Eu estava aguardando ansiosamente as primeiras avaliações da nova geração do Ford Mustang. Por mais que ele pareça apenas ter sido renovado esteticamente, mantendo os motores Coyote e EcoBoost, ele precisava mudar. Não apenas por ser uma nova geração, mas por ser o Mustang de um novo momento no mercado. O Mustang lançado em meio à histeria energética, algo que já aconteceu há exatos 50 anos — e a reação da Ford não foi boa.
Falei sobre isso há alguns dias e, apesar de não gostar de soar repetitivo, aqui vai o trecho exato (que veio desta matéria):
Como em 1968 e, depois em 1973, os muscle cars modernos entraram no território do controle de emissões, da crise energética e das incertezas sobre o futuro. A Dodge anunciou o fim do Challenger e dos seus V8 para fazer qualquer coisa elétrica que tenta replicar a experiência dos seus muscle cars. A GM, por sua vez, diz que o atual Camaro será encerrado em janeiro de 2024, mas que “sua história não terminou” — o que nos leva a crer que o próximo capítulo será ligado na tomada.
Repetindo a história, quem continuará em cena será o Ford Mustang, que acabou de ganhar uma nova geração e parece longe de ser transformado em qualquer coisa elétrica. Ok, eu sei que a Ford já fez isso na forma do Mach E, mas você ainda pode comprar um Mustang V8 aspirado e manual e isso é o que importa nestes tempos.
A questão agora é que o Mustang não pode repetir a história e se tornar um esportivo medíocre como fez nos anos 1970, nem evoluir timidamente como fez entre 1978 e 2004. Agora que ele se tornou um concorrente à altura dos esportivos europeus — ao menos em termos de desempenho e na relação homem-máquina —, ele precisa manter seu status para que seu destino não seja o mesmo dos seus moribundos rivais americanos.
A questão que perambulava pelos meus pensamentos era: para onde vai o Ford Mustang a partir de agora? Eu já estava suspeitando que ele fosse acabar transformado em uma espécie de “Porsche 911” da Ford — chegamos a falar sobre isso no FlatOut Podcast 86. Não é uma aposta: basta olhar com clareza para a realizada para se constatar. Ele vem mantendo um design evolutivo, com uma progressão sutil nos motores e um salto evolutivo no comportamento dinâmico.
Depois vieram com esse tal Dark Horse, que tem cor e cheiro de BMW M4 CS. Mais recentemente a Ford confirmou o retorno a Le Mans. Em seguida, eles apresentaram o Mustang GT3, que foi o carro escolhido para a missão europeia, agora que eles não têm mais um GT moderno. Já estava ficando muito claro que a Ford quer invadir a Europa com o Mustang, mas agora eles lançaram o novo Mustang GTD, o que me faz pensar que eles devem chegar a Le Mans pela Normandia…
O Mustang GTD deixa claro que a direção que a Ford escolheu nessa nova fase sem rivais americanos acabou sendo o exato oposto do que eles fizeram há 50 anos. Em vez de acomodar o Mustang e transformá-lo em um pônei castrado, ele, o GTD, confirmar que o Mustang vai ser mesmo o Porsche 911 da Ford. Nesse caso, o GT2 RS da Ford.
Nem seria necessário explicar o porquê: basta olhar para o Mustang GTD e constatar as semelhanças com o Porsche. Mas eu vou explicar, porque, afinal, estamos no FlatOut.
Primeiro, esqueça que ele é um Mustang. Pense em um carro com as seguintes características: V8 5.2 sobrealimentado, com cerca de 800 cv enviados para um transeixo traseiro de oito marchas, com suspensão de braços triangulares na dianteira e pushrod na traseira, amortecedores ajustáveis, carroceria parcialmente feita de fibra de carbono, asas, spoilers e respiros por todos os lados e até mesmo um trocador de calor onde normalmente há um porta-malas. Parece um Mustang?
Essa é a descrição básica do Mustang GTD. Claramente um supercarro com forma de Mustang — mas não com preço de Mustang, por que ele deverá custar cerca de US$ 300.000. Como comparação, o 911 GT3 RS custa, nos EUA, US$ 314.000. Não dá pra fazer um 911 da Ford sem que ele tenha preço de 911, afinal.
A Ford diz que ele não será um carro de rua para as pistas, mas o contrário: um carro de pista para as ruas. E também diz que vai atrás de um tempo de volta abaixo dos sete minutos em Nürburgring — algo que ele certamente conseguirá, considerando que o Viper ACR já esbarrou nos sete minutos apenas com a boa-vontade dos entusiastas e sem nada tão especial quanto este Mustang GTD.
