Ganhar uma corrida de Fórmula 1 parece algo banal depois de mais de 70 temporadas. Especialmente agora, que as temporadas têm 22 Grandes Prêmios e já correu até em estacionamento de cassino. Só que vencer um GP de Fórmula 1 nunca foi e nunca será algo banal. A F1 é o auge do automobilismo, da tecnologia automobilística, que tem apenas 10 dos melhores construtores de carros do planeta disputando por uma vitória, com apenas duas chances por corrida.
É importante mencionar isso porque, relendo a história da equipe Fittipaldi, é impossível não sentir um misto de raiva e frustração com a situação dos irmãos.
Eles estavam fazendo o melhor, num país subdesenvolvido, ganhando pontos, andando forte, chegando ao pódio, mas a opinião pública era manipulada para aquilo tudo parecer um fracasso e não uma conquista. Vencer um GP de Fórmula 1 é algo tão raro que, das 172 equipes que disputaram um Grande Prêmio nas 75 temporadas da categoria, somente 34 venceram uma corrida. Estatisticamente, se você apostar em uma equipe para vencer um GP, você irá perder — a probabilidade é 5:1 considerando o histórico de 1950 a 2024.
A Ferrari, por exemplo, só venceu uma corrida em 1951, sua segunda temporada na F1. A McLaren venceu na terceira temporada. A Lotus levou quatro temporadas para vencer pela primeira vez. A Cooper, só venceu na oitava temporada que disputou — a Fittipaldi acabou antes disso, na prática. Na verdade, somente cinco equipes venceram em suas temporadas de estreia — e quatro delas na corrida de estreia, o que deixa evidente que se trata de uma questão de ter acertado o projeto em cheio.
A primeira delas foi a…
Alfa Romeo em 1950
Os italianos venceram o GP da Grã-Bretanha de 1950, a primeira corrida do primeiro campeonato mundial de Fórmula 1. À primeira vista parece um recorde sem mérito, afinal, se aquela é a primeira corrida da história do Mundial, qualquer equipe que vencesse a prova, teria conquistado o grande feito de vencer a primeira corrida de sua história na F1.
Acontece que a Alfa Romeo não apenas venceu o GP da Grã-Bretanha, como também dominou a temporada. Das sete etapas, eles venceram seis com Juan Manuel Fangio e Giuseppe Farina — o que torna o recorde muitíssimo merecido. A única etapa que eles não venceram foi a Indy 500, que nunca fez sentido algum no calendário da Fórmula 1, uma vez que os europeus não iam a Indianapolis, e os americanos não disputavam os GP europeus.
Isso significa que eles venceram todas as corridas que disputaram em sua primeira temporada — algo que nenhuma outra equipe fez e, provavelmente, jamais fará.
Mercedes em 1954
Se desconsiderarmos a Alfa Romeo como “vencedora na temporada de estreia”, a primeira equipe a vencer em sua estreia apareceu somente em 1954. Foi quando a Mercedes entrou em cena com Alfred Neubauer no comando da equipe que trazia Juan Manuel Fangio, Karl Kling, Hans Herrmann e Herrmann Lang a bordo dos poderosos W196.
A equipe começou o campeonato na quarta etapa, o GP da França, e já estreou com uma dobradinha de Fangio e Kling. Na prova seguinte, o GP britânico, Fangio pontuou em quarto, mas Kling chegou em sétimo. Fangio venceria as três provas seguintes, os GP da Alemanha, Suíça e Itália, e chegaria em terceiro na Espanha.
Wolf em 1977
Depois da Mercedes, foi preciso 23 anos para aparecer outra estreante avassaladora. Foi em 1977, quando Walter Wolf transformou a Frank Williams Racing Cars (FWRC), equipe da qual tinha 60% das cotas, na Walter Wolf Team.
A equipe já vinha trabalhando desde 1975, porém sob o comando de Frank Williams. Ao final de 1976, Williams foi demovido do cargo de chefe de equipe e substituído por Peter Warr. Frank chamou Patrick Head e foi criar uma nova equipe — a atual Williams. Com Warr no comando e um novo carro de Harvey Postlethwaite, Wolf transformou a FWRC em Walter Wolf Racing e foi para a temporada de 1977.
Com Jody Scheckter ao volante, eles venceram a corrida de estreia da nova equipe, o GP da Argentina, repetindo o feito da Alfa Romeo e da Mercedes. Ao longo da temporada, Scheckter venceria ainda o GP de Mônaco e o GP do Canadá, além de terminar no pódio em outras seis etapas, o que lhe garantiu o vice-campeonato de pilotos — um feito inédito para uma equipe estreante, uma vez que Fangio, foi campeão pela Mercedes em 1954, mas correu e venceu as duas primeiras etapas pela Maserati.
Naquele ano, a Wolf terminou o campeonato de construtores em quarto lugar — o melhor de uma equipe estreante até então, porque o título de construtores só foi disputado a partir de 1958.
