Beleza é um conceito subjetivo e 90% das estatísticas são inventadas (incluindo essa), mas dá para afirmar com razoável segurança que uma boa porcentagem do público não gostou do visual do novo BMW M4. A dianteira – vista primeiro no Série 4 cupê normal, e encontrada também no novo M3 – foi vítima de todo tipo de bullying virtual, ganhou body kits para mudar o desenho da dianteira antes mesmo do lançamento, e protagonizou diversas comparações com modelos mais antigos e harmônicos.
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Já a BMW segue defendendo-se – já faz alguns meses que, semana sim, semana não, a equipe de design da marca bávara (e seu próprio designer-chefe, Domagoj Dukec) pronuncia-se dizendo que “a frente do novo Série 4 é um aceno ao passado”, que “não dá para agradar a todos”, que “é importante ter um estilo que se destaque” e, mais recentemente, que “um bom design não precisa ser necessariamente bonito ou feio”.
Mas, bonito ou feio, um BMW M precisa ser bom de guiar. E, agora que começaram a ser publicadas as primeiras avaliações da dupla M3 e M4 lá fora, podemos saber se a experiência ao volante que ele oferece compensa – ou não – seu estilo controverso.
Acontece que, além do estilo radicalmente diferente em relação ao anterior e da plataforma nova (a BMW CLAR, que é usada do Série 3 ao Série 7), a nova geração trouxe mudanças importantes em relação ao anterior. Claro, ele ainda é movido por um seis-em-linha biturbo de três litros, mas agora troca o câmbio de dupla embreagem e sete marchas pelo onipresente ZF 8HP, automático de oito marchas, na versão Competition de 510 cv – que também tem tração integral xDrive opcional. A variante básica, ou “Pure”, é um pouco menos potente, com 480 cv, tração só nas rodas traseiras, e oferece câmbio manual como opcional.
E como estas novidades afetam o que realmente interessa em um esportivo? Enquanto o BMW M4 não desembarca por aqui (por ora, apenas o M3 Competition foi confirmado para o Brasil, com lançamento em maio), podemos ver o que o pessoal lá fora anda falando do carro.
Já faz bastante tempo que o uso de um seis-em-linha com indução forçada deixou de ser um problema no M3 – não se lamenta mais a perda do motor aspirado. Assim, dificilmente tece-se críticas ao motor, até porque o S58, usado desde 2019 pela dupla X3 M e X4 M, já é bem conhecido e é um belo motor. Jens Meiners, da , dá o tom: “Em qualquer modo de condução escolhido, a força bruta do M4 é aterradora.
A BMW diz que ele vai de zero a 100 km/h em 3,9 segundos, e a velocidade máxima é limitada em generosos 290 km/h (Nota: com o M Driver’s Package, que é opcional). No trecho pouco rodado de Autobahn onde andamos, a oeste de Munique, faltou 15 km/h para chegarmos à velocidade máxima com pouco espaço. E esta velocidade é alcançada apesar do coeficiente aerodinâmico de 0,34, que à primeira vista parece medíocre mas é até decente, considerando os pneus gordos e o apetite voraz desse carro por ar.”
Meiners também gostou, veja só, do ronco: “Uma coisa ficou clara: o seis-em-linha girador do M4 honra seus ancestrais, particularmente o E46. Ele liga com um rugido saudável e se acomoda em um galopar destemido”, definiu o jornalista. “Claro que ele foi artificialmente melhorado (ao menos dentro do carro). Mas o M4 tem todo o hardware para cumprir a promessa feita por sua trilha sonora.”
Matt Prior, da Autocar, andou tanto no BMW M3 quanto no M4, ambos na variante Competition – e . Em essência, o cupê tem uma relação de marchas diferente para privilegiar a aceleração. “Mas o carro tem marchas suficientes para que isto não seja óbvio”, diz Prior. “O jeito com que o M4 anda, é parecido a ponto de você ter que olhar para trás ao sair de um e subir em outro, só para ter certeza que trocou mesmo de carro. “A suspensão dura, o mesmo motor barulhento, e o mesmo ruído dos pneus quando se trafega por vias de concreto são elementos familiares a ambos.”
, Prior o colocou mais perto do BMW M5 que do BMW M3 anterior – no sentido que ele ficou mais pesado e tem quase o mesmo desempenho (ele é mais potente que o M5 E60, com motor V10, e só 50 kg mais leve). Porém, é um carro bem mais firme que o M5 – e bem menos confortável, também.
