Já faz um tempo que eu vejo a expressão “patinho feio” usada do jeito errado. A imprensa automobilística, por exemplo, usa “patinho feio” pra se referir a um carro que vende menos em uma linha que vende muito. Por exemplo: o Taos é o “patinho feio” da Volkswagen, já que o Nivus e o T-Cross vendem pra caramba, mas o Taos não pegou. Só que isso está errado.
Patinho Feio não é alguma coisa que ninguém gosta. O Patinho Feio é um negócio que é avaliado fora do contexto correto. Na fábula de Hans Christian Andersen, o Patinho é rejeitado pela família por ser diferente dos irmãos. Ele se perde, e é maltratado pelos outros animais porque é um patinho feio. No fim das contas, ele encontra um grupo de cisnes e, atraído pela beleza deles, se aproxima e descobre que ele próprio não era um pato, mas um cisne, e passa a ser respeitado.
O que eu diria ser um patinho feio? Bem… o Toyota Supra Mk4 pode ser um bom exemplo. Ele nasceu como uma resposta da Toyota aos cupês da época, como o Nissan 300ZX, o Mitsubishi 3000GT e seu gêmeo Dodge Stealth, e o Mazda RX7. Como chegou por último, foi o que vendeu menos, apesar de superar boa parte deles, e logo saiu de linha e caiu no esquecimento.
Mas só até ele ser encontrado pela turma da arrancada entusiasta dos chamados “import” — que é o jeito que os americanos chamavam os carros asiáticos na época. E essa turma descobriu o potencial do motor JZ em um cupê de motor central-dianteiro e tração traseira. Com preparações de até 1.000 cv, o carro teve uma segunda chance na história e se tornou o ícone que conhecemos hoje.
Agora, parece que chegou a hora da redenção de um outro patinho feio sobre rodas: o Plymouth Prowler.
Planejado no início dos anos 1990 e lançado no final daquela década, ele chegou cedo demais para a festa flashback. Ninguém era retrô naquela época. Havia o Volkswagen New Beetle, é verdade, mas ele era “um novo Fusca”, o carro mais simpático da história do automóvel.
O Mini Cooper que você comprava em 1997 ainda era o mesmo de 1959, com algumas modernidades para continuar interessante. O Thunderbird de 1997 ainda era aquele cupê esquisitão lançado no início da década. O Mustang era aquele modelo que vimos aos montes no Brasil naquela época. O Camaro era ainda mais esquisito, parecia um cupê japonês montado em uma plataforma americana dos anos 1970. O Dodge Challenger era só uma lembrança distante e triste, que felizmente havia deixado de existir — afinal, ele morrera 14 anos antes como um Mitsubishi Galant Lambda disfarçado de carro americano.
A onda retrô só embalou mesmo por volta de 2005, quando todos esses carros acima já estavam começando a ser modernizados, mas com a cara de sempre. Mas àquela altura, o Prowler já estava morto e sepultado, juntamente de sua fabricante, a Plymouth.
A verdade é que desde o fim dos anos 1980, a Plymouth já era bem mais uma revendedora de Dodges rebatizados do que uma divisão propriamente dita — as vendas cada vez menores de seus modelos foram um fator chave para isso.
Ainda assim, em 1990, um grupo de designers e engenheiros da Plymouth começou a brincar com a ideia de um conceito retrô, inspirado nos hot rods dos anos 1930, 1940 e 1950. Poderia ser uma chance de reverter a situação. Ainda mais com Bob Lutz por perto.
Diz a história que Bob Lutz, então executivo-chefe do grupo Chrysler, viu um dos rascunhos na mesa de um designer. Suas únicas palavras teriam sido “mais atitude”. Àquela altura, isto não queria a dizer muita coisa — mas significava que Lutz havia gostado do que viu e, já naquela época, Lutz era visto como um dos executivos mais visionários do setor. Ao longo de sua carreira, ele sempre foi o cara que as fabricantes de automóveis procuravam quando não sabiam mais o que fazer. Se Lutz havia gostado da ideia, algo precisava ser feito.
E foi: meio que por baixo dos panos, os envolvidos no projeto do hot rod retrô começam a dar corpo ao carro. Em junho de 1992, o primeiro modelo em clay (argila) ficou pronto e, no mês seguinte, o Prowler foi “promovido” e recebeu a luz verde para se transformar em um conceito.
O caso é que o carro apresentado no Salão de Detroit de 1993 foi a um dos destaques do evento — seu visual lembrava muito os corredores de Bonneville, mas atualizado para o século 21. Isto significa que ele tinha uma dianteira agressiva, com faróis afilados e uma grade que tomava toda sua área frontal, e uma carroceria ao estilo “bucket”, com linhas mais suaves e elegantes na traseira. O para-choque era dividido em duas seções que abrigavam as lanternas dianteiras, e as rodas eram cobertas por para-lamas destacados da carroceria — em um misto de hot rod com monoposto da Fórmula Indy.
