Antes do streaming havia o mp3. Antes do mp3 havia o CD e o MD. Antes do CD e do MD havia os discos e a fita cassette. Antes da fita cassette havia o cartucho de 8 pistas. E antes do disco havia o… rádio, certo?
Errado. Por alguma razão o rádio parece ser mais antigo que o disco, mas os discos (e seus primos cilíndricos) são mais antigos que o rádio. Veja só: Thomas Edison inventou o fonógrafo (fono-grafo: a grafia do som) em 1877 e o colocou à venda na década seguinte.
Esse invento consistia de um cone que recebia as ondas sonoras e as transferia para um cilindro de goma-laca por meio de um diafragma com uma agulha (ele realmente “grafava” o som). Quando o cilindro grafado era tocado, ele movia agulha, o diafragma na mesma frequência, reproduzindo as ondas sonoras gravadas anteriormente. O meio de gravação era cilíndrico porque um cilindro é uma reta sem fim. Como os discos também são retas sem fim, mas são mais convenientes de se armazenar, eles logo surgiram como alternativa aos cilindros.
Nessa mesma época Guglielmo Marconi fazia suas experiências com transmissão sonora por ondas de rádio, usando os fundamentos descobertos por Nikola Tesla alguns anos antes. O padre brasileiro Roberto Landell de Moura também trabalhava nessa tecnologia na mesma época, a virada do século XIX para o século XX. Ou seja: é evidente que o rádio ainda engatinhava quando o fonógrafo já era relativamente popular.
Acontece que o disco está muito ligado à música para as gerações mais recentes, o rádio não. O rádio era o meio de se informar em tempo real antes da TV. Os jornais chegavam só no dia seguinte, mas o rádio poderia parar a música na metade para dizer: “Atenção todos os ouvintes: interrompemos nossa atração musical para informar que o Império Austro-Húngaro declarou guerra à Sérvia”.
Só que isso nunca aconteceu, porque a declaração de guerra que deu início à Primeira Guerra Mundial, foi feita em 28 de julho de 1914. E o rádio, embora já fosse usado para telecomunicações, ainda não era usado para a difusão de notícias ou música ou qualquer outra veiculação pública. A primeira estação de rádio comercial do mundo só começou a transmitir seu sinal em 6 de novembro de 1919, pouco menos de um ano depois do fim da Primeira Guerra. Pois é… o rádio mal completou 100 anos.
Na verdade, ele mal completou mesmo, porque esta estação pioneira, chamada PCGG e sediada em Haia, na Holanda, foi apenas a primeira. As rádios comerciais só começaram a surgir nos anos 1920. E o Brasil foi um dos primeiros países a ter uma transmissão local. Ela começou em 7 de setembro de 1922, justamente no centenário da nossa independência.
O primeiro conteúdo veiculado por um rádio no Brasil foi o discurso do presidente Epitácio Pessoa. O discurso foi feito no Rio de Janeiro, a capital, e havia receptores instalados em Niterói, Petrópolis e São Paulo. A primeira rádio comercial do Brasil foi criada em 1923, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. Tanto a transmissão de 7 de setembro de 1922 quanto a criação da emissora foram obra do antropólogo e educador Edgard Roquette-Pinto — considerado o pai da radiodifusão no Brasil.
E como você não está no Manual do Mundo, nem no Guia dos Curiosos ou no Aventuras na História, é claro que eu vou usar essa data marcante para falar sobre a história do rádio nos carros — no Brasil e lá fora.
Motor-rádio, Motor-ola: os primeiros rádios para carros
Sabe por que não havia radiodifusão antes dos anos 1920 no mundo? Porque os componentes para produzir um receptor de rádio eram grandes e caros. Se você já viu um rádio valvulado, as válvulas e os transformadores, já levantou um destes, conseguirá ter uma noção do problema, porque os rádios valvulados já eram mais leves e mais compactos. Quando os componentes diminuíram e se tornaram mais baratos, o rádio nasceu.
Nos anos 1920, graças à linha de produção de Henry Ford, os carros já eram bem populares em praticamente todo o mundo. Mesmo nos cafundós do Brasil havia ao menos meia-dúzia de carros circulando pelas ruas de terra batida. Com os rádios se popularizando nas casas, a migração para os carros foi quase natural. Afinal, se conversamos à mesa e ouvimos rádio à mesa, porque não conversar no carro e ouvir rádio no carro?
E foi desta possibilidade que, em 1930, a Galvin Manufacturing Company lançou o Motorola 5T71, o primeiro rádio para automóveis de toda a história. A ideia, claro, era tornar as viagens solitárias de carro menos entediantes e as viagens em companhia mais divertidas.