“Olhando pelo lado bom, o carro controla muito bem a rolagem da carroceria. Sua rigidez é excepcional. (…) A direção é leve, consistente e precisa, mesmo que dê pouco feedback do piso, embora isto não importe tanto. Porque está tudo tão bem amarrado que você consegue saber com precisão tudo o que está acontecendo.”
Prior diz que o comportamento do M4 é praticamente idêntico, até porque os dois carros dividem a mesma suspensão, o mesmo entre-eixos de 2,86 m e o mesmo motor, e o cupê pesa só 5 kg a menos que o sedã.
O problema, para Prior, é justamente este, de certa forma. “Por mais que a personalidade dos dois carros seja a mesma, sinto que ele fica melhor ajustado no M3 que no M4. Não tenho certeza do porquê – talvez seja porque eu não espero esportividade de um sedã, mas de um cupê, sim.”
O conterrâneo Chris Harris, do Top Gear, foi um dos que dirigiram apenas o M3, mas seu comentário sobre o motor, obviamente também adequado para o M4, serve para ilustrar a divisão de opiniões: se Jens Meiners, da Car and Driver, fez até uma alusão ao icônico E46, Harris acredita que o conjunto mecânico é um dos elos fracos do carro. Ele diz que o carro é espetacular, e que o acerto do chassi é absurdamente bom, como já esperado. Contudo, ele lamenta a troca do câmbio de dupla embreagem pela transmissão automática de oito marchas, que é boa mas, dada a qualidade do chassi, trocas mais imediatas lhe fariam bem.
E ele também não curtiu muito o ronco do carro, e diz que o motor poderia muito bem ser o de um M340i preparado. “Lhe falta aquele toque especial de um BMW M”, diz Harris.
E ele também não gostou muito do visual, mas diz que o problema não é a grade enorme. “Passei bons três dias com este carro e, neste tempo, a grade se tornou a coisa mais fácil de lidar. É mais difícil de se acostumar com o restante do carro”, diz Harris. Para ele, as caixas de roda são protuberantes demais, há recortes em excesso e até os retrovisores têm um desenho complicado e poluído demais.
“A borda dos para-lamas é tão distante das rodas que o carro perde toda a postura característica de um M.” Contudo, ao acelerar o carro pelo circuito britânico de Castle Comb, Harris não pareceu se importar. No Reino Unido, aliás, só será vendida a versão Competition com câmbio automático e tração traseira.
A falta de feedback a que Harris se refere volta a ser mencionada por Jonathan Burn, da . Contudo, o carro compensa com uma calibragem excelente. “A direção parece levemente amortecida, mas é rápida e afiada, e permite que se aponte o bico do carro nas curvas de forma muito mais agressiva e precisa que antes. Não é tão fantástica quanto a direção do Alfa Romeo Quadrifoglio, mas é muito mais precisa do que já foi.”
Esta comparação é interessante porque Matt Prior também mencionou o Quadrifoglio em sua avaliação do M4. “O Alfa Romeo não se comporta apenas como um sedã esportivo, mas como um carro esportivo. O M4 é quase o oposto: ele parece um sedã esportivo que só precisa da carroceria certa.” E esta carroceria certa, para ele, é a do M3.
Por outro lado, parece haver uma tinta pesarosa nas impressões dos colegas estrangeiros. Harris é o mais contundente: apesar de elogiar o acerto soberbo do carro – a direção mais rápida e precisa é sinal claro, aliás, de que a BMW está ouvindo a crítica – há uma mudança mais profunda no seu caráter. Ele claramente não foge à tradição de ser melhor que a geração antiga onde importa, que é atrás do volante. Mas talvez alguns, os mais apaixonados pelo BMW M3/M4 e tudo o que ele representa, percebam que ele está mesmo mais próximo de um 340i mais potente e rápido do que de um BMW M verdadeiramente especial e exclusivo, algo que sempre foi verdade mesmo para a base da gama. Vide a diferença clara entre o M3 e o 328i da geração E36, que claramente é o mesmo carro, mas ao mesmo tempo não é o mesmo carro. Até o flerte do novo M3 e seus quase 1.800 kg com o M5 pode ser visto de forma pior que a ideal.
Com o bom e o ruim que isso traz, o BMW M3 já não é o que foi um dia. Por sorte, ainda existe um BMW à moda antiga com pelo menos mais uma geração garantida: o M2. A BMW ainda sabe fazer carros assim, e a próxima geração só precisa provar exatamente isto. Se provar, o tamanho da grade vai importar menos ainda.