Nós meio que pagamos com a língua há alguns dias, quando ao Honda confirmou que vai importar o Honda Civic Si turbo 1.5 fabricado no México. O Brasil receberá apenas a versão cupê, que assim como o sedã é fabricada no México. Com 208 cv em seu motor downsized, o Civic Si espera encarar o Golf GTI, hot hatch já consolidado no Brasil, movido pelo brilhante 2.0 turbo TSI de pelo menos 220 cv.
O Civic Si vai precisar ter uma dinâmica muito boa para bater o Golf GTI, (afinal, números contam bastante neste segmento), mas nós não vamos entrar em detalhes e nem dar opinião agora. O que queremos dizer é que este duelo nos fez lembrar com nostalgia de uns dez anos atrás, quando o New Civic Si e seu motor K20 de 192 cv chegaram fazendo barulho e girando alto – quase 9.000 rpm — para encarar o recém-atualizado Golf GTI, que passava a render 197 cv com gasolina de alta octanagem.
Nossa nostalgia, na real, foi ainda mais longe e decidimos começar uma minissérie com as rivalidades mais marcantes da história da indústria automotiva nacional, começando pelas décadas de 1960 e 1970, depois 1980 e 1990 e, por fim, 2000 e 2010. Que tal fazer esta pequena viagem no tempo com a gente?
DKW vs. Willys
Sem dúvida alguma a primeira grande rivalidade da indústria automotiva no âmbito entusiasta foi a disputa entre DKW e Willys, representada com mais intensidade na briga entre o Puma DKW e o Willys Interlagos. Ambos estão entre os automóveis mais bonitos já fabricados em solo brasileiro, e protagonizaram duelos ferozes nos autódromos do País.
O Interlagos trazia consigo o pioneirismo: nunca antes um carro esportivo havia sido fabricado no Brasil. Feito pela Willys Overland do Brasil, o Interlagos era uma versão licenciada do francês A110. Tinha motor traseiro de um litro com carburação dupla e 70 cv e pesava no máximo 600 kg, compensando a falta de potência com leveza (na França, havia uma versão com motor 1.6 de 125 cv). Foi fabricado entre 1961 e 1966, com um total de 822 unidades.
O Puma foi um dos carros criados para rivalizar com o Interlagos, sua a história começou em 1964. Naquele ano, Genaro “Rino” Malzoni apresentou um modelo de competição feito sobre plataforma DKW, com carroceria de metal, motor dois-tempos de três cilindros e tração dianteira. O carro teve uma carreira curta, porém bem sucedida no circuito do automobilismo nacional, com cinco vitórias em 1965, sendo que a primeira foi no GP das Américas em Interlagos, na categoria protótipos. O motor 1.0 três-cilindros de dois tempos ficava na dianteira, movendo as rodas da frente, e passava dos 100 cv.
O Willys Interlagos dominou as corridas de turismo em 1963 e 1964, vencendo provas como o GP da Guanabara e os 500 Km de Interlagos, disputando contra os DKW Vemag preparados. O Puma GT fora criado justamente para tentar para-lo, e o resultado veio logo: os 500 Km da Barra da Tijuca de 1964 foram vencidos pelo cupê com motor DKW, assim como a Prova Interclubes de Interlagos de 1965. Nas Mil Milhas de 1966, em Interlagos, o Puma DKW chegou em segundo, e só não venceu por problemas mecânicos.
A rivalidade foi parar nas ruas, ainda que por pouco tempo: em 1966 e 1967 foram feitos 205 exemplares, sendo que os carros tinham motor três-cilindros de dois tempos e 50 cv e carroceria de fibra de vidro, enquanto os protótipos que corriam nas pistas tinham carroceria de metal. Tanto o Interlagos quanto o Puma são carros raríssimos e muito cobiçados hoje em dia.
Charger vs. Opala vs. Maverick
Fotos: Acervo Quatro Rodas
Nos Estados Unidos, a década de 1970 colocou fim na guerra dos muscle cars, que ficavam cada vez maiores e mais potentes. O problema foi a crise do petróleo de 1973, que fez o preço dos combustíveis disparar. No Brasil, porém, a treta estava apenas começando — especialmente porque nossos esportivos não eram muscle cars com motores de 7 litros: Chevrolet Opala, Dodge Charger e Ford Maverick comandavam a treta nas saídas de semáforo, pistas de arrancada, showrooms de concessionária e comparativos de revistas.
