Até bem pouco tempo atrás, se você quisesse ver como é um motor por dentro, seria preciso recorrer a aulas técnicas no Senai, à oficina do mecânico da família ou a algum manual técnico difícil de encontrar. Pensando bem… as coisas eram difíceis a ponto de não haver sequer fotos mais detalhadas de carros dos sonhos. A primeira vez que eu vi os bancos do McLaren F1 por inteiro foi há pouco mais de dez anos. Isso depois de passar metade da década de 1990 inteira sonhando com o carro.
É por isso que não consigo deixar passar em branco estes time lapses de reconstrução de motores que volta e meia aparecem na internet. Eles parecem banais, afinal, um time lapse se faz em qualquer celular e a internet está cheia de fotos de motores abertos, fechados, inteiros, estourados, secos e molhados, mas são verdadeiras aulas de como funcionam os carros, como são essas máquinas maravilhosas que ajudam a humanidade a andar mais rápido e mais longe.
Já vimos por aqui a reconstrução de um flat-12 da Porsche e de um V8 small block da Chevrolet. Agora é a hora de vermos algo mais mundano, mais próximo da nossa realidade e, certamente, conhecido por muitos de vocês: o flat-4 da Volkswagen. O bom e velho motor de Fusca. E produzido no Brasil.
Primeiro, veja o time-lapse, depois começamos a ver cada detalhe do boxer:
Agora sim. Começando pelo começo, com o motor ainda preso ao chassi:
Nessa imagem acima é possível ver exatamente o motor “pendurado na traseira”, como se diz por aí. É por que ele está realmente pendurado, preso por uns poucos parafusos a essas duas travessas que passam abaixo do câmbio (de onde saem as semi-árvores que giram as rodas) e, claro, ao câmbio.
Abaixo, o motor já no suporte. Por este ângulo vemos a tampa de válvulas, o coletor de admissão, o coletor de escape e o sistema de ar quente (essa peça enferrujada por baixo do motor, conectada à “aranha” do escape.
A desmontagem começou com a remoção do carburador…
… que abriu espaço para a remoção da bobina de ignição.
Em seguida é a vez do distribuidor…
… da correia do dínamo…
E agora começando a desmontar o coletor de admissão:
Note que ele é dividido em três partes: as curvas que se conectam ao cabeçote, e o duto plano com o suporte do carburador:
Em seguida os mecânicos retiram a “capelinha”, que é essa caixa preta atrás do motor. Ela é uma caixa de ventilação, na qual há uma ventoinha movida pelo dínamo (ou seja, sua velocidade varia de acordo com a velocidade do motor), que direciona o ar para os cilindros, ajudando no arrefecimento.
Ali dentro também fica o radiador de óleo (que também ajuda no arrefecimento do motor), que fica exposto depois que a caixa é removida:
Estas capas pretas sobre os cilindros ajudam a direcionar o ar da ventoinha para a parte de cima dos cilindros. A parte de baixo fica exposta ao fluxo de ar sob o carro (e também água, poeira, lama…).
A polia do virabrequim do Fusca move apenas o dínamo e a ventoinha nele acoplada, mas o virabrequim também move o comando de válvulas, como veremos mais adiante. Sem ela e sem as capas o motor fica assim:
Na foto acima podemos ver a posição das velas, os dutos de admissão (os dois na parte de cima) e o duto de escape do cilindro (na parte da frente; o cilindro posterior tem um duto idêntico na mesma posição).
Aqui podemos ver que o motor do Fusca tem o bloco dividido em duas partes e que os cilindros não são embutidos nele. Em vez disso eles ficam literalmente prensados entre o bloco e o cabeçote:
Aqui temos os dutos de admissão e as velas, e as porcas dos prisioneiros do cabeçote. Sim, a tampa de válvulas é presa por um arco.
Sem ela, temos os balancins e as molas de válvula expostos:
Removidos os balancins, podemos ver as varetas de acionamento das válvulas. Uma delas, a última da direita, está escondida atrás de um prisioneiro na imagem abaixo:
Elas são removidas pelo cabeçote:
E depois o próprio cabeçote é removido, começando a revelar os cilindros:
E aqui estão eles: soltos e com os quatro prisioneiros atravessando suas bordas. Veja também a cabeça plana do pistão praticamente no ponto morto superior. Sendo um boxer, seu cilindro oposto também está nessa posição:
Para remover os cilindros, basta puxá-los:
Agora o outro lado, que revela a parte de baixo do motor. Nestes quatro tubos passam as varetas de acionamento das válvulas. O óleo que lubrifica o cabeçote também volta para o bloco por ali.
