dos 100 cv/litro. Era o suficiente para chegar até os 100 km/h em 6,8 segundos.

Como todo Type R, o Civic trazia medidas para redução de peso, como a remoção do isolamento acústico e itens de conforto. Ele também tinha pontos de solda adicionais para aumentar a rigidez estrutural, câmbio manual de cinco marchas com relações mais próximas e diferencial de deslizamento limitado. A suspensão independente nas quatro rodas, como todos os Civic até então, usava braços sobrepostos e foi recalibrada para otimizar o comportamento dinâmico do carro.

O interior tinha bancos esportivos com tecido vermelho — mesma cor do carpete e dos revestimentos das portas —, volante Momo e alavanca de câmbio com manopla de titânio. Por fora, a cor branco “Championship White” foi oferecida como opção a uma paleta mais abrangente, diferentemente dos outros modelos Type R até então. As rodas de 15 polegadas calçavam pneus 195/55, e também eram brancas como nos demais Type R.

A segunda geração veio em 2001. Enquanto o primeiro Type R era fabricado em Suzuka, no Japão, o segundo Civic Type R (EP3) passou a ser produzido no Reino Unido e, de lá, exportado para outros países — incluindo o Japão. Ele tinha uma diferença bem importante em relação ao anterior: o motor K20, que entregava 200 cv a 7.400 rpm, com corte a 8.100 rpm, 20 kgfm de torque a 5.900 rpm.

A essência do Type R permaneceu intacta na nova geração do Civic. A suspensão continuava sendo um dos pontos fortes, ainda que o sistema dianteiro por braços sobrepostos tenha sido trocado por um esquema McPherson, mais convencional e que exige uma dianteira mais alta.

A terceira geração do Type R, a FN2, foi lançada em 2007. Era baseada na oitava geração do Civic, com visual bem mais futurista por dentro e por fora, mas com o mesmo motor K20 debaixo do capô, recalibrado para entregar 201 cv e entregar o torque máximo mais cedo: os 20 kgfm agora apareciam a 5.600 rpm.

Mesmo que nunca tenha sido tão pesado, com 1.310 kg (o EK9 pesava 1.040 kg, enquanto o EP3 tinha 1.270 kg), o novo Type R era o mais rápido, chegando aos 100 km/h em 6,6 segundos.

O desempenho nas curvas, contudo não melhorou junto, pois pela primeira vez o Type R não trazia suspensão traseira independente: em vez de braços sobrepostos na traseira, havia um eixo de torção. Mesmo com barras estabilizadoras maiores, o carro não tinha a mesma desenvoltura — no Top Gear original, ele foi considerado “não tão divertido”.

A oitava geração do Civic também deu origem a um outro Type R para o mercado japonês: o Type R sedã. Pela primeira vez um Civic Type R ganhava esse tipo de carroceria, que lembra vagamente o nosso primeiro Si, mas com uma receita bem mais radical, pois era impulsionado por uma versão de 225 cv do motor K20, a mais potente utilizada no modelo até então.

Em 2015 veio a nova geração, a primeira com o motor turbo — o que resultou em um motor menos girador que seu antecessor (o limite de giros fica pouco abaixo de 8.000 rpm), mas trouxe uma surpresa que acabou com a piada preferida dos haters: o torque de 40,7 kgfm a apenas 2.500 rpm. Uma patada nas rodas dianteiras que pode levar o Type R aos 100 km/h em 5,7 segundos. A velocidade máxima passou a 270 km/h.

A Honda também equipou o Type R com uma suspensão dianteira especial chamada “Dual Axis Strut” e um diferencial de deslizamento limitado. Essa suspensão é baseada no layout McPherson, mas tem uma manga de eixo adicional para reduzir o esterçamento por torque em até 50% em relação ao Civic comum.

A busca pela precisão dinâmica incluiu também a adoção de amortecedores adaptativos e uma caixa de direção com assistência elétrica especialmente desenvolvida para o Type R.

Apenas dois anos depois veio o novo Type R, também com motor turbo e, pela primeira vez, projetado junto com os demais modelos do Civic, o que significa que ele usa a mesma suspensão traseira multilink do sedã.

A Honda deu a ele uma versão atualizada do VTEC 2.0 turbo da geração anterior. O motor teve o fluxo do cabeçote revisado e sua ECU ganhou uma nova programação para melhorar as respostas do acelerador eletrônico. O torque continua com os mesmos 40,7 mkgf entre 2.500 e 4.500 rpm, mas a potência ficou 10 cv maior, chegando a 320 cv a 6.500 rpm.

Apesar de usar uma plataforma completamente nova e ligeiramente maior e mais larga, ele pesa os mesmos 1.382 kg da geração anterior. A “mágica” é resultado da adoção de ligas de aço de alta resistência e adesivos no lugar de pontos de solda. Além do peso mais baixo, ele ficou 39% mais rígido que o Type R anterior.

Some isso a um centro de gravidade 34 mm mais baixo, a uma suspensão recalibrada e ao sensível aumento da potência e o Type R parece pronto para recuperar seu recorde. Além disso, o câmbio manual de seis velocidades — que será mantido nesta nova geração — ganhou um sistema de sincronização de rotações nas reduções de marchas.

 

Accord Type R

Notou que eu falei que o Civic Type R sedã japonês foi o primeiro Civic Type R com essa carroceria, e não o primeiro Type R com essa carroceria? Isso, porque em 1998, a Honda fez Accord Type R.

Baseado na sexta geração, ele já não tinha mais a versão cupê quando se tornou um Type R. Por isso, ele acabou se tornando o primeiro Type R de quatro portas — o que torna mais aceitável as portas traseiras  dos Civic Type R mais recentes.

Sua receita destoa dos demais Type R. Ele não tem o alívio de peso radical nem um ganho significativo de potência. Seu motor, aliás, era o H22, que compartilha alguns elementos de projeto com o F20 do Honda S2000 e é o “pai” dos motores K, mas é mais antigo e, por isso, mais pesado.

Mas o motor está longe de ser ruim. Ele compartilha com os demais motores, por exemplo, a alta potência específica de 100 cv/litro, uma vez que tem 2,2 litros e 220 cv. E ele também era girador, pois os 220 cv eram produzidos a 7.200 rpm.

A receita do Type R volta a aparecer no acerto dinâmico e nos reforços no monobloco: pontos extra de solda para aumentar a rigidez à torção e suspensão recalibrada, mais baixa e mais firme. Havia ainda diferencial de deslizamento limitado, rodas de 17 polegadas, bancos Recaro e volante Momo — e, claro, a pintura branco “Championship White” na carroceria e nas rodas. Na prática, era um esportivo para o pai de família, um legítimo “gentleman’s drive”.

Aliás, ele foi desenvolvido pela Honda do Reino Unido e vendido apenas no Japão, o que o fez ser conhecido também como “Euro R”.

A geração seguinte do Accord também ganhou uma versão Type R, mas esta era ainda mais comportada que a original. Lançado em 2002, tinha um motor K20 de dois litros e 220 cv muito semelhante ao do Integra Type R. O câmbio era manual de seis marchas e as rodas, de 17 polegadas. Foi vendido até 2008.

 


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