Lançado em novembro de 1968, o Opala foi o primeiro de todos, e também foi o primeiro Chevrolet de passeio produzido no Brasil. De início, o lendário motor seis-cilindros deslocava 3,8 litros e entregava 125 cv brutos e era um exemplo de tradição seguida a risca: construção toda em ferro fundido, comando no bloco e um carburador de corpo simples. Não demorou, porém, para que o Opala se transformasse em um dos mais desejados esportivos do Brasil: em 1970, o Opala SS (ainda como sedã de quatro portas) ganhava decoração esportiva na forma de faixas e rodas mais largas, e tinha o deslocamento ampliado de 3,8 litros para 4,1 litros graças ao curso ampliado de 82,5 mm para 89,7 mm. Com isto, a potência chegava a 140 cv brutos, com torque de 29 mkgf já a 2.400 rpm. Em 1976, uma versão com taxa de compressão mais elevada, tuchos hidráulicos e carburador duplo chegava a 171 cv brutos – o famoso seis-em-linha 250-S.
Paralelamente, as grandes rivais da GM reagiam. Em 1969, chegava o Dodge Dart, com motor V8 de 5,2 litros (318 pol³) e 198 cv brutos. Já em 1971 chegou o Dodge Charger R/T, um Dart com dianteira inspirada no Charger americano (que usava a plataforma B da Dodge, maior, enquanto o brasileiro usava a plataforma A) e motor preparado com taxa de compressão mais elevada (8,4:1 em vez de 7,5:1) para chegar aos 215 cv brutos. O que levou à famosa campanha que tirava um pelo dos carros esportivos de menos de 200 cv, em uma provocação direta ao Opala.
Além de ser o primeiro carro nacional neste nível de potência, o Dodge Charger R/T chegava aos 190 km/h de velocidade máxima, tornando-se o esportivo mais rápido do País na época.
O Ford Maverick GT foi o último a chegar: veio em 1973, como se estivesse fugindo da crise americana. Ao Brasil, chegou com um V8 de 4,95 litros (302 pol³, que a Ford arredondadava para cinco litros ) 197 cv e 39,5 mgkf de torque. Única versão com câmbio de quatro marchas e alavanca no assoalho, o Maverick GT chegava aos 100 km/h em 11 segundos.
O trio de cupês levou a rivalidade para as pistas, participando de disputas quentes em corridas de turismo, tanto na Divisão 1, para carros com modificações menos drásticas, pneus radiais e preparação mais leve; quanto na Divisão 3, que permitia grandes modificações na carroceria, preparação mais nervosa e pneus melhores, entre outras coisas. O motor 250-S da Chevrolet foi desenvolvido especialmente para homologar o carro de competição assim como o famoso Quadrijet do Maverick.
Galaxie vs. Opala sedã vs. Dodge Gran Sedan
Agora, enquanto a disputa dos muscle cars brasileiros pegava fogo, o segmento de luxo também estava muito bem representado. Na década de 1970, os carros mais confortáveis que se podia comprar eram o Ford Galaxie, que utilizava um motor bem parecido com o Maverick; o Opala sedã, que mostrava a versatilidade da plataforma da GM; e o Dodge Gran Sedan, que fazia a mesma coisa pelo modelo da Mopar.
Nosso Galaxie era baseado na terceira geração do modelo americano, lançada por lá em 1965 e produzida até 1968. Por aqui, ele foi fabricado até 1983. Até então, era comum que os automóveis feitos no Brasil fossem projetos estrangeiros, e alguns deles nem sofriam tantas alterações em relação aos que lhes deram origem.
O Galaxie de 1967 era um caso: visualmente, era idêntico ao Galaxie sedã americano em visual e mecânica. O motor era um V8 small block da família Y-Block, com deslocamento de 4,5 litros e 164 cv. Com o passar dos ele foi ganhando novas versões e motores mais potentes – primeiro, em 1969, uma versão de 4,8 litros apresentada no Galaxie LTD, com 190 cv, e logo estendida para a versão de entrada, rebatizada como Galaxie 500. Em 1976, foi a vez do luxuoso Landau, cujo nome era justificado pela capota revestida em vinil com adornos nas colunas posteriores inspirados pelas carruagens conversíveis do início do século XX. Ele tinha o mesmo V8 “canadense” de cinco litros e 199 cv (brutos) do Maverick GT.
Depois do lançamento do Opala cupê, em 1971, a Chevrolet decidiu dar ao quatro-portas o apelo mais luxuoso que o carro merecia: o Opala mais luxuoso dos anos 1970 foi o Opala Luxo, apropriadamente batizado e equipado com revestimento de qualidade superior e opção por teto revestido em vinil. Ele podia ter motor 2.5 de quatro cilindros e 94 cv, ou seis-em-linha 4.1 de 140 cv, sempre brutos.
