Na década de 1970, enquanto a Ford vendia o Escort de primeira geração na Europa – um belo cupê ou sedã com motor longitudinal e tração traseira que fazia sucesso em ralis e corridas de turismo – os brasileiros ficaram com o Ford Corcel. Que, não nos entenda mal, era um carro muito bacana que não fez sucesso à toa.
O Corcel era econômico, estiloso e confiável. Mas tinha a tração nas rodas “erradas” e, no fundo, era um projeto da Renault revisitado pela Ford brasileira. O Escort Mk1 teria sido um rival muito mais interessante, do ponto de vista entusiasta, para o Chevrolet Chevette.
Quando finalmente resolveu trazer o Escort para o Brasil, já em sua terceira geração, a Ford tratou de compensar a defasagem de sua linha e, logo de cara, deu aos brasileiros o esportivo XR3. Mas ele era diferente do modelo europeu, com um motor mais antiquado. E, embora não fosse tão inferior ao europeu como se costuma pensar, ele não era tão bacana quanto as versões esportivas que foram vendidas na Europa.
É sobre elas que viemos falar neste post – aproveitando o embalo para incluir os Escort Mk4, Mk5 e Mk6. Não vamos considerar as duas primeiras gerações, que não chegaram até nós de forma alguma.
Escort RS1600i
A primeira evidência de que a Ford britânica queria guardar para si as versões mais bacanas do Escort Mk3 foi lançada logo em 1981: o Escort RS1600i, sucessor do Escort RS de primeira geração. Assim como o Escort XR3 europeu, que mencionamos há alguns dias, ele usava o motor 1.6 CVH, com comando simples no cabeçote porém em um acerto distinto e injeção de combustível – o XR3 europeu era carburado nos primeiros anos.
Com 115 cv e 14,8 kgfm, câmbio de cinco marchas (com a quinta mais longa) e pouco mais de 1.000 kg com fluidos, o Escort RS1600i era capaz de ir de zero a 100 km/h em nove segundos cravados, com velocidade máxima de 191 km/h.
O acerto de suspensão também era diferente, com uma barra estabilizadora mais grossa na dianteira e braços de suporte longitudinais – ausentes até mesmo no XR3 europeu. E o visual o carro era diferenciado em relação ao XR3, com um spoiler generoso na dianteira, quatro faróis auxiliares (dois de neblina e dois de longa distância), faixas pretas no capô e nas laterais e um spoiler traseiro de borracha que também era maior que no XR3. As rodas eram de 15 polegadas, calçadas com pneus 185/60.
O Escort RS1600i foi criado para homologação em categorias de turismo da FIA, e por isso a Ford tinha de produzir no mínimo 5.000 exemplares. A demanda pelo carro foi tão alta, porém, que foram feitos 8.659 exemplares entre 1981 e 1983. O RS1600i era um carro muito popular entre preparadores, que sem qualquer tipo de indução forçada conseguiam extrair mais de 160 cv do motor CVH.
Escort RS Turbo S1
Como se não bastasse, a Ford fez um Escort XR3 ainda mais bacana: o RS Turbo, que foi lançado em 1985, novamente como especial de homologação para provas de turismo.
Ele conseguia ser ainda mais interessante que o RS1600i do ponto de vista estético, com para-choques na cor da carroceria, grade exclusiva, com menos filetes e também pintada na cor da carroceria e para-lamas consideravelmente mais largos. As rodas e pneus eram os mesmos do RS1600i.
O interior tinha bancos Recaro de excelente apoio, volante de três raios e painel com conta-giros. O acabamento era mais refinado que nos outros Escort, com materiais mais nobres. No visual, o Escort RS Turbo não tinha defeitos.
