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Automobilismo

As mulheres da Fórmula 1

Sabe quantas pessoas dirigem no mundo? Milhões. Quantos pilotos licenciados existem? Milhares, mas só alguns competem. Dentre as centenas de competidores, somente alguns são realmente bons. Depois vem a Fórmula 1. Só há 21 pilotos na Fórmula 1. Destes 21 pilotos só seis são realmente bons. Destes, só três são excepcionais. Geralmente só um deles é genial. 

Essa citação acima é de Sir Jackie Stewart, tricampeão mundial de F1 e, reconhecidamente, um dos maiores pilotos de todos os tempos. Ela foi dita durante os primeiros segundos do documentário “Fangio – O Rei das Pistas” como uma forma de reforçar a raridade de um piloto genial como o argentino, que se tornou o primeiro multicampeão da Fórmula 1 e era reverenciado por Senna e Schumacher como o maior de todos os tempos.

Acho a declaração muito marcante pois ela explica de forma simples e muito realista como a Fórmula 1 não é um lugar para qualquer um. A categoria é um círculo fechado e restrito a um pequeno grupo de pessoas, e que só de chegar até este círculo já te coloca entre os maiores nomes da história do automobilismo. Mesmo sem ganhar uma corrida, sem marcar pontos, entrar em uma corrida de Fórmula 1 e acelerar entre os vinte e poucos que participam de uma prova do campeonato já é algo que te coloca acima de muita gente no automobilismo.

Desde o GP da Grã-Bretanha de 1950 até o GP da Hungria de 2023, a Fórmula 1 teve 1.090 Grandes Prêmios oficiais sancionados pela FIA e válidos para o campeonato. Nestas 74 temporadas, apenas 599 pilotos diferentes sentaram-se em um carro de Fórmula 1 e disputaram ao menos os treinos de classificação para um GP. Destes, apenas cinco eram mulheres.

Talvez pelo risco intrínseco ao automobilismo de outros tempos, poucas mulheres se interessaram pelas competições no passado — é inegável que os carros são um interesse majoritariamente masculino por questões culturais. Isso, contudo, jamais impediu que as mulheres participassem de competições e até mesmo tivessem campeonatos próprios em diversas categorias.

A francesa Hellé Nice talvez tenha sido a mais famosa das pioneiras. Nascida em 1894 na França, ela começou a competir em 1929 em corridas femininas, mas naquele mesmo ano disputou sua primeira prova entre os homens  — algo que fez até sua aposentadoria em 1949, aos 55 anos. Depois dela houve várias outras, com destaque para nomes como Pat Moss, Michèle Mouton, Rosemary Smith, Shirley Muldowney e. Juta Kleinschmidt.

Curiosamente, as mulheres se mostraram mais bem-sucedidas em categorias sem disputas diretas, onde é preciso dividir freadas e saídas de curva com outros carros. Shirley Muldowney, por exemplo, foi a primeira pessoa a vencer o campeonato de Top Fuel da NHRA duas e três vezes consecutivas (sim, antes de qualquer outro piloto, homem ou mulher). Michèle Mouton venceu quatro provas do WRC e chegou a nove pódios, além de ter disputado o título de 1982 até a última etapa da última prova. Juta Kleinschmidt venceu o rali Dakar de 2001 e chegou em segundo em 2002.

Michèle Mouton: a história da garota mais rápida do mundo

Há vários estudos que indicam que as motoristas mulheres são menos agressivas que os homens ao volante, o que pode explicar esse sucesso feminino predominante em categorias onde não há o risco de contato com outros carros (como arrancada e ralis), mas estou apenas conjecturando, pois nunca houve um número expressivo de pilotas em nenhuma categoria, então não há uma base estatística que permita chegar a alguma conclusão bem-fundamentada. Além disso, Bia Figueiredo venceu uma corrida na Indy Lights e Danica Patrick também venceu uma corrida na IndyCar — o que contraria a hipótese da motorista segura.

Isso talvez explique também o porquê de haver poucas mulheres na F1 — hoje e em toda a sua história. Foram apenas cinco pilotas que disputaram ao menos um treino de classificação, somente duas disputaram uma prova e apenas uma pontuou — não por acaso, a mais famosa delas: Lella Lombardi.