O nome Motorola veio da junção de motor (em alusão aos carros) e o sufixo -ola, um diminutivo latino que era usado em nomes comerciais para fazer uma associação com a forma de uso, suas qualidades ou sua natureza. Havia por exemplo a “Victrola” (toca-discos da RCA Victor), a “Crayola” (fábrica de giz “crayon”), a “granola” (mistura de grãos), a “pianola” (o piano que toca sozinho) e a “gayola” (propina derivada da proibição de bares gays nos EUA). Acho que ficou claro esse lance do “-ola”, não?
Continuando, o Motorola 5T71 era apenas um rádio AM valvulado, com um pequeno dial para ser preso à coluna de direção e um alto-falante com caixa de madeira. Custava US$ 130 (US$ 2.300 em valor corrigido), quase 10% do preço de um carro na época. Era caro, mas a popularidade reduziu seu custo e transformou o nome Motorola em marca registrada.
Na Europa, a primazia foi da Blaupunkt, que ,em 1932, instalou um rádio de 15 kg (!) em um Studebaker. No ano seguinte os ingleses Crossley passaram a oferecer um rádio como opcional em seus modelos.
No Brasil é difícil localizar o primeiro rádio para automóveis, mas sabemos com certeza quem fabricou o primeiro rádio brasileiro para automóveis: a Motorádio.
O nome não é muito familiar para quem tem menos de 35 anos, mas quem passou dessa idade lembra da marca sem dúvida. Ela foi uma das mais populares fabricantes de rádios do Brasil, fornecendo equipamento original de fábrica para a Volkswagen nos anos 1960, antes de a Blaupunkt/Bosch assumirem o papel.
A origem da Motorádio é muito parecida com a da Motorola — e sua trajetória também tem algumas semelhanças. Em 1936 um imigrante japonês chamado Hiroshi Urushima chegou ao Brasil e começou a trabalhar em uma assistência técnica de rádios. Em 1940, ele construiu um rádio para automóveis e deu a ele o nome mais simples e evidente possível: Motorádio.
Não foi um grande sucesso, mas Hiroshi ampliou sua oficina de rádios e, em 1948, fundou uma empresa com o nome daquele rádio que havia criado oito anos antes: Motorádio. Os rádios da marca começaram a se popularizar de verdade a partir de 1953, quando a Motorádio fez uma parceria de distribuição com diversos varejistas de todo o Brasil, em especial a Mesbla.
Dez anos depois, a Motorádio foi reorganizada como uma Sociedade por Ações (S/A) tamanho o sucesso da marca. Foi nessa época que ela começou a fornecer os rádios para a linha Volkswagen no Brasil.
A Motorádio, contudo, encontraria concorrência a partir dos anos 1970, inicialmente de modelos importados como Pioneer, Becker e Blaupunkt, mas depois de fabricantes locais como a Bosch, a CCE/TKR, a Tojo e a Philips. A proibição das importações entre 1976 e 1990 até ajudou na continuidade da marca a ponto de, em 1990, a Motorádio desenvolver um CD player.
Àquela altura, contudo, já era tarde demais: a abertura do mercado e os planos econômicos para conter a famosa inflação galopante foram um golpe severo na saúde financeira da empresa, que declarou falência em 1993.
Durante sua história a Motorádio foi além dos rádios de carro. Ela também produzia rádios de mesa, bolso e portáteis, além de aparelhos eletrônicos da Sony por meio de uma joint-venture — todos os produtos Sony feitos no Brasil entre 1971 e 1984 foram fabricados e distribuídos pela Motorádio.
Aqui, como disse antes, está a semelhança com a Motorola. Embora não tenha criado nada inovador, a Motorádio nasceu nos carros, se diversificou, viveu seu auge, mas entrou em uma rápida queda. A Motorola, felizmente, se salvou ao ser vendida para a Google e para a Lenovo — a quem pertence até hoje.
Já a Motorádio, infelizmente, entrou nesta fase de declínio num dos momentos mais conturbados da nossa história econômica. Com a falência da Motorádio, um grupo de ex-funcionários da empresa deu início à Audiomotor, que fabrica rádios com a marca Motobras até hoje — nenhum deles para carros, contudo.
Leia também
O Guia FlatOuter do som automotivo – tudo o que você precisa saber
Esta matéria é uma amostra do nosso conteúdo exclusivo, que foi publicada aberta como um presente, para você provar um pouco do que produzimos diariamente para os nossos assinantes e FlatOuters.
Se você gostou da leitura, escolha seu plano e torne-se um assinante! Além das matérias exclusivas, você também tem acesso ao grupo secreto (plano FlatOuter), descontos com empresas parceiras para detailing, compras de peças e acessórios, acesso exclusivo aos eventos para FlatOuters, além de vantagens nos sorteios do GoodGuys.