Como vocês viram em nossa cobertura há alguns dias, a Renault do Brasil organizou o segundo maior evento da Renault Sport do mundo: um track day exclusivo para proprietários e clientes interessados no Sandero RS. O palco escolhido para o hot hatch esticar seus músculos e dobrar pneus foi o Autódromo da Capuava, um delicioso e desafiador circuito localizado em Indaiatuba (interior de SP), muito utilizado pelos fãs de track day, cheio de curvas recortadas e mudanças radicais de relevo.
Agora é hora de vocês verem como se comporta o Sandero RS na pista. Neste post, além do on board com câmera em primeira pessoa, refrescaremos a sua memória mostrando todos os upgrades mecânicos e estéticos que este RenaultSport traz – e, como sobremesa, encerramos com um baita guia de pilotagem curva-a-curva pra Capuava. Vamos lá? Antes de mais nada, aumente o volume, aperte os cintos e bote o vídeo pra rodar!
O carro está totalmente original de fábrica, incluindo os pneus, que trabalharam o dia todo e mostraram ótima aderência ainda no fim da tarde. O Sandero RS estava abastecido com gasolina (meio tanque) e as voltas foram feitas com ar-condicionado ligado. Temperatura ambiente de 27ºC.
Motor 2.0 16V de 150 cv
O que muda? Sai o 1.6 8V que equipa os demais Sandero, entra o 2.0 16V Flex – o famoso F4R, motor da mesma família dos esportivos Clio III RS 172, 182, 197 e 200 e do recordista de Nürburgring Nordschleife Mégane RS 275 Trophy R (no caso deste último, na variante turbinada F4Rt). É um motor de curso longo, com diâmetro de 82,7 mm e curso de 93 mm, o que favorece a entrega de torque em rotações médias – importante para saídas de curva e ultrapassagens na estrada. Números com etanol: 150 cv a 5.750 rpm, 20,9 mkgf de torque a 4.000 rpm, zero a 100 km/h em 8 s, velocidade máxima de 202 km/h.
No Brasil, o F4R é conhecido por equipar a versão topo de linha do Duster, mas no Sandero RS, ele recebeu alguns upgrades: os dutos do coletor de admissão ficaram 20% mais largos, a pressão do sistema de injeção foi ampliada para 4,2 bar, o ponto de captação do air box foi reposicionado e o mapeamento de injeção e ignição foi redesenhado pela RenaultSport, visando uma curva de torque mais agressiva. O sistema de escape também mudou: os tubos ganharam 5 mm de diâmetro e um novo abafador, de maior fluxo (e mais voz!) foi instalado.
Qual o benefício? 41,% mais potência e 34,8% a mais de torque disponíveis sob seu pé direito é algo praticamente autoexplicativo para um hatch de pegada esportiva, não? Com maior poder de aceleração e de retomadas, os tempos de volta despencam. Mas um motor, sozinho, não faz um esportivo. Acompanhe os tópicos seguintes.
Câmbio de seis marchas
O que muda? Este é o único Sandero de seis marchas – ele é equipado com a caixa de transmissão TL4, do Duster 2.0 16V. Mas a RenaultSport foi além: pegou o câmbio, estudou seu escalonamento e decidiu substituir as relações da terceira e da quarta marcha (acompanhe a linha vermelha do gráfico abaixo), resultando naquilo que nós, gearheads, chamamos de arranjo “close ratio”, um escalonamento que resulta em pouca queda de rotações entre cada troca de marcha.
Quais os benefícios? Maior poder de retomada e de aceleração são os efeitos mais imediatos sentidos com a terceira e a quarta marcha mais próximas – exatamente as marchas mais usadas nos miolos dos autódromos, como Interlagos, Velo Città, AIC e Goiânia, por exemplo. Mas há um outro benefício que pouca gente se atenta: um câmbio close ratio é essencial para o equilíbrio dinâmico do carro no autódromo. Uma transmissão com relações muito espaçadas resulta em um carro com maior variação entre neutro e sub-esterçante (saída de frente) na saída de curvas longas, além de comprometer o desempenho em retomadas nas saídas de curva.
Suspensão, rodas e pneus esportivos
O que muda: molas, amortecedores e barras estabilizadoras são todos componentes diferentes em relação ao Sandero 1.6. Os amortecedores ganharam buchas em poliuretano, as molas estão 92% mais rígidas na dianteira, 10% mais firmes na traseira. Barras estabilizadoras 17% mais rígidas na dianteira, 65% na traseira. Até a geometria foi revista, apresentando 0,91º extras de cáster. As rodas aro 17 são exclusivas, apresentam off-set mais negativo, e são calçadas com pneus esportivos Continental ContiSportContact3 205/45 R17 84V.