Por fim, havia o Dodge Gran Sedan, que veio em outubro de 1971. Com pneus faixa branca, imitação de madeira no painel e revestimento de vinil no teto, volante acolchoado (incluindo o miolo) e revestimento de veludo. Os bancos traseiros pareciam sofás. Em 1974, foi um dos primeiros carros produzidos em massa no Brasil a contar com um sistema de direção hidráulica.
Chevette GP vs. Corcel GT vs. Fiat 147 Rallye vs. Passat TS vs. Dodge 1800 SE
Na segunda metade dos anos 1970, os esportivos compactos começaram a ganhar força: a preocupação com os preços dos combustíveis começou a chegar ao Brasil, e com isto os entusiastas começaram a buscar carros de apelo mais radical com motores menores e mais contidos no consumo.
Um dos frutos mais famosos desta nova fase foi o Chevrolet Chevette GP. Apresentado em 1976, tinha este nome em alusão ao Grande Prêmio do Brasil mas, à parte de um aumento na taxa de compressão, que levou a potência para 72 cv (sempre brutos), o Chevette GP estava mais para um pacote de decoração que para um modelo de fato mais empolgante… embora o visual conferido pelas faixas em preto fosco e pelas rodas com sobrearos fosse bem agradável. Por dentro, havia bancos de maior apoio e painel com conta-giros, além de um volante de menor diâmetro com três raios.
Em 1977, foi lançado o Chevette GP II, novamente para comemorar a corrida de Fórmula 1 no Brasil. Esta contava com um novo painel de instrumentos no interior, e novas rodas. Em 1978, veio a última versão do Chevette GP, já com a nova dianteira (o modelo conhecido como “bicudo”) e visual ligeiramente diferente – o “GP” agora ficava nos para-lamas traseiros, na altura das lanternas.
Um dos grandes rivais do Chevette GP era o Corcel GT, que tinha um quatro-cilindros de 1,4 litro com carburadores de maior fluxo e carburador para entregar 80 cv. Por mais que não se pudesse fazer burnouts com ele, a Ford exaltava a estabilidade da tração dianteira em trechos de baixa aderência, a robustez da suspensão e o visual inegavelmente atraente. Sua velocidade máxima na época do lançamento era de 138 km/h, enquanto o Chevette chegava aos 142 km/h, sendo ligeiramente superior neste quesito, e provavelmente o mais divertido da dupla por conta da tração traseira.
O outro esportivo pequeno dos anos 1970 com tração traseira era o Dodge 1800 SE. O pequeno fastback de duas portas era um projeto britânico vendido para a Chrysler nos anos 1970, e foi o rival da Dodge brasileira para o Chevette. O lançamento do Dodge 1800 SE foi uma tentativa de combater efeitos negativos na imagem do carro, causados por problemas de controle de qualidade. Para isto, foi equipado com um motor 1.8 de 86 cv brutos e recebeu uma interessante decoração esportiva, com faixas em preto fosco e rodas exclusiva, com face preta e sobrearos cromados.
Representando os hot hatches (onda iniciada na Europa com o Volkswagen Golf GTI de 1976), a Fiat acenava como 147 Rallye. Com motor de 1.257 cm³ (as outas versões tinham motor de 1.050 cm³) e 72 cv, o pequeno hatch de 796 kg chegava aos 100 km/h em 17,2 segundos. Não era rápido, mas graças ao entre-eixos curto e à suspensão bem acertada, conseguia ao menos divertir em uma condução mais animada.
Tração dianteira por tração dianteira, quem mandava ver mesmo era o Passat TS. As versões comuns tinham motor de 1,5 litro, denominado BR. Foi em 1976, com a chegada do TS, que o Passat adotou o motor 1.6, código BS. Com carburador de corpo duplo e taxa de compressão ligeiramente maior, . Em ambos casos o único combustível possível era a gasolina, pois ainda os carburadores alemães para motores a álcool ainda eram incompatíveis com o projeto.
O resultado foi um aumento considerável de potência: de 65 cv para 80 cv, em ambos os casos a 5.600 rpm. O torque também aumentou, de 11,5 mkgf para 13,2 mkgf, sempre a 3.600 rpm. O câmbio era manual de quatro marchas, como nos demais Passat, porém a segunda e a quarta marchas eram mais longas. Com isto, o Passat tS era capaz de chegar aos 100 km/h em 13,1 segundos, com máxima de 160 km/h.