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Pensatas

Até quando a fórmula da Lamborghini vai resistir?

Você deve ter visto nesta semana que a Lamborghini lançou o sucessor do Aventador, o Revuelto, anunciado por muita gente como o “primeiro híbrido” da Lamborghini. Quem acompanhou as novidades da marca nos últimos anos sabe que antes dele houve outro modelo produzido em série (limitada, eu sei) com o motor V12 combinado a um motor elétrico.

Era o Lamborghini Sián — lembra dele? Não foi um lançamento que emocionou muita gente porque, no fim das contas, ele foi mais um dos seis modelos derivados do Aventador que, na prática, eram um Aventador com uma cara modificada. O Sián tinha a mesma forma de cunha, não muito distante do Aventador (e do Revuelto, como vimos agora), e tinha o V12 combinado a um motor de 48 volts ensanduichado entre ele e a transmissão automatizada de sete marchas.

Esse é o Sián, não o Revuelto

O que muda para o Revuelto? A tração integral nele é provida por um eixo dianteiro elétrico em vez de uma conexão mecânica. Mas a essência já estava presente no Sián em setembro de 2009.

A Lamborghini, aliás, precisa tomar cuidado com esta banalização de modelos especiais derivados dos seus supercarros. Nos últimos 10 anos vimos o Centenario, o S18 Alston, o Sián, o Essenza SCV12, o Countach, o Invencible e o Autentica — todos derivados do Aventador, com o mesmo estilo de design. O que diferencia todos estes do Revuelto? O powertrain? Só isso?

A Lamborghini pode fazer mais e deve fazer mais. Foi ela a primeira fabricante que teve colhões e colocou no mercado um carro em forma de cunha, enquanto todo mundo ficava naquele lenga-lenga de conceitos em série. A Lamborghini foi lá, desenvolveu o carro, fabricou ele em série, quase faliu, e entrou para a história dos supercarros por ter feito o Countach.

Como o Countach salvou a Lamborghini com uma asa em V e para-lamas alargados

Ela só existe até hoje por causa dessa ousadia, mas parece que eles perderam essa ousadia em algum momento, pois tudo o que eles fizeram nos últimos 10 anos foi colocar fantasia no Gallardo e no Aventador. A Bugatti faz isso com o Chiron — e faz de um jeito bem mais interessante. Parece que ela está presa no Countach até hoje, exatamente meio século depois do lançamento daquele carro.

Um Countach na rua nos anos 1970

O pior da história é que a Lamborghini não tem uma tradição a seguir como a Ferrari — que já se rendeu ao modernismo e fez um crossover GT, algo impensável há alguns anos. Ela nasceu como uma fabricante de tratores que decidiu entrar em outro segmento. Fez um GT, depois fez um cupê de luxo, depois um esportivo de motor-central traseiro. Depois outro, depois um targa, depois um esportivo em forma de cunha, um SUV raiz, depois um supercarro de família.

Ela tem um monte de antecedentes históricos para justificar qualquer loucura. Mas não… ela vai lá e refaz um Countach com a tecnologia e a moda do momento e chama de “novo”. Até mesmo o Urus, é uma adaptação caricata do seu formato de cunha a um SUV — o mesmo erro que a Porsche cometeu com o primeiro Cayenne e que, mais tarde, foi reparando ao encontrar uma identidade própria para o carro, mais ligada aos seus GT do que ao 911.

Um bom exemplo de adaptação bem feita foi o verdadeiro primeiro híbrido da Lamborghini, aquele que quase foi, mas acabou não sendo, o Asterion. Veja a silhueta dele:

Esse carro, por incrível que pareça, é baseado no Huracán. Aquele Huracán em forma de cunha, deu origem a um GT de motor traseiro com raízes estéticas na linhagem do Urraco (Silhouette/Jalpa).

Não precisa ser um Hot Wheels 1:1 de outro Lamborghini. Ele pode ter personalidade própria — e o grupo VW sabe bem disso, porque ela fez o Bentley Flying Spur e o Volkswagen Phaeton. Fez o Golf e o Scirocco e o Fusca na mesma plataforma. Ou seja: ela sabe como fazer carros diferentes usando uma mesma arquitetura/base mecânica.

Prova disso é outro conceito da Lamborghini que, como o Asterion, foi engavetado em favor do Urus: o Estoque. É um sedã ridiculamente sedutor. Bonito para (fitas) cassette. Um sucessor espiritual do Islero, com o “alvará” dos quatro lugares fornecido por ele, pelo Jarama e pelo Espada — todos com motor dianteiro e quatro lugares. Estes dois últimos derivados de um dos conceitos mais memoráveis da história, o Lamborghini Marzal, que foi uma espécie de “carro-madrinha” do GP de Mônaco de 1967.

Lamborghini Islero
Lamborghini Islero

Agora olhe bem para ele e diga se ele parece baseado no Audi A7. Porque é desse jeito que a Lamborghini pretendia viabilizar esse super-sedã. A Lamborghini já deixou claro que sabe fazer carros diferentes, que sabe adaptar seu estilo de forma harmônica e elegante às variadas plataformas do Grupo Volkswagen, mas parece preferir ficar presa às caricaturas de si mesma.

Quando a Porsche lançou o Cayenne, ela inaugurou a era do fim como justificativa dos meios: se é para termos 911 e Cayman e Boxster e Panamera e Taycan, aceitamos um SUV da Porsche. E o SUV acabou ficando legal — especialmente quando veio o segundo deles, o compacto Macan.

Lamborghini Marzal

Quando a Lamborghini fez o Urus e atingiu faturamento recorde no ano seguinte ao seu lançamento, esperávamos coisas novas. Coisas como o Asterion, o Estoque, até mesmo o Egoista. Mas até agora tudo o que estamos vendo é mais do mesmo. Não sei se a Lamborghini considera o Countach o seu 911, e pretende evoluir o carro para sempre, mantendo a mesma silhueta. O que eu sei é que ela não precisa — e talvez nem devesse — fazer isso.

Até quando a fórmula vai resistir?


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