Quais os benefícios? O ganho de carga na suspensão resulta em reações bem mais ágeis em mudanças de direção, sem aquela sensação de curva feita em dois tempos, primeiro com o carro consumindo o curso da suspensão e somente então apontando na curva. Um esportivo precisa fazer essa tarefa de forma integrada.
Mas, acima de tudo, a suspensão mais firme resulta em menor rolagem da carroceria – ela quase não inclina. A foto acima é bastante didática: o carro está no limite absoluto de aderência e os pneus do lado esquerdo mal tocam o chão (amplie a foto). Mas note como o assoalho está praticamente paralelo ao nível do chão. Com pouca rolagem de carroceria, há menos variação de geometria de suspensão: ou seja, a cambagem das rodas fica estável, resultando em mais aderência lateral dos pneus e comportamento mais previsível. As molas dianteiras ganharam proporcionalmente mais carga para trabalhar melhor com o ganho de massa do novo motor; já a barra estabilizadora traseira mais grossa serve para ajudar a neutralizar a dinâmica, soltando um pouco a traseira e ajudando o carro a apontar nas curvas.
Por fim, o ganho de cáster que a RenaultSport adotou no Sandero RS faz ele apontar com mais agilidade nas curvas e também aumenta a comunicabilidade do sistema de direção.
Já os pneus utilizados no Sandero RS são de categoria Max Performance Summer, de alta performance. Geram mais aderência lateral, mas não chegam a ser desconfortáveis para uso na cidade e estrada. As rodas aro 17 deste RenaultSport apresentam off-set mais negativo, ou seja, ficam projetadas um pouco mais para fora. Isso é para aumentar as bitolas, o que resulta em menor transferência lateral de peso. Na prática, o carro inclina ainda menos nas curvas e gera mais aderência.
Freios redimensionados
O que muda: este é o único Sandero com disco nas quatro rodas. Mas mesmo o sistema dianteiro foi totalmente refeito: os discos ganharam 22 mm de diâmetro, passando para 280 mm, e os pistões das pinças frontais cresceram 6 mm, ganhando mais poder de alicatada. Os discos traseiros possuem 240 mm. Cilindro mestre e hidrovácuo foram dimensionados e o sistema de distribuição eletrônica de forças de frenagem (o EBD) ganhou nova calibragem.
Quais os benefícios? As mudanças visaram deixar o Sandero RS com poder de frenagem e resistência ao fading compatível com a proposta de esportivo para acelerar em track day, bem como incrementar o pedal feel, ou seja, deixar o pedal com melhor sensibilidade para uso em autódromo. Na Capuava, mesmo após dez voltas em ritmo forte, não houve queda de performance. A reprogramação do EBD objetivou ampliar o ângulo de guinada (yaw) nas entradas de curva, ou em outras palavras, auxilia o Sandero RS a girar em torno de seu próprio eixo para entrar na curva com mais agressividade.
Extras!
Outros itens de destaque. O Sandero RS traz uma série de itens personalizados: volante esportivo de diâmetro 10 mm menor forrado em couro, pedais de alumínio esportivos, bancos com forração exclusiva, assentos mais baixos e apoios laterais reforçados, para-choques, adesivos, emblemas, saias e asa traseira exclusivos e o botão R.S. Drive, que traz três modos de direção.
Quais os benefícios? O volante menor transmite mais feedback às mãos do piloto por representar uma alavanca de comprimento menor em relação ao centro da coluna. Os pedais de alumínio foram posicionados de forma a facilitar a manobra do punta-tacco nas reduções de marcha. Os bancos, mais baixos, ajudam a baixar o centro de gravidade e também reduzem o balanço do piloto nas curvas – e as laterais reforçadas ajudam na contenção. Se os para-choques, emblemas R.S., adesivos e saias podemos considerar itens visuais, a asa traseira não está ali à toa: ela gera 25 kg de downforce a 150 km/h.
Já a tecla R.S. Drive, que fica no console central, permite que você alterne entre três modos de direção. O Normal é voltado para economia de combustível e segurança. Nele, o controle de estabilidade (ESP) fica 100% ativo, o acelerador assume um mapeamento econômico, ficando com respostas mais amortecidas, e o indicador de troca de marchas (GSI), presente no painel de instrumentos, é programado para ajudar o motorista a economizar combustível; recomendando sempre trocas precoces (por volta dos 2.000 rpm), aproveitando o bom torque do 2.0 16V. Este é o modo padrão, que está presente toda vez que você liga o Sandero RS.
