Depois de dois lançamentos polarizadores, finalmente parece que teremos uma unanimidade entre os entusiastas: o novo 911 GT3. Ok, eu sei que ele não é exatamente novo, e sim a tradicional renovação de meio-ciclo que a Porsche faz em cada geração do 911. E ela foi um pouco mais, digamos, comedida que as anteriores — um reflexo dos tempos em que vivemos, onde os carros já não podem mais ser desenvolvidos de acordo com as demandas do mercado, mas sim pelas demandas de regulamentações estatais.
Ao mesmo tempo, é nos momentos difíceis que o brilhantismo e a genialidade se destacam. Ninguém nunca mudou o mundo no conforto da cama, afinal. A Porsche tradicionalmente tem uma abordagem criativa diante das imposições e, neste novo GT3, com um pouco de atenção você notará como muitas destas mudanças foram motivadas por estas demandas, adaptadas às demandas do público.
Outra parte das novidades foram refinamentos dinâmicos, e eles foram sutis por que a Porsche precisa reservar o melhor para o GT3 RS. Antes visíveis, as mudanças agora são extremamente técnicas. Os pivôs dos braços de controle inferiores, por exemplo, foram rebaixados para mitigar o mergulho em frenagens; os amortecedores foram recalibrados para otimizar o controle de carroceria; rodas de liga ultra leve reduziram a passa não suspensa em 1,5 kg (a Porsche não mencionou se foi o conjunto ou cada uma delas), e as duas opções de câmbio — manual de seis marchas e PDK de sete marchas — receberam relações finais 8% mais curtas. Até mesmo a bateria foi otimizada: ainda de íons de lítio, ela agora tem 40 Ah em vez de 60 Ah.
O lado positivo é que com mudanças tão sutis, a Porsche mata discussões de jogadores de Super Trunfo. As novidades foram feitas para serem notadas onde importa: nas pistas e estradas.
Em termos de design, o 911 GT3 992.2 tem uma dianteira com um aspecto mais esportivo, mas que também foi otimizada aerodinamicamente. Quando equipado com os faróis de matriz de LED, o anel externo elimina as luzes de funções dianteira (DRL e piscas). Sem elas, a Porsche conseguiu aumentar as tomadas de ar dianteiras, em uma abordagem típica de engenheiros criativos. Na traseira, a faixa de LED é mais larga e contínua, enquanto as saídas de ar verticais nas extremidades do para-choque são maiores.
O interior também mudou pouco: agora o GT3 tem bancos concha opcionais, com encostos em fibra de carbono, aquecimento, ajuste elétrico de altura e um bem-sacado apoio de cabeça removível para quando você for ao track day e usar capacete. Mesmo sendo bancos concha, eles têm airbags laterais integrados.
Ainda na cabine, a Porsche amenizou a adoção de um controverso conta-giros virtual, projetado no painel de instrumentos digital, ao manter o sistema de partida por um interruptor rotativo que emula o movimento da chave. No 911 GTS esse sistema foi trocado por um insosso botão de partida, mas aqui a Porsche manteve o interruptor para manter o ato de se dar a partida uma experiência mais tradicional, condizente com a proposta do carro.
Por outro lado, o conta-giros virtual agora pode ser configurado com a faixa vermelha posicionada no topo do instrumento — lembra dos conta giros inclinados dos carros de corrida dos anos 1960 e 1970? É isso. Outra configuração é que no modo “Track Screen”, o quadro de instrumentos apaga algumas informações menos relevantes na pista, mantendo somente o que importa em destaque.
Outra demanda dos clientes que foi atendida pela Porsche foi a instalação de bancos traseiros no GT3 Touring. Com uma proposta mais estradeira, o Touring tem os bancos como opcionais para levar crianças ou inimigos de carona.
Independentemente do modelo ou da transmissão que você escolher, a potência do motor flat-six aspirado de 4 litros permanece a mesma: 500 cv e 45,8 kgfm de torque. A Porsche afirma que o GT3 equipado com PDK vai de 0 a 100 km/h em 3,2 segundos, e acelera até 311 km/h, enquanto o manual faz em 3,7 segundos e atinge 314 km/h.
Tanto o 911 GT3 quanto o GT3 Touring têm pacotes de redução de peso. O GT3 convencional tem um novo Pacote Weissach que inclui barras estabilizadoras, paineis de amarração, asa traseira, splitter, capas de retrovisor e teto feitos de fibra de carbono. Por dentro, os puxadores de porta de fibra de carbono e as redes de porta-objetos ajudam a reduzir o peso dos paineis de portas. Além disso, a Porsche também oferece rodas de magnésio, que reduzem mais 9 kg.
Os compradores do Porsche 911 GT3 Touring não recebem o Pacote Weissach, mas têm à disposição um pacote de redução de peso próprio, que tem as mesmas peças externas de carbono, porém pintadas na cor da carroceria para manter um visual mais discreto. O kit de redução de peso do Touring também adiciona as rodas de magnésio mais leves. No interior, os painéis de porta são compartilhados com o Weissach do GT3 comum, mas ele ganha a alavanca de câmbio mais curta do 911 S/T. À frente dessa alavanca, há uma placa com a inscrição “Leichtbau” (construção leve em alemão).
Diante do panorama das atualizações do GT3, note que a Porsche se esforçou para atualizar o carro não apenas para não avançar sobre o território do GT3 RS, mas também por causa dos famigerados controles de emissões impostos em todos os mercados mais importantes de todas as fabricantes ocidentais. É por isso, por exemplo, que não houve aumento de potência — tradicionalmente o GT3 da segunda fase de uma geração recebe a potência do GT3 RS da primeira fase, mas isso não aconteceu desta vez por que os burocratas de plantão não permitiriam.
É por isso que a fórmula do 911 GT3 não mudou tanto desde sua última geração. Esses ajustes sutis, contudo, devem fazer uma diferença significativa para o público cativo do GT3. E por sorte a Porsche conseguiu combinar as obrigações e as ambições. Por que, com o 911 ganhando auxílio de motores elétricos aos poucos, é muito provável que este seja o último GT3 movido puramente pela combustão interna. Infelizmente é um caminho sem volta, este em que a vontade do público é suprimida por regulações impostas por pessoas que dizem representar este mesmo povo, em um flagrante descompasso.
E se este GT3 já teve suas evoluções transformadas em minúcias, acostume-se a este cenário em um futuro muito próximo, no qual uma bateria com 20 amperes-hora a menos será um “upgrade”, e no qual um motor de carro esportivo será refinado não para otimizar sua entrega de potência, mas para ser aprovado na provinha dos donos do mundo.