A BMW apresentou nesta semana a belíssima R18 e, honestamente, há tempos não via um design retrô executado de forma tão impressionante em uma moto. À primeira vista ela parece uma motocicleta bem mais antiga, feita na década de 1930.
Ainda não é assinante do FlatOut? Considere fazê-lo: além de nos ajudar a manter o site e o nosso canal funcionando, você terá acesso a uma série de matérias exclusivas para assinantes – como , , e muito mais!
Até mesmo o motor, o mais recente boxer desenvolvido pela BMW, tem estética retrô e, sozinho, já parece uma obra de arte. Só depois de examinar os detalhes – farol de LED, a tipografia moderna dos emblemas, a suspensão monoshock quase escondida, os comandos no guidão – é que você percebe que se trata de uma moto feita em 2020.
No caso do conceito, mostrado em meados de 2019, o ar retrô fica ainda mais acentuado pela ausência destes elementos obrigatórios.
Isto só é possível porque, diferentemente dos carros, as motos não têm sua estética ditada por questões de engenharia e segurança – afirmando o óbvio, as motos não têm carroceria, zonas de deformação programada ou reforços estruturais. À parte as evoluções técnicas e estilísticas, o layout básico de uma moto permanece o mesmo desde que a motocicleta foi inventada.
A BMW R18, no caso, traz inspiração direta de um modelo específico da BMW Motorrad – a R5, que foi produzida por apenas dois anos, entre 1936 e 1937, e teve 2.652 exemplares fabricados. De fato, colocando as duas motos lado a lado, é incrível pensar que elas são separadas por mais de oito décadas.
A BMW R5 era, tecnicamente, uma versão mais dócil e legalizada para as ruas das motocicletas de competição da BMW, como a Type 255 Kompressor. A construção era a mesma, bem como o design básico de tanque, para-lamas e outros elementos; mas a R5 tinha farol, lanternas, buzina e partida a pedal. Esta proximidade com as BMW de competição era o grande trunfo da R5.
O quadro era do tipo berço duplo, feito tubos de aço soldados – antes dela, as motos da BMW usavam chapas de metal prensadas. Como isto, conseguia-se um quadro mais leve e resistente, e a técnica também permitia mais liberdade com as formas. A partir dali, a construção tubular tornou-se padrão na BMW Motorrad.
O motor era diferente da moto de corrida, porém – em vez de um avançado boxer com comando duplo nos cabeçotes e supercharger como na Type 255, a BMW R5 apostava em um flat-twin de 494 cm³ (curso e diâmetro de 68 mm) com 24 cv a 5.500 rpm. Era um motor todo de alumínio e bastante compacto – note como havia um vão livre entre o motor e o quadro, característica estética que acabou se tornando uma das coisas mais bacanas da R5.
O motor era acoplado a outra inovação: um câmbio de quatro marchas operado pelo pé esquerdo do piloto – algo que era incomum em motos de rua na época. Até a chegada da R5, as pessoas achavam normal ter um pedal de embreagem e uma alavanca de câmbio nas motos, exigindo que o motociclista tirasse a mão do guidão para trocar de marcha. Em uma curva, trocar a marcha acabava exigindo que o condutor se concentrasse mais para não perder o equilíbrio e não errar a marcha. Era contra-intuitivo e nem um pouco prático, mas era assim que as coisas funcionavam. A BMW pensou: “se o câmbio no pé é bom para as pistas, também é bom para as ruas” e, sem cerimônia, adotou o sistema na R5.
Um detalhe interessante era o a alavanca da neutra, que ficava do lado direito e foi utilizado em todas as motos da BMW até 1955. Com ele, podia-se colocar a moto na marcha neutra mais rapidamente – bastava pressionar a embreagem e acioná-la.
Pesando 165 kg, a BMW R5 era uma moto ágil e fácil de conduzir. A suspensão dianteira tinha garfo telescópico e amortecedores ajustáveis com reservatório externo de óleo – a maior revolução da R5, que logo em seguida foi adotada em massa pela indústria – e melhorava consideravelmente a absorção de impactos e a estabildiade da moto. Contudo, ainda não havia suspensão traseira: a R5 era uma “rabo-duro” (razão pela qual, aliás, era possível o uso de um eixo não-articulado para transmitir a força do motor para a roda traseira).
Com tudo isto, a BMW R5 era uma das motos mais sofisticadas e caras que o dinheiro poderia comprar na época. Enquanto ela era fabricada, porém, a BMW já trabalhava em sua sucessora, que era em essência uma evolução do projeto, e empregava e um sistema de suspensão traseira com dois amortecedores telescópicos verticais que tornou o rodar bem mais confortável.
Verdade seja dita: a BMW poderia ter se inspirado em qualquer uma de suas motocicletas clássicas da linha R – todas elas eram belíssimas. Mas a R5 foi escolhida por sua importância – ela simplesmente revolucionou a indústria e colocou a BMW Motorrad no primeiro escalão das fabricantes de motos.
Na verdade, a fabricante já vinha brincando com a ideia de reviver a R5 havia algum tempo. Em 2016, antes de apresentar o conceito da R18, a fabricante mostrou no Goodwood Festival of Speed a R5 Hommage, em comemoração dos 80 anos da moto original.
Usando o motor de uma R5 que havia sofrido um acidente em uma corrida, a BMW Motorrad construiu uma moticicleta totalmente nova, com quadro, tanque e outros elementos feitos artesanalmente por sua divisão de veículos históricos. O motor recebeu um supercharger, os amortecedores dianteiros foram feitos sob medida com visual clássico e performance atual, e a traseira recebeu um sistema de suspensão monoshock ajustável. Os freios passaram a usar discos modernos e as ponteiras de escape receberam acabamento de fibra de carbono.
Eu não estranharia se a BMW dissesse que o projeto da R5 Hommage foi que acendeu a chama para a criação da R18, aliás – me parece uma bela evolução natural. Que não seja a última vez que o passado inspira uma criação da BMW Motorrad tão diretamente.