Ao apertar a tecla R.S. Drive uma vez, você ativa a programação Sport. Imediatamente, a marcha lenta sobe 200 rpm, deixando as reações em saídas de semáforo mais ágeis. O acelerador fica com mapeamento esportivo, mais direto e afiado ao comando do motorista. O GSI também muda, passando a recomendar as trocas de marcha buscando máxima performance.
Por fim, ao deixar a tecla R.S. Drive pressionada por alguns segundos, você entra no modo Sport+: ele é quase igual ao Sport, mas os controles de estabilidade e de tração ficam desativados. Este é o modo mais veloz do Sandero RS, e o controle de suas reações ficam totalmente na sua mão. Recomendamos para uso em pista por quem já tem alguma experiência.
Guia: atacando as curvas da Capuava!
Com entre 2,5 e 2,7 km de extensão e entre 13 e 15 curvas, dependendo da configuração, a Capuava é um dos autódromos com maior variação de relevo do Brasil – são diversas subidas, descidas, mergulhos e declives súbitos. A amplitude topográfica entre o trecho mais baixo e o mais alto são de respeitáveis 36 metros. Isso, somado ao ângulo agudo de muitas de suas curvas e à pista estreita, resulta em um traçado de ataque – é um circuito no qual você precisa de muita agressividade e muita suavidade ao mesmo tempo.
A agressividade é trazida pelos diversos trechos em “S” recortados que o traçado apresenta: para contorná-los, você vai precisar provocar levemente a traseira do carro para fazê-lo girar em torno de seu próprio eixo com agilidade, bem como transformar zebra em pista e um pouco de terra em zebra para conseguir a trajetória mais retilínea. As zebras da Capuava são quase todas utilizáveis para voltas quentes, mas não espere tratamento doce por parte delas.
Por outro lado, é necessário ser suave para carregar velocidade e não esfregar os pneus dianteiros nas entradas de curva e pontos de tangência. Como as curvas na Capuava são apertadas, é fácil se empolgar, passar do ponto e castigar em demasia os pneus da frente, perdendo tempo e trazendo desgaste e superaquecimento ao rodado dianteiro. Uma vez que você encontra o ritmo na Capuava, contudo, é algo muito compensador. Como a pilotagem fica no fio da navalha e é normal passar do limite físico da pista para obter o traçado mais rápido possível, você se sente num verdadeiro hillclimb inglês!
Mas vamos ao que interessa: o curva-a-curva da Capuava! Primeiro, vou postar novamente o vídeo on board, para vocês terem uma referência visual. Deixe o player em 3:00.
Abaixo temos a primeira curva. É uma freada bastante tardia e que começa retilínea (1). Entre a zebra e o ponto de tomada (2), você já vai estar aliviando o pedal de freio progressivamente, na mesma proporção em que esterça. Imediatamente após o ponto (2) você vai buscar o acelerador, mas com muita suavidade para não espalhar a dianteira. Você vai buscar a zebra interna com quase 3/4 da curva completa – o ponto 3 é onde você vai buscar a aceleração plena, enquanto retorna o esterçamento a quase zero e deixa o carro espalhar até a zebra externa (4).
Abaixo temos o miolo completo. É um dos trechos mais emocionantes por causa das mudanças de relevo radicais. A freada começa próximo ao ponto 1 – e note que, no processo, você vai precisar esterçar suavemente pra esquerda para conseguir posicionar o carro. É uma freada técnica. Carregue um mínimo de carga no pedal de freio até o ponto 2, ajudando a dianteira a se localizar. Novamente você vai encontrar a zebra interna tardiamente.
Busque o acelerador, deixe o carro escorregar até a zebra de fora (3), fazendo deste trecho uma quase reta. Para isso acontecer, você realmente vai usar quase toda a zebra no ponto 3, de forma que o carro fique quase todo sobre ela (foto abaixo à esq.). O abuso das zebras vai continuar no ponto 4 (foto abaixo à dir.), porque você vai precisar de muito espaço pra dar uma leve alicatada nos freios entre os pontos 4 e 5 e arremessar o carro sobre a zebra do ponto 5. Importante: não exagere na velocidade de entrada do ponto 5, pois há uma forte descida, que tira apoio dos pneus.
