Ao decidir que a 11ª geração do Civic se resumiria em um híbrido de R$ 245 mil e um Type-R que deve chegar próximo ao dobro disso, na prática, a Honda do Brasil decidiu virar as costas para o Corolla e para o segmento onde sempre competiu, abandonando uma rivalidade de três décadas em nosso país. Não que ela tenha feito isso sozinha, visto que a VW decidiu manter apenas a versão esportiva GLi do Jetta e os SUVs, crescendo como os fungos cordyceps, silenciosamente tomaram, controlaram e mataram as categorias de minivans, peruas, hatches médios e ocuparam boa parte do que as marcas ofereciam entre os sedãs médios de até R$ 200 mil. Antes de culpar as fabricantes, a resposta está no espelho: trata-se de preferência não apenas nacional, mas mundial – exceto alguns países da Europa, como a Alemanha, onde as peruas ainda possuem muita força.
Mas veja só. O segmento dos sedãs médios ainda respira e este carro que vocês estão vendo é a mais nova adição ao mercado. Eis a oitava geração, o Novo Nissan Sentra. O nome Sentra existe desde 1982 e está entre nós desde 2004 (quinta geração). Mas muita coisa mudou no mercado e, no contexto em que ele entra hoje, estamos falando de uma briga solitária com as versões aspiradas do Toyota Corolla. As outras opções entre os sedãs médios entre R$ 140 e R$ 180 mil possuem volume de vendas simbólico: Chevrolet Cruze emplacou 49 unidades em fevereiro e o Chery CAOA Arrizo 6, 47 unidades. Já o Corolla teve esmagadores 2.847 emplacamentos, no mês que foi o pior dos últimos 17 anos na indústria automotiva. Como referência, o líder dos SUVs médios Compass emplacou 4.430 unidades.
Será que o Sentra tem qualidades para não somente tirar uma fatia significativa de compradores de Corolla, mas também resgatar um pouco do comprador apaixonado por SUVs compactos premium, que encantam o público mesmo com aerodinâmica pior, centro de gravidade mais alto e uma margem mais gorda por parte das marcas?
Veremos nesta avaliação – e já adianto: amanhã teremos uma outra matéria com um comparativo direto com o Corolla 2.0 Dynamic Force (aspirado), onde estressaremos cada versão e os detalhes técnicos de cada veículo.
Novo Nissan Sentra: sempre motor 2.0 16V aspirado e câmbio CVT
O Nissan Sentra de oitava geração foi apresentado em maio de 2019 no Salão de Xangai e, no fim do mesmo ano, no Salão de Los Angeles. Então não estamos falando de uma novidade em âmbito global, tanto que na China, o veículo acabou de sofrer um facelift. Da mesma forma que todas as gerações que foram vendidas por aqui, o nosso Sentra é produzido na planta mexicana de Aguascalientes – país com o qual não há restrições de cotas com isenções de impostos, o que favorece a marca no caso de uma demanda mais elevada.
Sob o capô, há apenas uma opção para as duas versões de lançamento Advance (R$ 148.490) e Exclusive (R$ 171.590). Estamos falando do 2.0 16V MR20DD de 151 cv a 6.000 rpm e 20 kgfm de torque a 4.000 rpm, funcionamento parcial em ciclo Atkinson, injeção direta, comando de variação contínua de fase na admissão e escape e cilindros com o mesmo acabamento Mirror Bore Coating que é usado no Nissan GT-R. Em vez de uma camisa de aço no bloco de alumínio, há a aplicação de aço pulverizado por meio de plasma, em uma camada de aproximadamente 0,2 mm – quase dez vezes mais fino que uma camisa convencional, ajudando na troca de calor, o que reduz as possibilidades de pré-detonação.
O câmbio é sempre o automático CVT8 desenvolvido pela Jatco, empresa pertencente à Nissan (sócia-majoritária com 75% das ações), Mitsubishi e Suzuki. O Canadá é o único país do mundo onde há a opção de Sentra manual.
No combustível, há um pênalti importante: somente a gasolina. Aparentemente, a Nissan optou em não realizar o desenvolvimento flex por uma questão de volume de vendas versus custo de R&D, mas em um momento de impostos crescentes sendo aplicados com maior rigor na gasolina, o monocombustível tira uma opção do consumidor. Em tese, isso teria uma contrapartida positiva de um melhor consumo, mas os números são moderados: na etiquetagem do Inmetro, são 11 km/l em ciclo urbano e 13,9 km/l em ciclo rodoviário. Zero a 100 km/h declarado em 9,4 s.
