Imagine uma empresa supostamente fundada por funcionários da NASA para criar um mercado consumidor para a tecnologia de propulsão a jato. Essa era, supostamente, a origem da Turbonique, uma empresa que colocava motores a jato em praticamente tudo o que aparecesse pela frente.
Seu fundador, Eugene “Gene” Middlebrooks, nascido em 1931, era engenheiro formado no famoso Instituto de Tecnologia da Geórgia, onde estudou engenharia mecânica. Depois de graduado, Middlebrooks trabalhou para a companhia aeroespacial Martin Marietta, onde ajudou a desenvolver aeronaves, motores e mísseis.
A experiência com propulsão a turbina o levou a fundar a Turbonique, especializada em motores a jato para uso automotivo – especialmente as corridas de arrancada, seu principal mercado. O próprio Middlebrooks desenvolveu os motores, que eram fabricados em Orlando e vendidos pelo correio.
Normalmente, por meio de cupons em revistas. Os clientes os recortavam, escolhiam o produto que queriam e recebiam em casa. A linha da Turbonique deixaria Willy Coyote eufórico e a Acme preocupada com a concorrência: eles colocavam motores a jato em praticamente tudo o que fosse possível. Lembra dos patins a jato que o Coyote usa para tentar alcançar o Papa-Léguas? Pois você poderia fazer um desses com o catálogo da Turbonique.
Mas afinal, que produtos eram estes? Pois bem: a linha da Turbonique era composta por motores a turbina, compressores mecânicos também movidos a turbina, e turbocompressores tradicionais. Os motores eram leves e compactos, e queimavam um combustível próprio chamado Thermolene – que era nada menos que nitrato de isopropila, uma substância branca como o leite e altamente volátil, que era tóxica quando inalada.
O detalhe é que o nitrato de isopropila é um combustível monopropelente. Isto significa que, ao contrário da gasolina, por exemplo, ele não precisa do oxigênio da atmosfera para entrar em combustão. Isto colocava os motores da Turbonique na mesma categoria dos foguetes. E também os tornava bem perigosos. Mas estamos falando da década de 1960, quando ninguém estava aí para nada e você podia encomendar explosivos pelo correio.
Outra característica dos motores a turbina da Turbonique era o pico de potência muito breve. Seus motores podiam ter entre 45 e 1.000 cv, mas apenas por alguns segundos, sendo mesmo apropriados para corridas de arrancada.
Ou melhor… apropriados para as arrancadas dos anos 1960, uma terra-sem-lei onde tudo era permitido e os riscos eram aceitos pelos pilotos. Entre os riscos envolvidos na instalação de coisas a jato da Turbonique estavam a possibilidade de o motor explodir caso o piloto pisasse no acelerador duas vezes seguidas, por exemplo — pois isso injetaria Thermolene demais na turbina.
Um dos produtos da Turbonique era um turbocompressor que não era acionado pelos gases do sistema de escape, e sim por uma pequeno motor a jato que queimava Thermolene. Sim: era um turbo turbinado. Testado em um V8 Chevrolet de 6,7 litros, o dispositivo aumentou a potência de 410 cv para quase 850 cv. Karts a jato com os motores Turbonique eram capazes de cobrir o quarto-de-milha na casa dos 7 segundos a cerca de 250 km/h. Era loucura por encomenda.
O produto mais interessante da Turbonique, contudo, era o Turbo-Axle, um pequeno motor a jato montado no diferencial para complementar a força do motor. Em 1965, para promover seus produtos, a Turbonique pegou um Fusca 1955, trocou o motor boxer refrigerado a ar por um de seus motores a jato e instalou nele um Turbo-Axle. Ou seja: o Fusca tinha dois motores na traseira: um motor a jato e um diferencial turbinado que, somados, entregavam 850 cv às rodas traseiras. Seu nome era Black Widow.
Em sua primeira demonstração, em 19 de setembro de 1966 o Black. Widow cobriu o o quarto-de-milha em 9,36 segundos a 270 km/h. No mês seguinte, a Turbonique tentou ir ainda mais rápido com o Fusca, mas o teste não acabou muito bem.
Ao atingir 294 km/h, o Fusca saiu do chão e caiu sobre seu próprio teto. Faltavam só 60 metros para o fim do quarto-de-milha. O piloto Roy Drew, felizmente, saiu ileso do acidente. A Turbonique, louca que era, usou o acidente para fazer propaganda: “Não conhecíamos nossa força. Ou melhor, esquecemos dela por uma fração de segundo. É o que acontece quando você quebra um recorde a cada tentativa”, dizia o anúncio.
Para evitar a decolagem do Fusca, a Turbonique encontrou apenas duas soluções: reduzir a potência ou melhorar a aerodinâmica do Fusca. Depois do recorde, o fundador da Turbonique foi investigado pelas autoridades e acabou preso por fraude contra o consumidor pois anunciava os produtos como “prontos para instalar” enquanto eles precisavam de alguma montagem antes de serem instalados. Não tinha nada a ver com o fato de eles explodirem sem muito cuidado. Coisas dos anos 1960 — outros tempos.
O recorde do Fusca da Turbonique nunca foi quebrado por outro Fusca — em setembro de 2016, 50 anos depois do primeiro recorde da Turbonique — um Fusca Turbo R-Line 2014 chegou aos 330 km/h na Speed Week de Bonneville. Mas vamos lá… ele é realmente um Fusca?
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