A calorosa recepção pelo público de Detroit levou Bob Lutz a pedir um período de avaliação de 90 dias, durante os quais seria determinada a viabilidade de transformar aquele conceito em um carro de produção. Na visão de Lutz, aquela poderia ser a salvação da Plymouth — torná-la uma marca de nicho com apelo retrô. O Chrysler PT Cruiser, hatch que também tem formas inspiradas nos carros da década de 1930, porém com um aspecto mais convencional, também foi concebido naquela época e, originalmente, seria vendido pela Plymouth.
O apelo do Prowler, contudo, era ousado demais, e foi preciso bem mais do que três meses para determinar se ele era um carro vendável, mesmo depois de aparecer em alguns eventos de carros antigos e receber muita atenção positiva. A decisão só foi tomada quando o carro foi levado novamente, inalterado, para o Salão de Detroit em 1994— e, mais uma vez, se mostrou o maior sucesso do grupo Chrysler no evento.
Com isso, finalmente conceito foi aprovado para se transformar em um carro de rua.
O desenvolvimento começou imediatamente. No campos de provas da Chrysler em Chelsea começaram os primeiros testes com uma mula batizada de “Prangler” — as entranhas eram do futuro Prowler, mas a carroceria usava componentes do Jeep Wrangler. Era impossível saber o que havia lá embaixo. Hoje sabemos o que era: a Chrysler decidiu-se por usar uma plataforma nova, batizada de PR, mas os componentes mecânicos eram emprestados dos modelos da plataforma LH (como o Dodge Intrepid e os Chrysler Concorde, LHS e 300M).
O conceito ainda foi levado para o Salão de Detroit mais duas vezes — em 1995 e 1996. Nesta última ainda não foram anunciados os planos da Chrysler, mas aconteceu algo que deixou a todos os presentes uma ótima impressão: Bob Lutz e seu xará, Bob Eaton, CEO da Chrysler de 1993 a 1998, apresentaram o carro usando óculos escuros ao estilo “The Blues Brothers” e disseram “é real, e você entende ou não.”
Ao longo do ano de 1996 o Prowler passou pelas fases finais de desenvolvimento e as primeiras unidades de pré-produção começaram a sair da fábrica de Conner Avenue, em Detroit — a unidade responsável pelos projetos experimentais e esportivos, como o Dodge Viper. Alguns carros viajaram pelos EUA, outros foram enviados a veículos especializados para que eles dessem suas primeiras impressões. Cerca de 18 unidades foram feitas — e destruídas após cumprir seu papel.
Em janeiro de 1997 o Prowler apareceu pela última vez em uma edição do Salão de Detroit — mas, desta vez, não era o conceito, e sim o real deal. Os fãs presentes mal podiam acreditar, mas era verdade: aquele hot hod dos novos tempos seria vendido pela rede de concessionárias da Plymouth.
Infelizmente nem sempre as expectativas correspondem à realidade, mesmo que o futuro de uma grande marca esteja em jogo. E estamos falando das expectativas tanto de Bob Lutz quanto do público — ambos foram frustrados por uma decisão ruim por parte da empresa: a de dar ao Prowler apenas motores V6.
Não eram motores ruins — pelo contrário: os pouco mais de 450 carros produzidos em 1997 eram movidos por um V6 de 3,5 litros e 217 cv a 5.850 rpm. O Prowler era um carro razoavelmente leve, empregando componentes de alumínio para manter o peso em cerca de 1.270 kg, e esta potência era suficiente para que ele acelerasse de 0 a 100 km/h em 7,2 segundos, com velocidade máxima limitada a 180 km/h — não era um carro lento.
Só que a questão era mais de princípios que de qualquer outra coisa. Com um visual daqueles, inspirado hot hods com motores V8 “flathead” que atingiam velocidades inimagináveis no deserto branco, o Prowler tinha a obrigação moral de ter oito cilindros em V. Se pudesse escolher, certamente o Prowler trocaria seu V6 por um V8 — mas carros são objetos inanimados, e tudo o que acontece com eles depende de escolhas de seres humanos. E os seres humanos haviam decidido que um V6 estava de bom tamanho.
Uma pausa na produção — certamente para reavaliar a estratégia — se deu durante quase todo o ano seguinte, e só no fim de 1998 a Plymouth retomou a produção, já como modelo 1999. Foi decidido que o motor continuaria sendo um V6, porém com bloco de alumínio e 257 cv a 6.400 rpm. O desempenho melhorou razoavelmente — o 0 a 100 km/h agora era feito em seis segundos, e o limite de velocidade passou a 190 km/h.