O que mudou nas dimensões e plataforma do Novo Sentra
O Novo Sentra aposentou a antiga plataforma V, mesma do March, para empregar a sofisticada variante C/D da plataforma Renault-Nissan CMF, que atende às últimas gerações do Renault Espace, Mégane e Mitsubishi Outlander, dentre outros. Infelizmente, o grupo dispõe poucas informações estruturais, embora seja sabido do básico: mais aços de alta e ultra alta resistência, maior rigidez à torção por evoluções nas técnicas de soldagem a laser e aplicação de adesivo estrutural, etc.
Em dimensões, temos a seguinte situação quando comparamos a novidade com o Sentra de sétima geração:
Comprimento: 4,64 m (+10 mm).
Entre-eixos: 2,71 m (+7 mm).
Largura: 1,81 m (+55 mm).
Altura: 1,45 m (49 mm mais baixo).
Em resumo, o Sentra ficou mais baixo e largo em relação ao seu antecessor, com um pequeno ganho de entre-eixos que se refletiu no espaço traseiro.
No arranjo de suspensão, o Nissan segue com o arranjo McPherson na dianteira, mas na traseira incorporou o sistema multibraços no lugar do antigo eixo de torção da geração anterior, conferindo mais conforto e complacência ao piso ao circular em chão acidentado. Como curiosidade, o Sentra vendido na China (Sylphy) ainda mantém o sistema de eixo de torção, além de empregar o motor 1.6.
A cara do Novo Sentra: se o Versa não existisse…
Esta é a geração mais esportiva e arrojada já feita do Sentra. Embora gosto seja algo pessoal, é inegável que o veículo ganhou percepção de valor. Com exceção da grade estilo bocarra, dá para ver até algumas coisas ao estilo do Civic Si de 9ª geração (o famoso e raro 2.4) aqui: linha de capô baixa, faróis afilados, capô vincado que se conecta com as linhas dos espelhos e suporte dos faróis de neblina até esportivos demais para a proposta do veículo.
Na visão lateral, temos um arranjo mais tradicional, com vinco da linha de cintura suave, apenas quebrado por uma linha ascendente na porção inferior, que tem o objetivo de deixar a silhueta mais esguia. Com o mesmo propósito, temos um friso na coluna C, que é casado ao teto na cor preta na versão topo de linha Exclusive.
A traseira do Novo Sentra tem forte influência do Altima, com um desenho de lanterna traseira estilo bumerangue que bebe bastante da água do Mercedes-Benz CLA. Achei um pouco estranha a decisão de pintar o difusor aerodinâmico com a cor do veículo em vez de prata ou preto, mas isso não depõe contra a figura geral: o Sentra ficou elegante e esportivo, ganhando um fator de conquista emocional importante na decisão de compra.
Duas críticas. Primeiro, a paleta de cores monocromática que a Nissan do Brasil escolheu: branco, prata, cinza e preto, quando lá fora, existem tons como laranja metálico e azul marinho. A marca não pode ser tão tímida em um lançamento desta relevância: mesmo que em um lote limitado de lançamento, era necessário ser arrojado para se destacar.
Segunda crítica: Family Face é algo que as marcas valorizam muito, mas não necessariamente este valor é repassado ao cliente. A semelhança de design com o Versa (foto acima) joga contra, de forma que, se pudéssemos aplicar o Neuralyzer do filme MIB em você, provavelmente sua opinião sobre o Sentra seria melhor sem a sensação de deja-vu.
Novo Sentra: versões e preços
Há algumas semanas, os preços do Sentra tinham vazado – mas aqui cabem duas observações. Primeiro, os valores vazados (Advance R$ 153.590 e Exclusive R$ 179.890) eram maiores do que os que foram apresentados oficialmente, o que não necessariamente invalida as informações: talvez sejam os preços pós fase de lançamento. E segundo, constava uma versão de entrada Sense (R$ 143.490) que não foi apresentada: será que ela vem depois? A única certeza que tenho é que, sem a Sense, brigar com o Corolla GLi (R$ 146.890) fica bem mais difícil.
Eis os preços oficiais e equipamentos:
Nissan Sentra Advance (R$ 148.490): seis air bags, painel digital de 7”, central de infotainment de 8” com conexão Apple Car Play e Android Auto e sistema de som com seis falantes, rodas R17, faróis e DRL em LED, ar digital dual zone, aletas para trocas de marcha, banco do motorista com regulagem elétrica, aquecimento nos bancos dianteiros, frenagem emergencial semi-autônoma, sensores de estacionamento na dianteira e traseira, câmera de ré.
Nissan Sentra Exclusive (R$ 171.590): acrescenta teto solar, sistema de áudio Bose com oito alto-falantes, retrovisor interno eletrocrômico, faróis altos adaptativos, controle de velocidade de cruzeiro adaptativo, alerta de tráfego cruzado traseiro, alerta de ponto cego, sistema de alerta de mudança involuntária de faixa, câmeras 360.