É na zebra do ponto 5 onde acontece a topada em que o carro fica em duas rodas (foto abaixo) – não se preocupe, a dianteira perde contato por um brevíssimo instante. Por que é preciso fazer este corte tão pra dentro da curva, sem deixar espalhar? Porque você precisa sair com velocidade e ao mesmo tempo, estar do lado certo para atacar a gigantesca curva à direita que começa no ponto 6 (ilustração lá de cima). Esta curva longa tem uma quebra para subida que faz a dianteira escorregar pra fora. E também, cuidado para não puxar o carro pra dentro antes da hora na entrada da curva (6): você só vai colar na zebra interna quando ela estiver quase acabando (ponto 7). Por sinal, essa é uma dica preciosa neste trecho cego: quando a zebra interna terminar (7), pode acelerar mais fundo, começar a alinhar o volante e deixar o carro escorregar até a zebra externa.
Abaixo, damos prosseguimento. Diria que a “curva do fundão” é a freada e o contorno mais difícil do circuito. Sua aproximação é em curva, o que te obriga a criar uma trajetória meio reta (entre os pontos 1 e 2) para frear, já dentro da tomada. É um misto de trail braking com freada extremamente tardia. Entre os pontos 2 e 3 você deve acelerar o suficiente para carregar velocidade sem que isso cause um impedimento de sub-esterço para você trazer o carro para dentro a partir do ponto 3. Novamente, você vai de encontro à zebra interna só no final do processo, mas não suba nela. Cuidado: na saída desta curva você não deve deixar o veículo espalhar (fique próximo ao centro da pista), pois precisa de ângulo para atacar a veloz curva do ponto 4.
Os pontos 4, 5 e 6 são um tremendo slalom que requer sapiência: em nenhum destes pontos você vai deixar o carro escorregar totalmente pra fora. Com o Sandero RS não foi necessário aliviar o acelerador para o ponto 4, mas dependendo do carro, você vai precisar aliviar o pedal da direita. Fique colado no lado direito da pista: você quer ter o melhor ângulo para atacar o ponto 5. Este ponto é uma delícia, mas requer cuidado: é um leve e suave “jab” no freio com o carro acompanhado de um pequeno e controlado golpe no volante objetivando usar toda a zebra de dentro, o que fará a traseira do carro escorregar apenas o suficiente. Novamente, não deixe o carro escorregar pra fora na saída, porque o ponto 6 vem imediatamente depois, como uma chicane. Ataque o ponto 6 exatamente como o ponto 5, mas seja ainda mais agressivo: busque um ponto um pouco além da zebra interna (sim, um pouco de terra). Não faça esse corte no ponto 5, ou você será punido com um solavanco na suspensão – o terreno ali não é amigável.
Ainda na ilustração acima: na saída do ponto 6, não deixe o carro escorregar totalmente pra fora na saída. Você vai precisar trazer o carro para a extremidade direita para frear para a tomada do ponto 7. É um trecho difícil, pois a suspensão ainda vai estar quicando do ponto 6 e o carro ainda estará desequilibrado pela saída da curva quando você buscar os freios. O ponto 7 é uma tomada agressiva, mire na metade da zebra de dentro. Cuidado com a saída de frente, pois é um trecho em descida. Em carros RWD, muito cuidado com a rabeada após o ponto de tangência (8). Deixe o carro escorregar até a zebra externa (9)
A freada na ponte (1) tem piso um pouco ruim. Não se afete psicologicamente pela mureta: use toda a pista, posicione o carro bem à esquerda. Mire no meio da zebra do ponto 2, e novamente, não tenha medo do guard-rail do lado de dentro. Deixe o carro escorregar quase até a extremidade externa (3). Da mesma forma como no ponto 7 da ilustração anterior, a freada para este grampo é feita com o carro ainda se equilibrando da curva anterior. Freada tardia, ponto de tangência tardio (4), você só vai ver a zebra interna bem tarde (ponto 5), quando você deverá buscar aceleração plena. Se esterçar ou acelerar antes da hora, irá espalhar.
A Curva da Vitória é a última e a mais veloz do circuito. É uma freada curta, que termina entre os pontos 1 e 2. Busque apenas beliscar a zebra interna e a partir do ponto 2 busque aceleração total, escorregando até próximo à zebra externa 3. Dica: na tomada da curva (1) há uma falha na pintura da linha branca à sua direita: onde esta falha termina é exatamente o ponto de tomada 1.
E parabéns! Você completou uma volta na Capuava. Tenha em mente estes pontos: usar todo o espaço da pista, cuidar para não ser precoce na tomada da curva ou no acelerador, ter em mente que as curvas são fechadas e que por isso é fácil passar do ponto, e sempre tenha aquela dose de agressividade controlada, sem movimentos bruscos. É uma pista técnica, divertida, curta e agressiva – o Futebol de Salão dos autódromos brasileiros cai como uma luva para o Sandero RS!
[ Fotografias: Fábio Aro (Sandero RS), Victor Eleutério (foto aérea) ]