É muito arriscado dizer que todo entusiasta gosta de assistir a vídeos de carros no dinamômetro? Aposto que não. Eu curto, e nem sou muito vidrado neste negócio de saber todos os números de um carro – para mim, saber a potência estimada já basta, e a experiência é o que conta. Mas é bacana ver o carro preso no dino com cintas enquanto é levado ao limite em cima dos rolos – seu ronco selvagem ecoando pelas paredes da oficina, a máquina chacoalhando, os ventiladores que ajudam a arrefecer o motor.
E os dinamômetros de bancada, então? Se um carro preparado em cima de um dinamômetro de rolo (o nome que se dá aos dinos que ficam no chão, por causa dos rolos onde os pneus são posicionados) é como um animal furioso acorrentado, um motor em um dino de bancada está mais para um órgão vital funcionando fora do corpo de onde pertence. É um lance muito mais ficção científica: você vê os dutos de admissão e escape, os carburadores (ou os módulos), talvez um turbo ou um supercharger, tudo ali exposto, ligado a um computador e aos equipamentos para medir sua força. O motor faz barulho, produz fumaça, dá solavancos violentos a cada acelerada. É impressionante. Saca só:
É que eu já fui meio bruto e escolhi, logo de cara, um V12 de Fórmula 1. Mais precisamente, o V12 de 2.992 cm³ da Ferrari 312B, que competiu na Fórmula 1 entre 1970 e 1975. Trata-se de um V12 flat, com 180° entre as bancadas de cilindros, garantindo um centro de gravidade bastante baixo para o carro. Veja como os corpos de borboleta individuais se abrem para que o motor possa respirar e produzir seus 379 cv a 9.800 rpm. Veja todos os cabos, dutos e mangueiras fornecendo os elementos cruciais para o funcionamento do motor, e os computadores ligados a ele para aferir seu rendimento.
Se não te lembra, por exemplo, o monstro de Frankenstein no clássico de 1931, talvez você não tenha imaginação suficiente. Ou talvez eu tenha imaginação demais.
Até mesmo as condições para se testar um motor em um dinamômetro remetem, de certa forma, a um experimento científico em um objeto delicado. Como você sabe, a atmosfera influenciam de forma drástica o rendimento de um motor, pois o quanto de oxigênio é admitido pelo motor é fator determinante para a eficiência da queima.
É por isso que, idealmente, a sala onde fica o dinamômetro permanece vazia, com os técnicos controlando o funcionamento e as medições do equipamento por trás de uma parede de vidro: fatores como altitude, localização da oficina e a temperatura ambiente fazem a diferença. Um motor testado em uma oficina à beira de uma rodovia movimentada em uma região serrana terá um pouco menos de potência do que um motor testado em uma oficina no litoral em uma rua pouco movimentada. Isto acontece por causa da diferença de pressão atmosférica e de qualidade do ar.
Até mesmo a taxa de aceleração do motor (o quanto as rotações aumentam a cada segundo) pode influenciar no rendimento. É por isso que, embora não haja uma norma definida, costuma-se calibrar o dinamômetro para medir a taxa de aceleração em 300 rpm por segundo.
Isto vale tanto para o dinamômetro de rolo quanto para o dinamômetro de bancada – em ambos é possível constatar variações de potência de acordo com a altitude e outros fatores. No mais, o funcionamento de ambos é diferente.
Que tal um Saleen S7 com “mais de 2.200 cv”? Originalmente, o V8 Ford de sete litros derivado do Windsor 351 usado no Saleen S7 entregava 558 cv, potência que foi aumentada em 2005 pela adoção de dois turbos, que elevaram a potência para 760 cv nos Saleen S7 fabricados até 2009. Este exemplar ficou famoso em 2013 por, com um novo kit de turbos operando a 1,72 bar (25 psi), entregar 2.312 cv e 240 mkgf de torque
Para começar, um dinamômetro de rolo mede a potência nas rodas, considerando todas as perdas mecânicas relacionadas à transmissão, polias de acessórios, e também considerando a eficiência dos sistemas de arrefecimento e escape do carro, além do atrito dos pneus com os rolos. São condições de teste mais próximas daquelas que um carro enfrenta quando está nas ruas – exceto que sem a carga da inércia do carro em movimento e sem considerar outras variáveis do dia-a-dia.
Repare que há um soprador de ar na frente deste Nissan GT-R, cuja única modificação é um sistema de escape aftermarket, feito de titânio. Só assim para o motor não superaquecer
Estas cargas podem ser emuladas pelo dinamômetro ajustando-se a carga nos rolos, que também são bastante pesados. A inércia dos rolos absorve a energia dos pneus e a converte em aceleração: o quão rápido a aceleração dos rolos aumenta é o fator usado para medir o torque do motor. A partir do torque, calcula-se a potência.
Na hora de ver uma F40 LM em um dinamômetro, duvido que alguém aqui seja contra a sobrealimentação. Especialmente quando o V8 sobrealimentado soa tão bem, especialmente quando o ronco harmoniza com o barulho da vibração dos rolos (aos 00:28), por exemplo. É o som de 600 cv nas rodas!
Estes números brutos têm utilidades diferentes dependendo de quando são utilizados: as fabricantes divulgam a potência líquida do carro com base nestes dados. As preparadoras colocam estes dados em um computador e, com um software de datalogging, podem realizar ajustes para conseguir a potência desejada – e, no caso dos carros equipados com ECU, alterar a curva de potência do motor eletronicamente.
Este Opala recebeu dois turbos e um kit de injeção programável FuelTech para entregar cerca de 1.200 cv. O sistema permite que se altere os parâmetros de funcionamento do motor para melhorar o rendimento – o carro ainda estava sendo acertado na ocasião
Já um dinamômetro de bancada afere a potência diretamente no virabrequim. Em vez disso, existem alguns métodos diferentes: a ponta do virabrequim do motor pode ser ligado a um cilindro cheio de água ou óleo. Dentro deste cilindro há um eixo, com uma pá que gira com a força do motor. O fluido dentro do cilindro oferece resistência (ou carga), e a força necessária para movimentar a pá é medida pelos sensores do dinamômetro, convertida em torque e calculada em potência. Não há perdas mecânicas, e a admissão e o arrefecimento são fornecidos pelo próprio dinamômetro. O escape também pode ser direto. Com isto, sabe-se qual é a força “real” do motor.
Veja este boxer VW de 2.110 cm³ em um dinamômetro de bancada, com diâmetro de 76 mm e curso de 94 mm. Se você curte o ronco de Fusca e companhia, este vídeo será um deleite
Uma maneira mais sofisticada é usar um dinamômetro de corrente alternada. Neste caso, dentro do dinamômetro há um gerador elétrico que absorve a força do motor para a aferição, e também pode simular diferentes cargas, como trocas de marcha, utilização do freio-motor e até as perdas da transmissão. É possível até mesmo simular o desgaste de um dia inteiro de corridas usando um dinamômetro de corrente alternada.
Um dinamômetro de corrente alternada permite, por exemplo, que a Honda teste este V10 de Fórmula 1 a 20.000 rpm. O ronco em uma faixa de rotações tão alta é impressionante. E olhe os dutos de escape ficando incandescentes
Sabendo como um dinamômetro funciona, podemos apreciar de outra forma os vídeos dos carros sendo testados em um deles, não é mesmo? Pois não hesite em mandar sua contribuição nos comentários – qual é seu vídeo favorito de um carro (ou motor) no dinamômetro?