Entrando nos detalhes, a Ford foi um tanto sucinta ao falar sobre eles: ainda não há o peso do carro, tampouco o material usado no monobloco. O que sabemos é que ele foi feito em parceria com a Multimatic, a empresa canadense que desenvolve todos os carros de corrida da Ford atualmente, além do Aston Martin Vulcan e do Mazda RT24P.
O motor V8 de 5,2 litros sobrealimentado terá mais de 800 cv, mas não se sabe se será uma derivação do motor Voodoo (virabrequim plano) ou do Predator (virabrequim cruzado). O que se sabe é que ele terá cárter seco e um sistema de escape de titânio para ajudar na redução de peso — algo que o Mustang irá precisar para encarar a turma da Europa.
Além do escape, ele terá rodas de alumínio forjado ou de liga de magnésio (com pneus 325 na dianteira e 345 na traseira!) e, observando as fotos, nota-se que os subchassis têm estrutura tubular e que os braços de controle e demais componentes móveis de ligação da suspensão foram feitos de alumínio. Os amortecedores são ajustáveis, com válvula de controle, desenvolvidos pela Multimatic, e as molas usam um sistema hidráulico para variar a altura de rodagem do carro.
Ela é semi-ativa, e tem variação da carga dos amortecedores e da altura de rodagem por meio de um sistema hidráulico — o sistema alterna entre duas alturas fixas de mola, e a pressão interna do amortecedor. No modo Track, a altura de rodagem é 40 mm mais baixa que no modo convencional, que, por sua vez, é 10 cm mais baixa que a do Mustang GT.
Na dianteira, a suspensão usa braços assimétricos para otimizar o controle da carroceria sob alta aceleração lateral, enquanto a suspensão traseira usa o arranjo pushrod — sim, com amortecedores horizontais cruzados, como em um carro de pista (o que corrobora a declaração da Ford). Segundo a Ford, esse arranjo tem uma relação direta da transmissão do movimento da roda para o amortecedor, tornando mais precisas as reações da suspensão.
Na carroceria, tudo o que pode ser retirado do monobloco é de fibra de carbono: para-choques, para-lamas traseiros, capô, teto, saias laterais e demais apêndices aerodinâmicos. Destes últimos o que mais se destaca é a asa traseira, que usa suportes tipo “pescoço de cisne”, que deixam o plano inferior da asa livre de perturbações, e são afixados nas colunas C e não na tampa do “porta-malas” como de costume. Como se não bastasse, há defletores ativos no assoalho e enormes recortes nas caixas de roda dianteiras (oi, Porsche!) para ajudar a escoar o ar quente dali e do cofre do motor. E sim, os freios são de carbono-cerâmica, claro.
Sabe o porquê das aspas no porta-malas? Porque não há espaço nenhum ali. Ele foi usado para acomodar o transeixo e seu sistema de arrefecimento, assim como o sistema de suspensão semi-ativa e seu sistema controle hidráulico. Por isso que nessa imagem acima você vê uma cobertura curta no lugar da tampa do porta-malas. Essa mudança, além de aliviar o carro por dispensar os mecanismos de abertura, também permitiu a formação de dutos para canalizar o ar para o trocador de calor do câmbio.
O resultado dessa redistribuição de peso somada à economia de materiais e ao uso de materiais mais leve, resultou na distribuição perfeita de 50% do peso sobre cada eixo. Quanto é isso? Pergunte à Ford, porque ela não contou a ninguém ainda. Não espere que ele seja leve, contudo. Um Mustang GT varia entre 1.690 kg e 1.800 kg e não há milagre que a fibra de carbono possa fazer sozinha, então é razoável apostar em algo na casa dos 1.600 kg — o que o coloca pouco acima dos 1.530 kg do 992 GT3 RS.
Se ele conseguirá derrotar os medalhões em Le Mans (o GT3) ou superá-los em Nürburgring, pouco importa. A Ford teve a coragem de fazer o que a Dodge desistiu de fazer. E algo que a BMW e a Mercedes e a turma assepticamente correta da Europa não irá fazer. Não só por que ela precisa (afinal, o Corvette ZR1 vem aí…), mas porque é isso o que um Mustang moderno precisa ser se quiser continuar existindo por mais 60 anos.
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