O motor CVH 1.6 turbo tinha 132 cv e 18,5 kgfm de torque – suficientes para ir de zero a 100 km/h em 8,7 segundos, com máxima de 203 km/h. Mas o desempenho o carro não foi suficiente para garantir seu sucesso – a imprensa da época criticou o comportamento dinâmico, considerado subesterçante em excesso (mesmo com um diferencial de deslizamento limitado) e inadequado para o desempenho extra do motor.
Não obstante, o carro foi um sucesso de público, com todos os 5.000 exemplares foram vendidos. Quase todos eram pintados de branco Diamond White – exceto por um exemplar preto, dado de presente à Princesa Diana.
Escort RS1700T
Este é, na verdade, um interlúdio – ninguém teve o Escort RS1700T, nem mesmo os europeus. O carro foi criado para homologação do Grupo B de rali e, por conta disto, possuía um conjunto mecânico totalmente diferente.
Na verdade, assim que a terceira geração do Escort foi lançada, em 1980, a Ford começou a desenvolver sua versão de rali, feita sob medida para suceder o famoso Escort RS1800 usando o novo carro como base. E, como você já deve saber, o Escort MkIII foi o primeiro a romper com o tradicional arranjo de motor dianteiro longitudinal e tração traseira — agora era tudo lá na frente, e o motor passou a ser transversal.
Isto não impediu a Ford britânica de adaptar toda a estrutura para receber um conjunto mecânico com o layout mecânico clássico e desenvolvê-lo por dois anos. Ele tinha um motor de 1,8 litro que, com cabeçote Cosworth e turbocompressor, entregava cerca de 350 cv em especificação de competição, enquanto a versão de rua não teria mais que 200 cv.
Com a introdução do Grupo B em 1982, a Ford chegou a desenvolver um sistema de tração integral para o Escort. Porém, logo ficou claro que um bólido de rali baseado em um carro compacto de tração dianteira jamais seria competitivo. Então, para o ano seguinte, a Ford começou a trabalhar em seu protótipo de motor central-traseiro, o RS200, que aproveitou parte dos elementos do Escort – e nunca conquistou um título.
Escort RS Turbo S2
O sucesso do Escort RS Turbo S1 levou a Ford a repetir a versão na quarta geração do Escort, que estreou na Europa em 1986 – desta vez puramente como uma versão de rua, sem a intenção de homologá-lo. A ideia era melhorar a dinâmica do hot hatch e também agradar à crítica. Algo que a geração anterior, apesar de vender muito bem.
Para isto, o motor CVH foi revisto e ganhou diversas modificações: um turbo Garrett T3, arrefecido a líquido, uma reprogramação no módulo do motor, câmbio com relações mais próximas, modificaççoes no diferencial, embreagem maior e intercooler.
Embora os números de potência e torque tenham permanecido iguais, o motor ficou mais esperto em rotações médias. Além disso, a Ford também deu ao Escort RS Turbo S2 molas e amortecedores mais firmes, barras estabilizadoras mais grossas freios maiores.
Imediatamente o Escort RS Turbo S2 tornou-se um dos mais populares entre os boy racers – era assim que se chamava os pilotos de rua no Reino Unido. Ao longo das décadas de 1990 e 2000, boa parte dos RS Turbo S2 passou por algum tipo de modificação, tornando exemplares originais extremamente raros hoje em dia.
Escort RS2000
A quinta geração do Ford Escort, lançada em 1990 na Europa, foi a primeira totalmente nova em dez anos, com uma plataforma inédita e motores mais modernos. Não foi diferente, claro, com as versões esportivas.
Falamos sobre os XR3 há alguns dias, e hoje vamos nos focar no RS2000 – que, como o nome dizia, era movido por um motor de dois litros. Este, ao contrário do que se pode pensar, não era o Zetec, que ainda levaria um ano para ficar pronto. Em vez disto, a Ford usou no Escort RS2000 o motor N7A, que também tinha comando duplo no cabeçote e 16 válvulas – porém acionado por corrente. O Zetec tinha os comandos acionados por correia dentada.