 

Maria Teresa de Filippis, a pioneira

Lella Lombardi não foi a primeira mulher na Fórmula 1, mas foi aquela quem mostrou ao mundo que uma mulher poderia disputar a Fórmula 1. Antes dela houve Maria Teresa de Filippis, uma italiana de família aristocrática que se interessou pelo automobilismo no final dos anos 1940, logo após a Segunda Guerra.

Aos 22 anos, ela comprou um Fiat 500 e venceu uma corrida de 10 quilômetros entre Salerno e Cava de Tirreni, o que a deu confiança para disputar outras provas ao longo da temporada de 1954 do campeonato Italiano de carros esporte, o qual terminou em segundo lugar. Diante do potencial da moça, a Maserati a contratou como pilota da equipe de fábrica. Sim, em 1954.

Nos anos seguintes Maria Teresa disputou várias provas de subida de montanha e endurance, tendo como melhores resultados um segundo lugar no GP de Pergusa, um segundo lugar no GP de Nápoles, e um terceiro lugar nas 10 Horas de Messina.

A oportunidade de disputar a Fórmula 1, ironicamente, só aconteceu em 1958, depois que a Maserati retirou-se das competições. Maria Teresa manteve um dos carros da equipe, um Maserati 250F e foi para Mônaco, disputar a segunda etapa do Mundial de F1. Foram inscritos 31 pilotos e seus carros, e somente 16 conseguiram tempo para disputar a prova. Maria Teresa, com o tempo de 1:50 em um grid no qual o Pole Position fez 1:39, ficou fora.

Ela voltaria ao grid no GP da Bélgica daquele mesmo ano, desta vez largando da 19ª posição entre 20 carros inscritos. Ela terminou a prova em décimo lugar, sendo o último carro a terminar a prova. Entre os pilotos que abandonaram estavam Jack Brabham, Graham Hill, Masten Gregory e Stirling Moss.

Maria Teresa ainda disputaria o GP de Portugal de 1958, classificando-se na última vaga. Naquela corrida, o carro teve problemas no motor depois de apenas seis voltas, o que a impediu de continuar a prova — lembre-se que ela era uma pilota independente, sem apoio da fábrica naquela temporada. Depois, disputou o GP da Itália em Monza, largando da última posição e chegando à oitava posição na volta 57. Seu motor, contudo, novamente teve problemas e ela abandonou a corrida a apenas 13 voltas do final.

Sua última tentativa na Fórmula 1 aconteceu no GP de Mônaco de 1959, quando ela foi convidada para correr na equipe Behra-Porsche RSK, a bordo de um Porsche 718 de Fórmula 1. Sem ritmo suficiente nos treinos, ela não conseguiu se classificar.

 

Lella Lombardi

Lella Lombardi entrou em cena 15 anos mais tarde. Depois de pilotar karts e carros de turismo nos anos 1960, ela conseguiu um Brabham para disputar o GP da Grã-Bretanha de 1974. Ela não se classificou, mas chamou a atenção do conde Vittorio Zanon, que patrocinou seu ingresso na F1 no ano seguinte, quando correu pela March com o patrocínio dos cafés Lavazza, que pertenciam a Zanon. Em sua primeira prova, na África do Sul, ela se classificou na última posição, mas à frente de Wilsinho Fittipaldi e Graham Hill, que ficaram fora da prova. Ela manteve um bom ritmo de prova, mas na volta 27 uma pane no sistema de combustível do carro a tirou da corrida.

A prova seguinte foi o GP da Espanha, agora com um carro atualizado, o March 751 no lugar do 741 usado na corrida anterior. Desta vez Lella se classificou na 24º posição e conseguiu chegar à sexta posição, à frente de John Watson, Tony Brise e Clay Regazzoni, em uma prova em que apenas nove carros terminaram — foi o fatídico GP da Espanha em que o carro de Rolf Stommelen perdeu a asa traseira e bateu na barreira antes de ser arremessado contra cinco espectadores em uma segunda colisão.

