Para muita gente aqui, o número 86 é especial: faz parte do nome de um dos carros japoneses mais queridos pelos entusiastas em todo o planeta. O AE86 podia ser um Corolla Levin ou um Sprinter Trueno, e a diferença era que o Trueno tinha faróis escamoteáveis e o Levin, não. O que importava mesmo era o que eles tinham em comum: um belo motor 1.6 16v, tração traseira, preço baixo e, claro diversão a rodo!
O carro de Ron Ng é um AE86 fabricado em 1986, um Sprinter Trueno GTS. Isto significa que, originalmente, ele tinha 120 cv a 6.600 rpm em seu motor de 1.580 cm³ com comando duplo no cabeçote e injeção de combustível. É pouco mais que a metade da potência de sua contraparte atual, o GT86.
Ron é um entusiasta do sul da Califórnia que tem no Toyota AE86 a ideia de carro perfeito, e seu Trueno GTS é um dos carros mais famosos entre a comunidade online de entusiastas do modelo. Para ele, o fato de ter sido criado para ser um carro popular e barato, mas ao mesmo tempo leve e divertido de dirigir, é o principal atrativo do AE86. E, de certa forma, esta característica foi transplantada para o GT 86. Ron também dirige um desses.
Este vídeo é mais uma bela produção do Petrolicious, um dos canais automotivos mais bacanas de se acompanhar no Youtube. Foi feito em parceria com a Toyota, o que o torna mais ou menos um comercial – mas a gente só lembra disso quando a mensagem “piloto profissional em um circuito fechado, não tente fazer isto” aparece na tela. Porque, na real, trata-se de um belo tributo ao 86 original.
O AE86 foi o último Toyota Corolla de tração traseira. Parte da quinta geração do Corolla – a E80, lançada em 1983 – ele era como a ovelha negra da família: enquanto todas as outras variações haviam aderido ao layout de motor transversal de tração dianteira, o AE86 seguia baseado na plataforma anterior, o que ajudava até a conter custos.
Naturalmente, a Toyota fez seu trabalho e retrabalhou o sistema de suspensão e freios: na dianteira, havia um arranjo independente do tipo McPherson e atrás, um eixo rígido four-link com molas helicoidais, acompanhados de barras estabilizadoras nos dois eixos. Os freios tinham discos ventilados – no caso do AE86 GTS, nas quatro rodas.
Só isto já bastaria para ele cair no gosto dos petrolheads, mas ainda havia mais: o motor 1.6 16v 4A-GE, apesar da potência relativamente baixa, era esperto, robusto, de manutenção fácil e barata e bastante receptivo a modificações. E, claro, acoplado a um câmbio manual de cinco marchas com diferencial autoblocante opcional.
Hoje em dia existem kits turbo bolt-on, prontos para instalar e acertar, muito eficientes – a GReddy, por exemplo, oferece um kit capaz de elevar a potência do motor para 350 cv logo de cara. Mas até mesmo modificações mais simples, como a instalação de um cabeçote de 20 válvulas e comandos mais agressivos e a reprogramação do sistema de injeção, já dão resultado. O carro de Keiichi Tsuchiya, o “Drift King” japonês, é um belo exemplo: com esta receita, a potência passou de 120 cv para algo entre 175 cv e 180 cv. E você já viu o que ele consegue fazer com seu AE86, não viu?
Caso não tenha visto, aí está
Para se ter uma ideia, Ron nem diz quantos cv seu motor entrega atualmente, depois de ter sido refeito e recebido corpos de borboleta individuais. Ele acredita que, no caso do AE86, números de potência e aceleração são meros detalhes. E também que o grande barato do AE86 é o fato de ele não ser naturalmente rápido. Seu carro tem pimenta extra, claro, mas para dirigi-lo rápido é preciso conhecer seu comportamento. Em um circuito, isto significa descobrir o auge da relação entre sua habilidade e os limites do carro. Além disso, estamos falando de um fastback oitentista: leve, com direção rápida e pesada, carroceria baixa, totalmente analógico. Não dá para reclamar que a condução não é envolvente.
Não é à toa que o cara já teve, segundo suas contas, 11 exemplares do AE86 – que deram origem a seis carros montados. Para Ron, o GT86, que foi lançado em 2012 consegue honrar o legado deixado pelo AE86. Ele pretende ficar com seu velho amigo até o fim de sua vida, e jamais trocá-lo por outro carro. Por isto, quando comprou seu daily driver, optou pelo 86 moderno.
Até hoje há quem diga que um motor flat-four de dois litros com 200 cv (ou 205 cv, depois da recente reestilização) não é compatível com o papel de esportivo-moderno-porém-old-school-e-acessível que o Toyota GT86 se propõe a cumprir. No entanto, para quem sabe que potência não é tudo, a suspensão bem acertada, o ronco borbulhante do motor boxer Subaru, o câmbio manual, o interior todo pensado para o piloto valem a experiência. Achou pouco? Não esqueça que a Toyota também enxerga o GT86 como um excelente project cars, e até lançou versões mais espartanas feitas especialmente para quem quer modificá-lo.
Na boa: depois de tudo isto, é difícil não ficar meio triste por jamais termos nenhum 86 oferecido oficialmente no Brasil.