Na Exclusive, você pode optar por uma versão com interior “Premium”, no qual o couro sintético muda para o tom caramelo e há um padrão de costura em formato diamante, por R$ 1.700 adicionais. É o carro que avaliamos. Na foto acima, você vê como é a cabine sem este opcional.
O interior do Novo Nissan Sentra
Tradicionalmente, há uma certa simplicidade de formas e materiais na cabine dos veículos da Nissan. Mas no Sentra, o pessoal de Color & Trim parece ter conseguido impor as suas vontades: aqui, ele passa a brigar em pé de igualdade com o Corolla.
A cabine foi para um conceito mais esportivo, o que é coerente com a proposta de design externo. Isso se apresenta em detalhes como a textura de fibra de carbono presente na moldura do cluster, dos porta-copos e suporte dos botões das janelas, no volante de base chata e no trio de saídas de ar circulares ao estilo Mercedes Classe C W205 (a geração anterior). A Nissan diz, de forma otimista, que a inspiração veio do GT-R, que nunca teve um trio de saídas de ar estilo turbina no centro, mas sim, retangulares.
Os materiais são muito bons. O couro sintético reveste uma série de elementos como os painéis de porta, laterais do console e face do painel, e há um couro de ótima qualidade revestindo o volante – e as poucas superfícies de plástico expostas tendem a ser emborrachadas, caso da porção superior da porta. Tudo isso deixou a cabine aconchegante e agradável ao toque.
O painel de instrumentos combinando mostradores analógicos e uma tela TFT de 7” ao centro também agrega valor. E a ergonomia dos comandos está muito bem resolvida: na porção inferior do console central estão os comandos do ar digital dual zone e a parte de infotainment está isolada no topo, apresentando uma série de botões físicos, incluindo controles da câmera (traseira na Advance, sistema 360 com quatro câmeras na Exclusive). O multimídia em si não merece destaque: requer cabo para conexão, a tela não é das maiores (8 polegadas) e a usabilidade é um pouco confusa. Já o sistema de som da Bose com oito falantes é um diferencial bacana. Não é um sistema para audiófilos, mas está claramente acima da entrega padrão do segmento.
A cabine não está isenta de mancadas: o assento do banco é curto, algo que beira o inaceitável para um veículo desta categoria e que é comercializado nos EUA, país onde tradicionalmente a população é alta. E o sistema de freio de estacionamento no pé (estilo Corolla Cross) nos traz de volta ao tempo das picapes.
O espaço traseiro é excelente para os joelhos. Na foto, o banco dianteiro está ajustado para mim (1,82 m). Gostei bastante do ângulo do encosto também: é um veículo que deve ser bastante agradável para viagens longas, com o destaque de que, no Sentra, a Nissan aplicou o sistema Zero Gravity (espumas e suportes desenvolvidos em base de um estudo da NASA) também no banco traseiro. Mas não dá pra entrar em órbita ali atrás: o espaço para a cabeça é limitado exatamente como no Corolla, consequência do design com linha de teto mais baixa e com caimento estilo coupé. Diria que atende bem adultos com até 1,84 m. Por fim, para a categoria na qual compete, o Sentra deveria oferecer saídas de ventilação para os passageiros de trás.
No porta-malas, temos 466 litros – menos que os 503 litros do Sentra antigo e um empate técnico com os 470 litros do Corolla. O acesso é bom e o espaço apresenta bom acabamento, exceto os cabos pendurados no pescoço de ganso, sem acabamento.
Como anda o Novo Sentra?
Uma das coisas que mais me chamou a atenção foi o silêncio a bordo. Tanto na cidade quanto na estrada, o isolamento acústico é digno de veículos bem mais caros: há uma combinação bastante feliz de materiais fonoabsorventes, uma plataforma rígida e aerodinâmica razoavelmente boa (Cx 0,30 – ideal seria algo na casa de 0,28 ou menos). O silêncio só é interrompido em situações de carga plena no acelerador (WOT), quando o câmbio CVT tende a manter o motor em alta rotação (ao menos, não fica travado no giro de rotação máxima como costumava ser nos antigos Nissan), simulando algo entre um câmbio automático (inclusive realizando trocas emuladas) e o CVT. Mas é um bom câmbio, com lock-up precoce e boa antecipação de demanda de carga – não é preciso fazer um kick down vigoroso para telegrafar ao sistema que você quer mais torque.
A 100 km/h, a transmissão faz o motor trabalhar a silenciosos 1.500 rpm e, a 120 km/h, 2.000 rpm. Bastante confortável em ruído de motor. Mas como a potência e o torque não são tão elevados, não é incomum você requerer mais de pedal em subidas mais exigentes, levando o CVT a jogar a rotação para a faixa de torque máximo de 4.000 rpm.