E se os títulos da F1 fossem contados desde sua origem? | Lendas da Fórmula 1
É claro que se pode argumentar que a Wolf não era exatamente uma equipe estreante, afinal, a estrutura e parte do pessoal eram os mesmos da temporada de 1976, quando ainda eram a Frank Williams Racing Cars. Mas… essa situação é a mesma da próxima equipe que chegou chegando à Fórmula 1: a…
Brawn GP em 2009
Foi em 2009, muita gente lembra. A Honda tinha abandonado a Fórmula 1 por causa da crise econômica global e Ross Brawn arrematou a equipe inteira. Button e Barrichello, que eram pilotos da Honda, acabaram entrando na parada. Da Honda não sobrou nada além do direito de disputar o campeonato, a estrutura e parte do pessoal. O carro e os motores eram todos novos, assim como a cúpula da equipe.
A estreia aconteceu na primeira etapa da temporada, o GP da Austrália. A equipe era tão recente que nem uma “livery” de patrocinador ela tinha. Correu de branco com detalhes amarelo-e-preto, com patrocinadores menores espalhados pela carenagem. Apesar da novidade, Brawn e sua equipe acertaram em cheio o projeto aerodinâmico e conquistou uma dobradinha com Button e Barrichello.
O difusor duplo trouxe uma vantagem que só foi descoberta pelas outras equipes no meio da temporada, quando a Brawn já estava disparada, com Button no pódio nas sete primeiras etapas, sendo apenas uma em terceiro e todas as outras em primeiro. Barrichello fez a dobradinha na Espanha e em Mônaco, liderou a equipe na Grã-Bretanha, com um terceiro lugar, e venceu os GP da Europa e da Itália — neste último, Button fez a dobradinha.
O resultado? Button campeão de pilotos e a Brawn campeã de construtores. Um feito inédito e inigualado até hoje: uma equipe estreante não apenas vence a primeira corrida, como também vence os dois campeonatos. Quais as chances de isso acontecer novamente?
Benetton em 1986
Sim, eu pulei da Wolf para a Brawn, sem passar pela Benetton. Ela também foi uma equipe que venceu na sua temporada de estreia, mas sua história é um pouco diferente: ela foi a única das estreantes vitoriosas que não venceu sua corrida de estreia, nem venceu mais de uma vez. Ela também não chegou nem perto de disputar o título de pilotos ou de construtores. Por isso eu a separei das outras quatro — ainda que nada disso tire seu mérito de estrear com uma vitória na temporada.
Outra diferença é que o carro já havia sido projetado por uma equipe que não era nada estreante — a Toleman, que estava na Fórmula 1 desde 1981 e deixou o TG186 prontinho para a Benetton usar em 1986. Ou melhor, quase pronto: o motor não seria Hart, mas o consolidado BMW M12. Mesmo assim, a temporada foi mediana. Gerhard Berger terminou as duas primeiras etapas, os GP do Brasil e da Espanha pontuando em sexto e chegou em terceiro em San Marino, enquanto Teo Fabi ficou com a quinta posição na Espanha.
Em Mônaco os dois carros abandonaram, algo que se tornaria recorrente ao longo da temporada — foram dez abandonos nas onze etapas seguintes. Berger, contudo, pontuaria no GP da Itália com um quinto lugar, e acabaria vencendo o GP do México, a penúltima corrida da temporada, fazendo da Benetton a quarta equipe a vencer em sua temporada de estreia.
Um fato curioso é que a Benetton é a origem da atual Alpine F1, que também é uma das equipes que venceu em sua temporada de “estreia”. Contudo, eu não a considerei nesta lista porque a equipe não é realmente uma estreante, e sim um novo nome da equipe que já existia, com todo o corpo técnico, instalações, pilotos e, principalmente, proprietário — no caso a fabricante Renault.
Por último, ficou claro que vencer na Fórmula 1 não é para todos e muito menos quando se é uma equipe estreante. Se considerarmos apenas as equipes que não tinham nenhum envolvimento prévio com a Fórmula 1, somente a Mercedes era realmente uma novata quando disputou seu primeiro GP em 1954, uma vez que a Alfa Romeo já disputava corridas de Fórmula 1 com o 158 em 1948, antes da criação do Mundial.
Da mesma forma, a Wolf herdou algo da expertise da Frank Williams Racing Cars, e a Benetton usou o projeto da Toleman, que se beneficiou com a experiência de cinco temporadas. A Brawn GP talvez seja um caso diferente, pois da Honda ficou somente a estrutura e a vaga na F1 — todo o resto foi mudado ou renegociado.
E aqui temos outra coincidência: depois de conquistar os títulos de 2009, a Brawn foi comprada pela… Mercedes, que a transformou na sua atual equipe de Fórmula 1. Como os motores da Brawn eram Mercedes e o W01 era uma evolução do BGP001, dá até pra dizer que a Mercedes estreou com vitória duas vezes…