Antes de qualquer coisa: não, a Montana RS não tem nenhuma diferença mecânica. Zero, zip, zilch, nada. E se você está por dentro do universo raiz da Chevrolet, nem deveria esperar: o pacote opcional rallysport, ou simplesmente RS, nasceu em 1967 no Camaro de primeira geração e era totalmente estético. O RS adicionava ao Camaro uma grade negra que ocultava os faróis, que passavam a ser escamoteáveis ao estilo do Dodge Charger, as setas e luzes de ré eram reposicionadas para abaixo do para-choque, havia alguns emblemas RS e frisos adicionais… e nada mais. E é por isso que você podia configurar um Camaro RS/SS, exatamente como na foto abaixo.
Quis começar com esse disclaimer porque tenho visto muitos entusiastas falando que a Chevrolet não faz mais RS como antigamente, dando a entender que o pacote rallysport algum dia já foi item de performance. Critique, mas com coerência: exija se vir siglas como SS, ZL1, Z28, 1LE. Podemos lascar o verbo em crimes de maior grandeza como Meriva SS, delitos como a S10 Z71 ter como “upgrade” apenas um conjunto de pneus. Mas aqui na Montana RS, a coisa está coerente com a história; exceto que, no passado, o pacote RS poderia ser adicionado em qualquer versão, enquanto na Montana, estamos falando da nova versão topo de linha.
Diferentemente do Tracker RS, a Montana RS é baseada na versão top Premier e traz todos os equipamentos dela, mais as modificações estéticas que irei detalhar na sequência, por R$ 3.000 a mais que a Premier, totalizando R$ 151.890. É uma etiqueta honesta, considerando que não são poucas as mudanças.
Zona de atrito: ampliar!
A Montana RS só existe por um motivo: aumentar a zona de atrito com as versões de entrada da Toro – Endurance de 147 mil e Freedom de 161 mil. Já me antecipo: vendedores, assessores e membros de fã-clubes vão dizer que elas não são rivais, porque a Montana é 23 cm mais curta, o entre-eixos é 19 cm menor (2,80 m contra 2,99 m) e é 4,7 cm mais estreita.
Mas a prática mostra um cenário diferente: além da capacidade de caçamba ser próxima (detalharemos mais adiante), o market share da Toro na categoria de picapes compactas-médias é de 51,6%, mas se descartarmos as versões diesel, a Fiat possui 32,6% enquanto a Montana, em quatro meses de mercado, já abocanhou 36,6%! Ou seja, no comparativo flex versus flex, quem tem a liderança é a Montana. Pior ainda: 50% das vendas da Montana são da ex-topo de linha Premier, reforçando essa zona de conflito com a Toro.
Impensável. Jamais apostaria dinheiro em chances contra a Toro, visto a forma como ela abocanhou até mesmo parte do segmento das picapes médias com chassi. Ou seja: a Montana revelou que existe um sub-nicho dentro do sub-nicho, para aqueles que não estão satisfeitos com as dimensões ou percepção de sofisticação da Strada, mas acham a Toro ainda um pouco demais.
Fico me perguntando o tamanho do arrependimento dos executivos que abortaram o projeto da VW Tarek para priorizar o Taos. Poderiam estar no mercado há muitos anos…
Para visualizarmos a zona de atrito. Misturando todas as versões da Montana e da Toro 270 (tração dianteira), os preços ficam escalonados dessa forma:
Toro Volcano: R$ 175.100
Toro Freedom: R$ 160.990
Montana RS: R$ 151.890
Montana Premier: R$ 148.890
Toro Endurance: R$ 146.990
Montana LTZ: R$ 140.890
Montana LT: R$ 127.190
Montana: R$ 121.790
A Montana usa uma versão alongada da plataforma GEM, que estrutura o Onix e o Tracker. Comparando com o Tracker, temos 44 cm a mais na picape, sendo 23 cm só de entre-eixos. A GEM foi desenvolvida para veículos compactos de tração dianteira, com suspensão dianteira McPherson e arranjo traseiro modesto e eficaz, de eixo de torção.
Vale dizer que não é exatamente o mesmo jogo que a Toro joga: a Fiat é baseada na Small Wide 4×4, que estrutura o Compass. Por mais que seja um projeto antigo e pesado (em média, 350 kg mais pesado que a GM), a estrutura da Fiat é algo mais robusta, permitindo um dimensional veicular maior e comportando tração 4×4 e suspensão independente multibraços na traseira. Tudo isso, contudo, perde relevância quando lembramos que a Montana não está mirando nas versões 4×4 da Toro. É para um público muito mais voltado ao asfalto e fora-de-estrada leve. É por isso que essa briga acontece no mundo real.
O que a Montana RS tem de diferente
Rápido e rasteiro, começando por fora. Na dianteira sai a grade de três barronas horizontais e entra um design colmeia, em black piano, remetendo ao estilo do Camaro. Sai o logo dourado e entra o logo negro, junto com o emblema RS.
Na lateral: as rodas são iguais às da Premier, mas em vez de pintura cinza ela tem a face usinada, diamantada, com logo negro na calotinha. Espelhos também em black piano. E o rack passa a ser integrado com o santo antônio, avançando por cima dele. Na Premier, o rack é mais curto.
Na traseira? Logotipo RS no cantinho e o “Montana” em black piano. E só.
A cabine também recebeu atenção. Os bancos possuem forrações diferentes, com aplique em tecido nos ombros, além de pespontos e frisos vermelhos. Nos plásticos, temos um tema escurecido: todas as molduras que eram na cor prata (volante, console, saídas de ar) passam a vir em black piano. Indo nessa direção, acho que a GM poderia ter ido um pouco além e adotado o teto interno na cor preta também.