Consegui uma posição de direção muito boa e, mesmo com a ressalva do assento um pouco curto, o fato é que realizamos uma viagem de 3 horas, mais uma hora e meia de trânsito intenso na capital, sem fadiga nas costas ou nos quadris. E o capricho nos materiais faz uma diferença na sensação de bem-estar a bordo.
O desempenho não impressiona: 151 cavalos é uma potência digna de um 2.0 do começo dos anos 2000 e isso é uma consequência natural do ciclo parcial Atkinson com o qual este motor funciona. Em um veículo de 1.405 kg como o caso, não espere por retomadas vigorosas, até porque os 20 kgfm de torque surgem a 4.000 rpm. Mas o veículo flui bem, graças ao bom trabalho realizado pela transmissão.
No ciclo Atkinson, no início do ciclo de combustão, quando os pistões estão começando a subir, as válvulas de admissão ainda permanecem ligeiramente abertas, reduzindo a perda por bombeamento – o que aumenta a eficiência energética do motor, ao custo da eficiência volumétrica (cavalos por litro, grosso modo). Mas em troca, esperava números de consumo melhores do que os 11 km/l urbano e 13,9 km/l rodoviário, ainda mais neste contexto de ser um veículo somente a gasolina. Em defesa, posso dizer que as médias são bem realistas e não é necessário usar um pé de pluma para atingi-las.
Um ponto negativo na versão topo de linha Exclusive é a limitação do controle de velocidade de cruzeiro adaptativo: ele desarma abaixo de 32 km/h e não há sistema stop-and-go, limitando o seu uso em trânsito urbano. E um ponto positivo dela é o sistema de quatro câmeras, que permite uma visão 360 vista de cima em manobras – muito útil para balizas e locais apertados, como garagens de prédios. Ainda que a resolução das câmeras pudesse ser melhor…
Infelizmente não consegui avaliar a dinâmica do Novo Sentra nas condições do test-drive, com uma rota que envolvia basicamente as marginais de São Paulo e a Rodovia dos Bandeirantes e Anhanguera até Nova Odessa. Foi um trecho quase sem piso acidentado e sem trechos sinuosos. Tive a impressão de ser um veículo macio e com boa absorção e complacência do piso. Como a plataforma CMF para veículos médios é muito boa (estrutura o Mégane atual), tendo a acreditar que é um veículo bastante competente dinamicamente. Mas não posso afirmar sem ter tido a experiência.
Agora, algo que dá para cravar com força é o quão superiores os sedãs são em rodovia em relação aos SUVs. Com o centro de gravidade mais baixo, você não fica “flutuando” nas ondulações das retas ou durante as curvas: por mais sofisticados que tenham ficado os SUVs, não dá para dar um nó na física. O ruído aerodinâmico é muito menor, não só pela diferença de altura e de área frontal, mas também pelo caimento do teto e terminação da carroceria com um terceiro volume, algo que gera muito menos turbulência.
Conclusão
Com gigantescas melhorias na plataforma, design externo, acabamento interno e tecnologias, a oitava geração do Sentra ficou um produto muito mais sério. Desejo é um componente fundamental na decisão de compra e o Nissan melhorou muito neste fator em relação à geração anterior. Pena que ele está chegando em uma festa que está começando a esvaziar – os sedãs médios são somente mais um segmento que está sendo engolido pelo domínio dos SUVs.
Mas para representar uma ameaça maior ao Corolla 2.0 aspirado, fiquei com a impressão de que a Nissan precisava de, além de um motor que entregasse mais, também mais arrojo: trazer as cores diferenciadas mesmo que de forma limitada, trazer uma versão de entrada para partir em uma briga de facas com o Corolla GLi e mesmo nas demais versões oferecer precificação mais agressiva, ao menos 5% abaixo do anunciado. Algo que deixasse a escolha pelo Sentra mais tentadora e com menos reflexão do comprador – foi o que a Peugeot fez com o 208.
Da forma como o veículo foi precificado, a Nissan posicionou o Sentra em paridade técnica com o Corolla, obtendo vantagens aqui e desvantagens ali de acordo com os equipamentos em cada versão. Só que o Toyota vende dez vezes mais que o segundo colocado Cruze: chegar com a pretensão de igualdade competitiva me parece uma estratégia bem mais arriscada do que subsidiar parte do ganho de market share, para aproveitar essa presença maior depois, com outros veículos e mesmo versões do Sentra. Ainda assim, acredito que o fator novidade e os predicados de qualidade percebida e design devem fazer o Nissan comer uma fatia da Toyota sim.
Amanhã trarei um comparativo entre cada versão do Sentra e Corolla. Também irei comparar alguns detalhes técnicos, para que vocês tirem suas próprias conclusões!