Da lista de “coisas tenebrosas que não quero que aconteçam nem com um inimigo em um autódromo”, perder os freios em alta velocidade certamente está no pódio – talvez lado a lado com quebra no sistema de direção ou suspensão e queda de uma roda. Neste post vocês verão um vídeo tenebroso – e uma boa referência do que fazer quando o fluido de freio ferve e o pedal vira um flan de caramelo.
Pelo número no para-brisa, estou supondo que o incidente rolou em um track day no autódromo gaúcho. O susto começa aos 4:00.
Ficar sem freio a 170 km/h na freada do fim da reta oposta do Velopark (veja destaque abaixo) não soa como uma das sensações mais agradáveis – afinal, o que te espera é um paredão perpendicular à sua cara. Forrado de pneus, mas ainda assim, um paredão. O cara do Camaro reagiu rápido: em menos de 1 s percebeu que o pedal de freio tinha “descido” (quando o fluido ferve, perde-se pressão no sistema e o pedal fica mole – se pisar com força, ele desce até encostar no assoalho) e fez a reação de emergência mais recomendada – bombeou freneticamente o pedal, tentando alimentar alguma pressão, e logo partiu para o freio de mão. O freio de mão funciona porque ele freia as rodas traseiras (é o freio dianteiro que superaquece) e é acionado por cabo. O piloto tentou se manter na pista o máximo que pôde e tentou fazer o contorno da curva, o que também desacelera o carro por fricção. No fim do drama, o Camaro roda porque estava com o freio de mão puxado, parando-o de vez.
Antes que alguém pergunte: não daria pra cambiar e forçar o freio motor. O Camaro é automático e exige muita queda de rotações antes de a ECU aceitar reduções.
Não culpe o Camaro. Todo carro de rua vai ficar sem freios em uma sequência de voltas quentes num autódromo – isso acontece até com alguns carros de pista. Pode ser um Uno, um Golf GTI, um Camaro, um Porsche 911 Turbo com freios opcionais de carbono-cerâmica PCCB. Há várias razões para isso: automóveis de rua são muito mais pesados porque possuem forrações, vidros, carroceria toda de metal; eles não possuem dutos de ventilação para os freios (e quando os esportivos de rua possuem, são pequenos para não agredir o design), os discos normalmente são pequenos, o fluido de freio não possui especificação para competição (ponto de ebulição mais alto) e, mesmo que tenha, as pastilhas são dimensionadas para uso urbano – podendo ocorrer a vitrificação com excesso de temperatura, que ocasiona outro tipo de fading de freios. Pastilhas de competição quase não freiam quando estão frias (ou seja, em todas as situações urbanas), são muito agressivas ao disco, duram pouco e geralmente são estridentes – por isso, não acho boa ideia você colocá-las em seu daily driver.
A regra tácita pra pilotar num autódromo com um carro de rua sem correr riscos é alternar voltas quentes com voltas de cool down, nas quais você anda mais devagar e tenta tocar o mínimo possível nos freios, usando mais o câmbio nas reduções (mas sem exagerar – ou você vai ganhar temperatura demais na transmissão, o que também não é inteligente). A conta depende totalmente do carro e da sua tocada: tem gente que consegue dar várias voltas seguidas e apenas uma de cool down. Quem abusa mais dos freios ou tem carro mais pesado normalmente necessita de mais voltas de resfriamentos dos freios.
E a regra obrigatória que 90% dos jornalistas automotivos ignoram em eventos de pista: faça a melhor volta de cool down que você puder antes de parar o carro nos boxes. Com o carro parado, não há vento relativo para arrefecer os radiadores nem os freios. E não puxe o freio de mão: as pastilhas (ou sapatas, se for sistema a tambor) podem colar.
[ Dica do post: Márcio Murta ]