O McLaren F1 faz parte daquele seleto grupo de automóveis que realmente dispensam apresentações, sem exageros idiomáticos: na década de 1990, ele se tornou o carro mais rápido e veloz do planeta, segurou o recorde por mais de dez anos e só foi superado por superesportivos muito mais potentes e avançados. Claro, há muitas nuances nesta história, muitas informações desencontradas e muita especulação. E foi por isso que a McLaren decidiu explicar tudo de uma vez por todas.
Foi no dia 31 de março de 1998, no circuito alemão de Ehra-Lessien, que o McLaren F1 entrou definitivamente para a história, ao atingir uma velocidade média de 386,4 km/h. É preciso somar a velocidade máxima obtida em duas tentativas (uma em cada sentido da pista) e dividir o resultado por dois ao aferir a velocidade máxima de um carro.
Sendo assim, na prática a velocidade máxima atingida pelo McLaren F1 foi um pouco maior: 391 km/h, com Andy Wallace ao volante. E ninguém melhor que o próprio Wallace para contar como foi que as coisas se sucederam.
Wallace era piloto de testes contratado pela McLaren na época, e era ele quem testava os carros antes de serem entregues a seus proprietários. E, em 1995 e 1996, ele também pilotou o McLaren F1 GTR nas 24 Horas de Le Mans. Em 1995, ele revezou no volante com Derek Bell e seu filho, Justin Bell e conquistou o terceiro lugar (atrás do F1 GTR vencedor e do Courage C34 que ficou em segundo). Em 1996, os McLaren ficaram atrás de um trio de Porsche, e Wallace terminou a corrida em sexto.
Dá para dizer, portanto, que o piloto britânico era uma boa escolha para colocar o McLaren F1 na pista e descobrir o quão veloz ele seria.
Com humor e falsa modéstia tipicamente britânicos, Wallace conta como foi convocado por Gordon Murray a realizar as medições e aceitou sem pestanejar. “Eu era mais jovem e mais estúpido naquela época, então disse ‘claro, vamos fazer isso!’ E nós fizemos as malas e fomos para a Alemanha”. Ele também diz que, se lhe dissessem para fazer o mesmo hoje em dia, provavelmente pensaria duas vezes.
Foi uma experiência bastante diferente da que Wallace estava acostumado a ter nas corridas de longa duração. “Os pilotos recebem ordens o tempo todo pelo rádio, aperte esse botão, faça isso e aquilo, mas desta vez (…) só fecharam a porta e me disseram ‘vai!'”
É curioso ver como Wallace parece tranquilo, narrando o ganho de velocidade na reta de Ehra-Lessien calma e pausadamente. Acontece que o McLaren F1 de fato inspirava confiança: o piloto diz que o carro “dançou” muito pouco na pista, e que só começou a fazer correções maiores no volante quando a velocidade passou dos 380 km/h.
Na primeira tentativa que aparece no vídeo, o carro atinge os 388 km/h no marcador digital instalado à frente de Wallace. O piloto acredita que, aumentando o limite de giro do motor, seja possível ir um pouco além. E é mesmo: na segunda tentativa, por uns dois quilômetros, o velocímetro oscila entre 390 e 391 km/h. “Não passa disso”, dá para ouvir Wallace dizendo, “mas ainda é bem rápido, não?”
O recorde de velocidade estabelecido no último dia do terceiro mês de 1998 veio para colocar um fim em uma acalorada disputa entre superesportivos que vinha desde a década de 1980. Em 1984, a Ferrari 288 GTO foi o primeiro carro produzido em série a passar dos 300 km/h, atingindo os 302 km/h. Dois anos depois, em 1986, o Porsche 959 atingiu os 317 km/h. No ano seguinte, 1987, veio a Ferrari F40 e sua velocidade máxima de 326 km/h, encerrando a década de 80 em grande estilo.
Os anos 90 começaram com um novo recordista: o Bugatti EB110, que chegou aos 336 km/h em 1991. Não durou muito: em 1992, o Jaguar XJ220 e seu V6 biturbo de carro de rali alcançaram os 342 km/h – sendo superado só seis anos depois, em 1998, por você sabe quem.
O reinado do McLaren foi duradouro: entre 1998 e 2005 nenhum carro produzido em série foi mais rápido que a criação de Gordon Murray. Isso mudou somente em 21 de fevereiro de 2005, quando o então desconhecido Koenigsegg CCX se apresentou ao mundo com um cartão de visitas de 387,8 km/h — 1,4 km/h mais rápido que o velho Macca.
A alegria durou pouco: em 19 de abril de 2005 o Bugatti Veyron alcançou os 408,47 km/h, devidamente aferidos pelo pessoal do Guinness, tornando-se o primeiro carro produzido em série a ultrapassar a barreira dos 400 km/h.
Mas há um detalhe de importância cavalar: enquanto o McLaren tem um V12 de 636 cv e 69,3 mkgf, levados direto para as rodas traseiras e moderados por uma caixa manual de seis marchas, o Veyron tem um W16, quatro turbos, 1.020 cv e 127,5 mkgf de torque, câmbio de dupla embreagem e tração integral. Por isso, o McLaren F1 é até hoje o carro aspirado mais rápido já feito.
Tudo isto dito, a gente tem que lembrar que o Bugatti Veyron é um grand tourer de extremo luxo. Os superlativos de potência, torque, deslocamento, cilindros e radiadores forma o apelo escolhido pela Volkswagen para o revival da marca, cujo histórico equilibra modelos coachbuilt caríssimos e ícones das pistas. Ele precisava ser putaqueparivelmente potente, com um trem de força de outro mundo, para surpreender a todos com sua velocidade máxima combinada ao luxo máximo. Ele poderia ser mais leve, muito mais capaz dinamicamente, e tão veloz quanto, mas aí ele não seria o Bugatti Veyron.
Contudo, não há como lembrar das palavras de Gordon Murray. Em 2014, ele disse que toda a geração de hipercarros atuais (que inclui não apenas o Veyron, mas também os hipercarros híbridos), segue na direção oposta do F1 – e ele sequer considera o McLaren P1 um sucessor legítimo de sua criação. Para Murray, certamente o McLaren F1 poderia ser ainda mais veloz com um câmbio moderno e aerodinâmica aprimorada. Talvez até mais veloz que o Veyron.