Em 1973 a Mercedes já era a fornecedora de limusines preferida dos ditadores africanos, a BMW já era reconhecida como uma fabricante com pegada esportiva, mas a Audi ainda era uma marca em processo de consolidação. Criada em 1965 por uma fusão entre a NSU e a Auto Union, a Audi tinha o sedã grande 100 e a recém-lançada família 80, que compartilhava a base mecânica com o Passat de primeira geração.
Foi nesse contexto que a marca se uniu à Karmann e à Italdesign de Giorgetto Giugiaro para desenvolver um conceito esportivo em forma de cunha que seria apresentado no Salão de Frankfurt daquele ano. A ideia era mostrar a Audi como uma marca arrojada e, quem sabe, produzir aquele esportivo – caso o público reagisse bem ao modelo.
Usando como base o Audi 80, Giugiaro projetou uma carroceria com o estilo “papel dobrado” que se tornaria sua marca registrada nos anos 1970 e 1980, influenciado pelos conceitos Maserati Boomerang e Alfa Romeo Caimano. Não havia nada que o relacionasse à Audi além dos faróis circulares e das quatro argolas na grade. Nem mesmo seu nome parecia com a série numérica da Audi: Asso de Picche, ou “ás de espadas” em italiano.
O modelo foi projetado para usar os motores EA827 com o câmbio de quatro marchas do Audi 80, mas nenhuma das três empresas jamais divulgou o deslocamento do motor (1.3 ou 1.5 eram os disponíveis na épocas). Na verdade, até hoje não se sabe se o conceito era funcional.
Por dentro ele tinha a configuração 2+2, quadro de instrumentos e console cilíndricos, bancos de couro, e paineis de porta com bolsos de couro e uma cinta como puxador. O volante tinha dois raios formando uma linha diametral contínua.
A Audi aprovou o resultado e o carro foi bem recebido no Salão de Frankfurt, mas a Audi optou por não colocá-lo em produção pois precisava de um modelo de grande volume para consolidar-se no mercado antes de lançar um esportivo caro e de baixo volume.
A marca então concentrou seus recursos no desenvolvimento de um modelo compacto que seria seu novo modelo de entrada, o Audi 50. Dois anos depois veio a segunda geração do Audi 100 e assim a ideia de um modelo esportivo da marca foi ficando cada vez mais distante — eles voltariam a tentar no início dos anos 1990 com o Quattro Spyder.
Felizmente um design não precisa ser guardado em um depósito junto com o carro conceito que o materializou. Na verdade, o Asso de Picche já foi um conceito derivado de outro: o Lotus Esprit M70, de 1970. Suas linhas ainda inspiraram o Volkswagen Scirocco e o Lancia Delta.
Além disso, o Asso de Picche foi somente a primeira tentativa de colocar seu conceito em produção. Em 1976 a Italdesign e a Karmann se uniram à BMW para criar o Asso di Quadri (“ás de ouros” em italiano).
A base mecânica foi o então recém-lançado rival do Audi 80, o BMW 320i E21. Este era um conceito funcional com o motor M10 carburado de dois litros e 110 cv com o câmbio manual de cinco marchas ligado ao eixo traseiro.
O carro foi apresentado no Salão de Turim de 1976, agradou o público e estava pronto para ser produzido, mas a BMW desistiu da ideia pelo mesmo motivo da Audi: concentrar seus recursos no desenvolvimento de um modelo de maior volume que um esportivo. Só que em vez de um modelo de entrada, os bávaros estavam desenvolvendo um rival para a Classe S da Mercedes, o Série 7 E23.
O projeto ficou sobre a mesa de Giugiaro até 1979, quando a Isuzu chamou a Italdesign para criar um substituto para o 117 Coupé, que já havia sido projetado pelo italiano. A Isuzu entregou um Gemini 1800 (a versão japonesa do nosso Chevette, com motor de 1,8 litro) e deu à casa de design carta branca para projetar o que quisessem sobre aquela base mecânica.
Giugiaro então atualizou o conceito do Asso di Quadri e criou o último modelo de sua trinca de ases: o Asso di Fiori (“ás de paus” em italiano). O carro era basicamente o Asso di Fiori com uma dianteira diferente e linhas mais contemporâneas, mais adequadas para os anos 1980 que começariam dali a alguns meses.
O Asso di Fiori foi apresentado no Salão de Genebra de 1979 e foi um sucesso de público. Mas desta vez, a Isuzu não tinha nenhum plano que pudesse interferir na produção do conceito — pelo contrário: ele era justamente o que eles queriam. Em setembro de 1980 os japoneses iniciaram a produção do Piazza em Fujisawa, com duas opções de motor 2.0: uma com comando simples no cabeçote, 120 cv e 16,5 kgfm, e outra com comando duplo no cabeçote, 135 cv e 16,9 kgfm.
E foi assim que, em sua última cartada, a Italdesign transformou um Audi esportivo em um hatch japonês derivado do Chevette.