É persistente, chega a incomodar, a ideia de que os carros como os conhecemos estão com os dias contados. Sendo mais específico, os carros esportivos como os conhecemos. Mais e mais fabricantes aderem ao downsizing e à tecnologia híbrida a curto e médio prazo para garantir alto desempenho e menor consumo de combustível – com o incentivo compreensível das cada vez mais rígidas regras para emissão de poluentes.
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Mas não haverá uma mudança abrupta, como se de repente todos os carros com motor a combustão desaparecessem e fossem substituídos por máquinas turbinadas, híbridas e elétricas. Será uma transição suave, e ainda existe espaço para lançamentos old school matadores, como a Chevrolet fez questão de nos lembrar nesta semana.
Ao mesmo tempo em que se dedica a tornar os carros eletrificados mais “normais” e práticos, com o hatchback elétrico Bolt e o híbrido Volt, a Chevrolet sabe muito bem que é uma das guardiãs da tradição automotiva norte-americana e não dá sinais de que vá parar de investir na combustão interna tão cedo. Pelo contrário: nesta semana a Chevrolet mostrou que motores V8 grandes, potentes e puramente mecânicos continuarão sendo seu carro-chefe nos Estados Unidos com duas novidades: o Yenko Camaro 2019 e um crate engine com supercharger e 765 cv direto da caixa. Em pleno 2018!
Como você deve ter visto no Zero a 300 de ontem, o Camaro reestilizado será uma das atrações da Chevrolet no Salão do Automóvel (o FlatOut estará lá, claro). Embora a nova cara do pony car divida opiniões – nem todo mundo é fã do “bocão” com a gravatinha da Chevrolet bem no meio –, ela se torna só um detalhe quando se leva em conta as modificações no novo Yenko Camaro, que já está disponível para encomendas nas concessionárias dos EUA.
Para quem precisa de um refresco na memória, o Camaro Yenko/SC foi um modelo especial lançado pelo preparador Don Yenko em 1967, que encomendou diretamente com a Chevrolet alguns exemplares do Camaro para colocar neles o moto V8 big block 427 (sete litros) do Corvette, que na época entregava 430 cv. Foi um sucesso. A Chevrolet, que só oferecia o Camaro com motor small block 350 (5,7 litros) e 295 cv ou big block 396 (6,5 litros) e 375 cv, viu que estava comendo bola e passou a oferecer o motor 427 no modelo pouco depois.
Você talvez lembre que, em 2017, uma companhia chamada Special Vehicle Engineering, detentora dos direitos sobre o nome Yenko (a concessionária original não existe mais) apresentou o novo Camaro Yenko/SC, com uma versão supercharged de 811 cv do motor V8 small block do Camaro. Pois agora a SVE anunciou a linha 2019, feita com base no Camaro SS reestilizado e, dependendo da configuração, mais de 1.000 cv!
O Camaro Yenko/SC 2019 está disponível em dois pacotes, Stage I e Stage II, ambos feitos com base no Camaro SS com o pacote 1LE, que adiciona amortecedores com controle magnético, controle de largada e diferencial eletrônico ativo, além de splitter frontal e spoiler traseiro especiais. O Stage I é basicamente uma evolução do Yenko apresentado em 2017, que tinha uma versão de 6,8 litros do motor LT1 com potência aumentada de 811 para 840 cv. A grande notícia é o Stage II, que traz modificações mais radicais para atingir a potência de quatro dígitos.
Para começar, em ambos os pacotes o motor recebe virabrequim, bielas e pistões de alumínio forjados, além de cabeçotes com o fluxo retrabalhado e um sistema de alimentação mais robusto, com novos injetores e bomba de combustível. E os dois motores recebem um compressor do tipo Roots, mas o supercharger do Yenko/SC Stage II é 20% maior e entrega 25% mais pressão. Além disso, o Stage II tem sistema de escape menos restritivo e calibragem mais agressiva na ECU. E, naturalmente, adesivos especiais na carcaça do supercharger para não deixar dúvidas.
Ambos os Stages também incluem pneus 295/30 na dianteira e 305/30 na traseira, capô de fibra de carbono e rodas de 20 polegadas com cinco raios e desenho retrô. As clássicas faixas laterais com os dizeres Yenko/SC nos para-lamas traseiros são opcionais, assim como os demais emblemas a serem espalhados pelo carro. E os dois pacotes acompanham garantia de três anos ou 36.000 milhas (cerca de 58.000 km) para motor, supercharger e outros componentes mecânicos.