Lançado em 1989, o motor N7A tinha 150 cv a 6.500 rpm e 19,4 kgfm de torque a 4.500 rpm – números respeitáveis para um motor de quase trinta anos. No Escort RS2000, era o bastante para ir de zero a 100 km/h em 8,2 segundos, com velocidade máxima de 207 km/h.
O visual do Escort RS2000 era muito semelhante ao do XR3/XR3i, com o mesmo para-choque e spoiler na traseira, porém com saias laterais maiores. As rodas tinham desenho exclusivo e acabamento diamantado. Outro detalhe interessante era o capô, que tinha duas bolhas – sem elas, o capô não fecharia sobre o motor.
Em 1992 a Ford realizou um facelift no Escort Mk5, adotando uma grade oval embutida no capô (uma decisão estilística controversa, diga-se) e lanternas traseiras maiores. No RS2000, a maior novidade foi a a a adoção de um sistema de tração 4×4, o que exigiu a instalação de uma travessa na traseira, para abrigar o diferencial, além de um túnel central maior.
A sexta geração do Escort, lançada na Europa em 1995, não era muito mais que uma reestilização extensa da anterior, com uma nova dianteira, mais arredondada, atualizações mecânicas e interior completamente reformulado.
Na versão RS2000, o motor 2.0 16v N7A continuava sendo utilizado – mesmo com o Zetec pronto. Assim como no Mk5, havia versões com tração dianteira ou integral.
Escort GTI
Não muito diferente do que aconteceu com o Escort no Brasil, no fim de sua vida na Europa o modelo teve versões simplificadas e perdeu boa parte de seu apelo. A Ford preparava-se para colocar no mercado o Focus e, por isso, no fim dos anos 1990 acabou com as variantes esportivas mais interessantes.
O que restou foi o inusitado Escort GTI. Sim, a mesma sigla dos Volkswagen foi usada pela Ford – em um caso único. O Escort GTI tinha um motor Zetec de 1,8 litro com comando duplo no cabeçote e 115 cv, com 16,3 kgfm de torque.
Era exatamente o mesmo motor usado pelo Escort RS que foi vendido no Brasil no final da década de 1990. E, da mesma forma que no Brasil, enquanto esportivo o Escort GTI não tinha brilho, embora tivesse um conjunto competente para uso diário, acabamento caprichado para o segmento e boa dinâmica para um tração-dianteira.
Bônus: Escort RS Cosworth
O RS Cosworth é praticamente hours concours, ainda que, em tese, de Escort só tenha o nome, a carroceria e o interior. Tecnicamente, ele é um Sierra RS Cosworth com outra carroceria — o que explica o fato de ele ser o único Escort posterior a 1980 com motor longitudinal.
Na primeira série de 2.500 unidades, produzidas em 1992 para homologar a versão de rali para o WRC, o motor Cosworth YB era um quatro-cilindros de dois litros com comando duplo no cabeçote capaz de render 220 cv a 6.250 rpm e 29,6 mkgf a 3.500 rpm. Era o suficiente para chegar aos 100 km/h em 6,3 segundos — e acelerava com uma selvageria impressionante. Por sorte, o sistema de tração integral do Sierra dava conta de domá-lo.
A procura pelo especial de homologação foi tão grande que Ford continuou fabricando o RS Cossie até 1996. Os modelos posteriores tinham um turbo menor, porém eram mais potentes graças a uma reprogramação na ECU — agora, o motor entregava 227 cv a 5.500 rpm e 31,1 mkgf a 2.750 rpm.
Some a isto o visual conferido pelo body kit exclusivo, que incluía novos para-choques, para-lamas alargados, capô com entradas de ar e o característico aerofólio de dois andares, e não fica difícil entender por que o Escort RS Cosworth é uma lenda. Mesmo que não seja um Escort de verdade, ele sempre merece a menção. E você pode ser mais sobre ele aqui.