Todo entusiasta sabe que boa parte de um carro é feita por fornecedores terceirizados. Uma fábrica faz os faróis e lanternas, outra fábrica faz os bancos, outra fornece bombas e alternador, outra manda os chicotes elétricos, outra faz os vidros, uma outra faz as mangueiras, aí tem uma que fornece os freios etc. A fabricante do carro faz carroceria, motor e transmissão, e junta todo o resto em um produto com a sua marca — afinal, ela quem projetou e encomendou todo o negócio.
Quem é menos ligado nos carros não sabe disso. Eu não sabia até meus 14 ou 15 anos, quando comecei a acompanhar mais de perto as manutenções do carro do meu pai. Foi ali que uma antiga memória automobilística me veio à mente. Sim, vou fazer uma referência pessoal, desculpem-me, mas acho que muitos de vocês vão se identificar.
Naquela matéria sobre o Super Fuscão 1600 S, mencionei o Passat Plus do meu avô paterno e disse que o carro passou um tempo com meu pai, enquanto o carro novo dele não chegava. Pois bem, o Passat tinha um toca-fitas maneiro, com o logotipo da Volkswagen e tudo mais. Só que ele não funcionava tão bem depois de tanto tempo — por alguma razão, a fita pulava quando o carro passava por um buraco, mais ou menos como acontecia com os CD players. Achava engraçado aquilo, porque, pra mim, só disco pulava. Fita não.
Mas a história é que um tempo depois meu pai pegou o Escort na concessionária e logo mandou instalar um toca-fitas. Para minha surpresa, o toca-fitas era o mesmo do Passat. Igualzinho, exceto por um detalhe: o logotipo da Volkswagen. Para o Leo Contesini de seis anos fazia sentido que ele não tivesse um logotipo Volkswagen, mas não fazia sentido algum ele não ter um logotipo Ford. Só fui entender isso quando descobri a terceirização etc.
Na mesma época, um tio, este do lado materno, tinha um Voyage novinho, um GL 90 com aquele cheiro de Volkswagen novo da época. E lá no console central, à frente da alavanca de câmbio estava ele: o bendito toca-fitas Bosch com o logotipo da Volkswagen. Parecia o único toca-fitas disponível no planeta — ao menos para o Leonardo de seis anos de idade. Mal sabe esse meu pequeno eu que era quase isso mesmo.
Nos anos 1980 ainda estávamos naquela fase sombria das importações proibidas que começou em 1976. Os rádios também estavam por trás dessa cortina de ferro econômica, então as opções que tínhamos por aqui eram limitadas. Basicamente o mercado se dividia entre os Motorádio e os Bosch. Os modelos da marca brasileira eram mais acessíveis, e normalmente usados em modelos e versões de entrada, enquanto os Bosch usavam tecnologia da alemã Blaupunkt e eram fabricados localmente pela Bosch Brasil e, por isso, eram mais caros e voltados aos modelos intermediários e superiores.
É claro que esta é uma generalização para simplificar a história, porque houve dezenas de modelos de rádios da Bosch e da Motorádio no mercado da época. Das duas marcas, contudo, os Bosch eram o verdadeiro sonho de consumo do público que procurava um sistema de áudio bacana para o carro — eles e os equalizadores Tojo.
Não por acaso, o Gol GTS vinha com um rádio Bosch de fábrica — um toca-fitas Bosch Los Angeles II, logo acima do porta-fitas do console central.
A linha Los Angeles era a série de entrada dos toca-fitas Bosch nos anos 1990. Havia os modelos Los Angeles, com “auto eject”, que ejetava a fita ao final do carretel, depois havia os modelos Miami, com “auto reverse”, que, em vez de ejetar a fita para que o usuário fizesse a inversão do cassette, rotacionava o cabeçote de leitura e girava a fita para o sentido oposto, tocando o outro lado automaticamente. No topo, estavam os modelos Rio de Janeiro, que além do sistema de auto-reverse, tinham também o dial digital.
Havia ainda dois modelos mais simples da Bosch: a linha LD e, mais tarde, a linha San Francisco. Estas duas não tinham toca-fitas, eram apenas rádios de bandas múltiplas e menor potência de saída.
A potência, aliás, era um dos recursos que diferenciavam as versões de cada modelo. Como o foco aqui é o rádio do Gol GTS, vou usá-lo como exemplo: o Los Angeles II era uma versão com quatro bandas de frequência, toca-fitas com auto-eject, ajuste independente de graves e agudos, função loudness, função Dolby, função de sensibilidade de sintonia e sintonizador mecânico. Sua potência de saída era de 25 watts.
Havia ainda o Los Angeles I, que tinha apenas duas bandas (FM e AM), sem função Dolby e também com 25 watts de potência. Mais tarde veio o Los Angeles III, que era um rádio de 50 watts e já com um seletor para o uso de fitas de metal, seguido pelo Los Angeles VI, que era a evolução do II, com função para fitas de metal e design modificado, com as teclas de avanço e rebobinamento separadas da tecla de ejeção da fita. Mais tarde, a linha Los Angeles também ganhou o recurso autoreverse.
Estes, claro, são os modelos mais conhecidos. A linha Los Angeles teve as versões IV, V, Hot Sound entre outras. Estes três mencionados também são os modelos oferecidos na linha Volkswagen, apenas, como item opcional de fábrica.
A relação da Bosch com a Volkswagen começou ainda nos anos 1960, quando a Blaupunkt fornecia os rádios para o Fusca e outros modelos da marca. Na época, eles não tinham indicação escrita da marca, apenas um ponto azul (blau punkt) ao lado do dial. Ainda no final dos anos 1960, as marcas Bosch e Blaupunkt começaram a aparecer juntas no mostrador dos rádios dos Volkswagen da época, como este usado na linha Variant/TL, um dos primeiros modelos com toca-fitas — se não o primeiro:
Depois, nos anos 1970, a Volkswagen adotou os modelos Rubi e Topázio, ambos sem toca-fitas, apenas com banda única ou dupla (Ondas Curtas e Ondas Médias). Na mesma época a Bosch lançou uma nova linha com nomes brasileiros usando a marca Blaupunkt — os modelos Iguatemi, Jatobá, Tocantins, Abaeté e Guaporé.
Depois disso vieram os modelos que todos conhecemos dos anos 1980 — San Francisco, Los Angeles, Miami, Rio de Janeiro e afins —, que foram substituídos pelos modelos feitos pela FIC (Ford Indústria e Comércio) durante a Autolatina, já nos anos 1990, e, mais recentemente, pela linha Volksline.