O detalhe é que os dois pacotes já estão disponíveis para encomenda diretamente com algumas concessionárias GM selecionadas nos EUA e no Canadá – ou seja, na prática trata-se de um pacote “oficial” da Chevrolet. É possível comprar um Camaro novo e recebê-lo com todas as modificações da SVE. Mas há um detalhe: o pacote Stage II será aplicado a apenas 25 unidades.
A segunda novidade pode servir a quem não encomendar seu próprio Camaro Yenko/SC Stage II a tempo, mesmo que não tenha 1.000 cv.
Trata-se do motor LT5, V8 supercharged de 6,2 litros e 765 cv que ocupa o cofre do atual Corvette ZR1 e em breve poderá ser encomendado por qualquer um que esteja pensando em fazer um engine swap de respeito em seu project car. A potência máxima do Corvette ZR1 aparece às 6.300 rpm, e o torque máximo é de 98,8 mkgf a 4.400. Com um total de 13 radiadores, o motor é tão grande que o Corvette ZR1 precisa de um capô exclusivo para acomodá-lo, e ainda tem sistema de escape com válvula ativa, virabrequim reforçado e um supercharger Eaton de 2,6 litros.
No caso do Corvette ZR1, que pesa 1.590 kg, é o bastante para ir de zero a 100 km/h em 2,85 segundos e atingir os 340 km/h de velocidade máxima, seja com o câmbio manual de sete marchas da Tremec ou com a caixa automática de oito marchas com aletas no volante.
E a Chevrolet escolheu uma bela maneira de demonstrar as possibilidades de seu novo crate engine: preparando para o SEMA Show 2018, que acontecerá entre os dias 30 de outubro e 2 de novembro, um Chevrolet Chevelle restomod equipado com o motor LT5.
Trata-se de um Chevelle Laguna 1973, e a escolha merece um comentário. Seria fácil ter escolhido um modelo mais emblemático e desejado do Chevelle – como o SS da segunda geração, produzida entre 1967 e 1972, que foi o muscle car acima do Camaro na época. Em vez disso a Chevrolet optou por um exemplar da terceira geração que, embora também seja um carro interessante olhando em retrospecto, trouxe um estilo mais comedido, dimensões mais contidas e motores mais anêmicos. Reflexos da crise do petróleo de 1973, claro, que exigiram automóveis mais mansos e conservadores, que não bebessem muito no posto de combustível e não demandassem muito gasto na hora de comprar uma apólice de seguro.
O Chevelle Laguna era a versão topo-de-linha, com acabamento mais luxuoso, suspensão mais macia e com maior curso, e um motor V8 350 de 145 cv como padrão – era possível encomendar um V8 big block 454 (7,4 litros), mas a potência não passava de 245 cv. Não era o que se podia chamar de muscle car, na definição clássica do termo.
É como se a Chevrolet quisesse nos lembrar que o tempo passa e pode mudar a nossa visão das coisas. O Chevrolet Chevelle que, na época do lançamento, desagradou entusiastas por seu visual conservador e desempenho apenas mediano, hoje é um cupê dos anos 70 com tração traseira e visual que não envelheceu tão mal assim. Em outras palavras, uma bela base para um project car. Até porque as versões menos desejadas dos carros do passado são as pechinchas de hoje.
A Chevrolet não revelou muitos detalhes a respeito do carro, exceto que ele tem uma transmissão Tremec T-56 manual de seis marchas e freios brembo. Além disso, até agora uma foto só foi mostrada. Mas a gente gosta do que vê: pintura preta reluzente, detalhes vermelhos nas rodas e pneus, bancos do tipo concha e um capô especial para acomodar a entrada de ar do supercharger. Também vemos um splitter frontal, faróis de LED e um spoiler traseiro quase vertical. Sendo um projeto feito pela própria fabricante, o mínimo que se espera é uma execução de alto nível. Certamente é um carro que vai inspirar muita gente lá nos EUA.
A Chevrolet ainda não se pronunciou a respeito do preço, mas estimativas falam em algo entre US$ 15.000 e US$ 20.000. De qualquer forma, a questão aqui não é o preço, e sim o que significa a oferta do motor LT5 como crate engine a qualquer um que tenha os meio$. No mainstream, os híbridos, elétricos e downsized dominarão o mundo. Os produtos de nicho, como modelos especiais para competição e motores V8, serão o refúgio dos entusiastas à moda antiga. Nós. E a Chevrolet, ao menos nos EUA, parece ter percebido isto. God bless America!