Ainda não foi o suficiente para que o carro fizesse o sucesso esperado e antecipado pela recepção do público no Salão de Detroit (todos os cinco anos em que esteve por lá). A Plymouth acabou extinta em 2001 e o Prowler, que era um dos quatro modelos da marca em seus últimos anos, ainda foi comercializado como Chrysler Prowler em 2002. Em cinco anos, 11.702 unidades do Prowler foram vendidas nos EUA e no Canadá — um número razoável, mas muito aquém do esperado.
Talvez dois cilindros a mais tivessem ajudado? Quem poderá dizer. Como disse mais acima, em 1997 ainda não havia a cultura retrô que temos hoje — e posso falar como quem viveu e se lembra da época. A onda “vintage”, os “revivals” e “flashbacks” e o design retrô foi algo que começou a aparecer lentamente a partir do fim dos anos 1990, mais ou menos na época em que o Plymouth Prowler ficou pronto. Filmes como Austin Powers, os carros antigos em “60 Segundos” e o Dodge de Toretto em “Velozes e Furiosos” — tudo isso colaborou para a demanda por design retrô que culminou no Mini modernizado, no Mustang de quinta geração inspirado no original de 1964, na volta do Camaro e do Challenger, em um estranho Ford Thunderbird, no igualmente bizarro Chevrolet SSR e nos postiços PT Cruiser e Chevrolet HHR.
Como toda moda, a era retrô foi uma onda que passou. Menos de dez anos depois ainda havia referências aos modelos originais, mas já fazendo muitas concessões à modernidade. Ironicamente, a Chrysler foi a única que manteve seu carro “retrô” além da moda. Lançado no final de 2007, ele resistiu até 2023 praticamente inalterado, com o mesmo apelo retrô não apenas na estética, mas também na motorização cada vez mais potente, chegando ao auge quando se tornou um dos cupês mais potentes do mundo, o muscle car mais potente da história e o carro com aceleração de zero a 100 km/h mais rápida no mundo.
Mas agora, passado tempo suficiente para olharmos o Prowler com outros olhos, já sem a frustração do V6 e sem a estranheza de ser um cisne entre patos, parece que chegou a hora da redenção do modelo. Não preciso falar muito: ele já está fazendo 27 anos; os mais novos estão chegando aos 24 anos, então ele já entrou na janela dos clássicos e já faz algum tempo que os preparadores estão dando a ele motores V8, corrigindo o “erro” que custou a sobrevivência do projeto. Além disso, e os argumentos são bastante razoáveis e vão além do visual atraente, do conceito de hot rod moderno, pronto para se fazer um swap V8.
Primeiro, ele foi o último carro feito pela Plymouth, e também foi um dos mais bizarros já feitos por uma fabricante em grande volume. Nem preciso perder tempo explicando o porquê. Depois, ele foi uma “carta de amor à cena hot rodder”, como bem definiu a Hagerty. E ele ainda teve sua importância dentro do grupo Chrysler: foi ele quem introduziu o uso de adesivos estruturais e de alumínio em componentes de suspensão e de carroceria na fabricante. Ele não era apenas um carro à frente do seu tempo porque chegou cedo para a festa, mas também porque usava materiais até então reservados a esportivos e supercarros. Isso dá a ele uma relevância histórica que pode ser apreciada por alguns colecionadores.
Mas acima de tudo, o potencial está no conceito do carro em si: um hot rod moderno que, se não tem um V8, pode ganhar como o Supra ganhou turbos maiores nas mãos dos preparadores. E mesmo que você não faça um swap V8, os 257 cv são mais que suficientes para embalar os 1.250 kg do carro — tanto que ele vai de zero a 100 km/h em seis segundos do jeito que saiu da fábrica; nem começamos a falar em supercharger antes do swap.
Claro, não houve quem criticasse a inclusão do Prowler na lista da Hagerty. O carro acabou estigmatizado como o PT Cruiser (que só foi bacana no Brasil; nos EUA ele sempre foi alvo de piadas por parte do público), mas ele é fundamentalmente diferente do PT Cruiser (e do seu rival direto, o Chevy HHR). Ele é realmente uma versão modernizada dos “buckets” dos anos 1940 e 1950 e tem o conjunto mecânico condizente com o conceito — suspensão dianteira exposta, motor longitudinal em V, dois lugares e tração traseira. Já o PT e o HHR eram simulacros de carros dos anos 1940. Eles pareciam carros antigos tanto quanto o Mitsuoka Viewt parece um Jaguar Mk2 — uma fantasia sobre algo medíocre como uma plataforma de motor longitudinal e tração dianteira.
Não quero deixar minha opinião pois ela será enviesada — eu gostei do Prowler quando ele saiu e fiquei triste quando ele saiu de linha. Mas juntando os pontos dessa história e do momento atual, parece claro que aquele pato esquisito encontrou um bando de cisnes e está prestes a se juntar a eles, não?
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