Sem os cilindros os pistões ficam expostos. Eles nunca entram no bloco. É por isso que em inglês o flat-4 da VW não tem um “block”, apenas um “crankcase” (algo como “capa do virabrequim”):
Virando o motor, é hora de mexer no sistema de lubrificação. Essa tampa preta com seis porcas e um parafuso central é a tampa da peneira de óleo. O parafuso é o bujão. Ali dentro também fica o pescador da bomba de óleo, que fica…
Na frente do bloco, abaixo dessa tampa preta que aparece na foto acima.
Nos carros com motor em linha ou em V, você remove os pistões junto com as bielas, soltando as bielas do virabrequim pela parte de baixo do motor. No boxer da Volks não. Como o virabrequim fica dentro do bloco e os cilindros são destacados, você remove primeiro os pistões das bielas, e depois as bielas do virabrequim.
Sim, esstá escrito BRAZIL no bloco.
Agora com os pistões removidos é hora de abrir o bloco. Ele é formado por duas metades quase idênticas e simétricas:
Lá dentro temos o virabrequim na parte de cima da imagem, as bielas ainda presas a ele, e o comando de válvulas na parte inferior, com a engrenagem maior na ponta:
E é justamente ele o primeiro a ser removido:
Depois é a vez do virabrequim com as bielas…
E agora ele já pode sair do suporte e ir para a bancada, onde serão removidos os prisioneiros:
Agora vem a remoção das bielas:
E aqui tudo desmontado:
Agora o passo seguinte é retificar os componentes desgastados, como os mancais do virabrequim…
… e as sedes das válvulas:
Especificamente neste caso, os cilindros não serão retificados pois a reconstrução do motor envolveu a troca do bloco e dos cilindros (e também do escape). Sai o velho bloco brasileiro, entra em cena o bloco de alumínio Auto Linea/Empi:
As bielas retificadas são recolocadas no virabrequim retificado e tudo vai para o bloco:
Depois é a vez do comando de válvulas:
Com ele no lugar, a outra metade do bloco é preparada para o fechamento. Os tuchos de válvulas são colocados no lugar (esses discos com um fluido roxo por cima) e o mecânico passa uma pasta seladora que serve como junta:
A metade é assentada e o bloco finalmente é fechado:
Depois os prisioneiros são recolocados:
E em seguida os cilindros com pistões. Aqui outra peculiaridade do boxer VW: o pistão é encaixado parcialmente no cilindro pois ainda precisa ser preso à biela. Em motores em linha ou em V, ele é colocado pelo topo do cilindro porque as bielas se prendem ao virabrequim exposto pelo cárter aberto.
Aqui o pistão é colocado no cilindro até seus anéis entrarem na camisa, depois o pino o prende na biela e só então o cilindro é encaixado.
Com os cilindros no lugar, é a vez do cabeçote e das capas dos tuchos/varetas:
Os balancins são os próximos:
Agora o distribuidor de ignição:
A bomba de óleo (na mão do mecânico):
O radiador de óleo:
A bomba de combustível:
O tubo de abastecimento de óleo:
As capas do sistema de ventilação dos cilindros e os coletores de admissão:
Agora a polia do virabrequim volta para o lugar:
Peneira do óleo e tampa do cárter são recolocados. Note também a capa do sistema de ventilação dos cilindros:
O sistema de ar quente é recolocado:
A ventoinha é recolocada no dínamo:
E ambos são afixados à “capelinha”:
A admissão e o suporte do carburador são montados:
A capelinha vai para seu lugar
Agora o carburador:
O sistema novo de escape:
A bobina de ignição:
O filtro de ar e os cabos de ignição:
Aqui a parte de trás do motor, que não havíamos visto até agora. Podemos ver a ventoinha, o volante do motor e os dutos do sistema de ventilação forçada/aquecimento:
Então a embreagem é instalada:
E aqui está o motor pronto para ser recolocado no Fusca: