Fazia apenas quatro meses que o Aston Martin DB4 havia chegado às ruas quando John Wyer decidiu transformá-lo em um carro de corridas para a temporada de 1959, que estava prestes a começar. Na época a Aston não tinha nenhum modelo para competir nas classes GT e concentrava seus esforços de competição somente nos carros esporte (protótipos) como o DBR1.
O DB4 original por si já era um excelente GT. Equipado com um seis-em-linha todo feito de alumínio de 3,7 litros, comando duplo no cabeçote e um carburador Skinner-Union de corpo duplo, ele produzia 240 cv e chegava aos 225 km/h depois de acelerar de zero a 100 km/h em 9,5 segundos. Mas Wyer tinha a receita pronta para transformá-lo em um vencedor.
Primeiro eles cortaram 13 cm do entre-eixos. Cortaram mesmo: a carroceria foi removida e o chassi foi literalmente serrado logo atrás dos bancos dianteiros. Com o naco de quase um palmo retirado do chassi, eles juntaram as duas metades com uma tala de junção (daquelas que se usa para juntar trilhos de trem) e estava pronto o chassi do carro.
Obviamente não se arranca 13 cm do chassi de um carro gratuitamente: a carroceria teve que ser refeita. Mas isso também fazia parte da receita: a carroceria de portas mais curtas usou chapas de alumínio de bitola 18 (1,02 mm de espessura) para reduzir o peso em 85 kg, chegando a 1.200 kg. Além disso, ela foi remodelada para integrar os faróis (que eram instalados em uma cavidade coberta por uma bolha plástica) e para adicionar dutos de arrefecimento para os freios e para o radiador de óleo na parte inferior da dianteira. Sem espaço para bancos na traseira do carro, o bagageiro foi transferido para o interior do carro e o porta-malas passou a acomodar somente o tanque de 120 litros e o estepe logo acima dele.
O motor também passou por modificações a pedido de Wyer: o cabeçote original foi substituído por outro com duas velas por cilindro (o que exigiu um distribuidor adicional). A taxa de compressão aumentou para 9:1, as válvulas foram aumentadas e o comando de válvulas modificado por um par com maior cruzamento e levante. O carburador SU original deu lugar a três carburadores Weber DCOE de 45 mm e, com tudo isso, a potência subiu para 306 cv. Com o novo câmbio mais curto (com engrenagens de dentes retos) e a embreagem de platô duplo, o tempo de aceleração de zero a 100 km/h caiu para 6,1 segundos e a velocidade máxima aumentou para excelentes 243 km/h. A receita foi completada pelas rodas Borrani raiadas, feitas de liga leve, e os freios passaram a usar discos da Girling.
O carro ficou pronto em setembro de 1959, exatamente 12 meses depois do lançamento do DB4. Sua corrida inaugural, contudo, só aconteceu em 1960, quando Stirling Moss o pilotou no Fordwater Trophy em Silverstone, e venceu a prova. A partir dali, a Aston construiu outros 74 DB4 GT até 1963 — incluindo os 19 exemplares que foram convertidos em GT Zagato — mas somente sete usaram a carroceria ultra-leve de alumínio 18.
Agora, 60 anos mais tarde, a Aston Martin decidiu completar a marca de 100 exemplares, construindo mais 25 DB4 GT Continuation. Como seu nome sugere, serão a continuação da produção antiga, que retomará a numeração a partir do número de série do 75º DB4 GT de 1963, 0202R. Eles serão até mesmo produzidos na mesma fábrica do modelo original, em Newport Pagnell, onde hoje atua o braço histórico da Aston Martin, mas eles terão algumas diferenças.
O motor terá seis cilindros e eles continuam enfileirados. O bloco será de alumínio assim como o cabeçote com duas velas por cilindro, porém o deslocamento do motor será 4,2 litros em vez dos 3,7 do modelo original. Com isso a potência sobe para 350 cv a 6.000 rpm. Os bancos também serão diferentes, usando modelos modernos com encosto de cabeça, enquanto os originais usavam o mesmo banco do Aston DBR1. Tirando isso, todas as partes do modelo novo são intercambiáveis com as do modelo antigo.
E como é dirigir um carro de 1959 produzido em 2017? Bem… Henry Catchpole responde esta pergunta com um vídeo de seu canal Carfection:
Se seu inglês está enferrujado, aqui vai um resumo: o carro é extremamente preciso no apontar para as curvas devido ao uso de buchas sólidas na suspensão, o que faz o carro se apoiar mais nos flancos dos pneus, em vez de dissipar a transferência de peso na deformação das buchas. O eixo traseiro rígido torna o carro um pouco solto na traseira, o que também é desejável para contornar as curvas em velocidade de forma equilibrada e permite que você aponte o carro com a aceleração.
Nas curvas mais fechadas o peso do motor dianteiro (ainda que de alumínio), tende a puxar a frente para fora em um sub-esterço mínimo. Nas curvas de alta em terceira marcha é onde ele mostra seu melhor, montando sobre os flancos e contornando o traçado perfeitamente equilibrado.
Catchpole avisa sutilmente que você não deve avaliar este carro com base em seus números de desempenho. Os seis segundos necessários para chegar aos 100 km/h e a velocidade máxima pouco acima dos 250 km/h são facilmente obtidos por hot hatches modernos, porém “o teatro necessário para obter estes números é muito mais dramático”. E é somente quando você chega a esse nível de desempenho, trabalhando com a aderência lateral dos pneus clássicos, que o DB4 GT começa a recompensar o motorista.
E essa recompensa vem na forma das sensações que o carro transmite: os flancos altos e a suspensão comunicam cada detalhe da superfície da pista ao piloto. A sensação de flutuação típica desta configuração clássica que exige trabalho duro. E ainda há a sensação de se estar no cockpit de uma aeronave antiga, com todos aqueles mostradores exibindo tudo o que acontece com o carro durante sua volta, além de uma outra sensação que Catchpole menciona, mas não pode transmitir plenamente: o aroma de combustível misturado ao perfume do couro Connolly que invade a cabine.
Como você já deve estar imaginando, esse nível de refinamento e diversão é algo acessível a poucos milionários. Como as boas bebidas, a boa comida, os melhores instrumentos musicais e máquinas, você pode conseguir resultados semelhantes em algo mais barato. Mas o verdadeiro prazer não é o resultado, e sim o processo. Um processo que começa na faixa de £ 1,5 milhão. Parece muito, e é mesmo. Mas é metade do preço de um Aston Martin DB4 GT original. Não é a toa que todos os 25 exemplares já estão vendidos.