De resto, tudo é absolutamente idêntico à Montana Premier que a gente avaliou aqui no FlatOut no começo desse ano, incluindo a lista de itens de série: faróis full LED, ar-condicionado automático de uma zona, sensores de estacionamento traseiro, câmera de ré, seis air bags, alerta de ponto cego, sistema de infotainment MyLink com tela de 8″ e Wi-Fi nativo são os principais equipamentos.
Caçamba bem pensada
A plataforma GEM não suporta uma preparação para reboque e, dependendo das necessidades do comprador, esta pode ser uma desvantagem grande em relação às rivais. A capacidade de carga é de 874 litros, uma diferença pequena com os 937 litros da Toro. A capacidade de carga é de 600 kg, 70 kg menos que a Fiat.
A abertura da tampa conta com uma mola para aliviar a carga: você pode abrir a maçaneta e soltar a tampa, ela desce lentamente. Há oito ganchos na caçamba, que é iluminada dos dois lados. A Chevrolet investiu muito em acessórios: há um sistema modular cheio de compartimentos e que suporta até 30 kg, muito útil para compras de mercado, redes, bandejas, extensor de caçamba, tomada e entradas USB, até mesmo uma capota elétrica está disponível.
Interior: esqueceram de olhar para cima?
Os toques de black piano nas saídas de ventilação, aro do volante e console central, mais as modificações nas forrações dos bancos e do painel deram um pequeno toque de exclusividade à Montana RS, que agora fica com a cabine praticamente idêntica à do Tracker RS do mercado chinês – é de lá que veio o arranjo do tabelier, com o sistema multimídia integrado (no nosso Tracker atual, a tela fica encaixada no console central). Contudo, o teto claro destoa de todo o arranjo que vemos da linha da janela para baixo. Parece até que esqueceram de olhar para cima. Como eu o fiz ao tirar a foto abaixo.
O resumo do interior da Montana é que é uma picape com cara de automóvel. A Toro tem um estilo mais sólido, com blocos de design maiores em dimensões, seguindo um estilo mais de picape tradicional.
Um ponto que chama a atenção é que o espaço traseiro da Montana é muito similar à da Toro, um enorme crédito se considerarmos que ela possui apenas 2,80 m de entre-eixos: Toro possui 2,99 m, enquanto a Oroch tem 2,83 m e a Strada cabine dupla, 2,73 m. Packaging é o nome que se dá ao aproveitamento do dimensionamento do espaço do veículo: como as pessoas, suas bagagens e os componentes mecânicos são dispostos naquele determinado entre-eixos, largura e comprimento. E neste sentido, a Montana é um projeto bem mais bem resolvido que a Toro, que não deixa de ter ótimas credenciais.
Ao volante: melhor em umas coisas, pior em outras
Com 1.310 kg, estamos falando de uma picape por volta de 350 kg mais leve que a Toro Freedom 1.3 Turbo. Massa é o elemento definidor de eficiência: mesmo contando com 133 cv e 21,4 kgfm contra os 185 cv e 27,5 kgfm da Fiat, a Montana vai oferecer um zero a 100 km/h por volta de 0,7s mais rápido que a Toro, cravando 10,1 s de acordo com os números oficiais. O consumo também acaba sendo melhor: 8,5 km/l com etanol e 12,2 km/l com gasolina (cidade-estrada 50%).
Mas podemos até ignorar os números: a sensação em retomadas, saídas de curva ou ultrapassagens em pista simples já trazem a percepção de menor inércia e de que o veículo é mais esperto, principalmente na cidade. A Montana se parece mais com um sedã compacto elevado, enquanto a Toro vai parecer mais com um SUV de médio para grande. Sejamos justos: ambas são extremamente competentes dinamicamente para uma picape, superando o que considero necessário para a categoria.
Só que essa analogia de sedã compacto versus SUV médio vale para o conforto de rodagem também: a Toro roda muito mais silenciosa, lida com pancadas secas no piso com mais progressão e silêncio, enquanto a Montana vai lembrar mais um veículo de entrada. Não bate seco, mas a Fiat faz um trabalho muito melhor. E quanto pior o piso, maior a diferença, pois o eixo de torção da GM irá transmitir forças na diagonal que são absorvidas pelo sistema multibraços da Toro. Falo por exemplo de pisos de terra batida com eventuais caroços.
O três-cilindros da GM vai trazer mais intrusão de ruído e vibrações em rotações intermediárias, enquanto o T270, quatro-em-linha, vai ser mais silencioso – embora você precise usar mais o acelerador em subidas com a Toro, cancelando parte dessa vantagem.
Em termos de fora-de-estrada, veja a diferença: a Montana traz bons 185 mm de altura livre para o solo, mas a Toro tem incomparáveis 251 mm. A GM possui ângulo de entrada de 20,7° e de saída de 27,9°, enquanto a Fiat oferece 24,8° e 27,9°, respectivamente.
São produtos para o mesmo público, mas a Montana vai atender melhor quem prioriza uma dinâmica um pouco mais automotiva, uma tocada mais estilo sedã. A Toro é muito melhor que qualquer picape chassi nesses quesitos, mas Montana é melhor. Também será melhor na direção urbana, manobras em prédios e visibilidade pelo packaging mais bem resolvido. Mas a Fiat oferece um rodar mais sofisticado e uma complacência com o piso bem melhor, fora as vantagens de altura livre e a percepção de um produto mais caro, não só pelo porte, mas pela qualidade percebida ao tato.
Não é exatamente uma escolha simples entre as duas. E a Montana RS chegou para complicar um pouco mais a vida de quem já está no dilema.
Em vídeo
Tanto a Montana Premier quanto a Toro Freedom já foram avaliadas por nós. Vale a pena conferir.