Após o acidente, a corrida continuou por mais quatro voltas, mas acabou interrompida e encerrada com apenas 29 voltas completadas. Como as 29 voltas eram menos de três quartos do previsto, a pontuação foi reduzida pela metade e Lella ficou com 0,5 ponto por terminar na sexta posição — o que fez dela a primeira mulher a conquistar pontos na Fórmula 1.

Lella ainda teve um bom desempenho no GP da Alemanha em Nürburgring naquele mesmo ano, terminando na sétima posição, à frente Harald Ertl e Patrick Depailler. Ela chegou a ser confirmada pela March para a temporada de 1976, correndo ao lado de Vittorio Brambilla e Hans-Joachim Stück, e chegou a disputar o GP do Brasil daquele ano, mas, logo em seguida, a equipe a substituiu por Ronnie Peterson. Lella então foi para a RAM Racing, onde não teve muitas chances e conseguiu apenas um 12º lugar no GP da Áustria.

Depois disso, Lella se dedicou aos carros esporte, vencendo as 6 Horas de Pergusa e as 6 Horas de Vallelunga em 1979. Ela também disputou quatro edições da 24 Horas de Le Mans, e conseguiu um segundo lugar na classe GTP de 1976 a bordo de um Lancia Stratos Turbo.

 

O que aconteceu depois?

Depois de Lella Lombardi a ideia de ter uma mulher na Fórmula 1 se tornou menos distante. Ainda nos anos 1970, a britânica Divina Galica (se fala “Galitsa”) trocou as pistas de esqui olímpico pelos carros de Fórmula 1. Depois de passar pelos karts, pela Fórmula Renault e pela Fórmula Vauxhall Lotus, ela chegou à Fórmula 1 Britânica/Shellsport em 1976 a bordo de um Surtees TS16 e conseguiu resultados consistentes que lhe renderam um quarto lugar no campeonato ao fim da temporada.

Ela disputou a categoria até 1980, porém sem repetir o desempenho da temporada de estreia, embora tenha conseguido resultados mais expressivos na temporada de 1977, quando conquistou quatro pódios (dois terceiros e dois segundos lugares).

Foi durante seu tempo na F1 britânica que Galica tentou a sorte no mundial de Fórmula 1. Em 1976, ela participou da classificação do GP da Grã-Bretanha, mas ficou com o 28º tempo e não se classificou. Depois, ela tentou disputar os GP do Brasil e Argentina de 1978, mas também não conseguiu tempo para se classificar. Foram suas únicas tentativas na F1.

Em 1980 foi a vez de Desiree Wilson, uma pilota sul-africana que, desde os anos 1970 é considerada uma das mulheres mais completas do automobilismo — até hoje só ela correu na Indy, teve a Superlicença da FIA e venceu provas do Mundial de Carros Esporte (1000 Km de Monza e 6 Horas de Silverstone).

Depois de vencer o Campeonato Sul-Africano de Fórmula Ford 2000 duas vezes, ela foi para a Fórmula Ford 2000 Benelux (Bélgica, Holanda e Luxemburgo) e terminou o campeonato em terceiro três vezes seguidas. Ali ela ganhou a chance de tentar a classificação para o GP da Grã-Bretanha de 1980 com um Williams FW07, mas não conseguiu se classificar e não tentou novamente disputar uma corrida de F1.

Depois dela, a última pilota a participar de uma classificação da Fórmula 1 foi a italiana Giovanna Amati que, depois de bons resultados na Fórmula Abarth e na Fórmula 3 italiana, conseguiu um teste com a Benetton em 1991 e, em 1992, foi contratada pela já moribunda Brabham como substituta do japonês Akihiko Nakaya. Ela disputou apenas as classificações das três primeiras provas da temporada, os GP da África do Sul, do Brasil e da Argentina, mas não conseguiu se classificar e foi substituída por Damon Hill.

Desde então, nenhuma mulher disputou um GP de Fórmula 1 ou sequer um treino de classificação, embora algumas tenham pilotado durante testes e até atuado como pilotas de testes e desenvolvimento, como Susie Wolff, María de Villota e Tatiana Calderón.

Susie Wollf foi a única a participar de uma sessão de treinos de Grande Prêmio, durante o fim de semana do GP da Grã-Bretanha de 2012.