Nos EUA há uma brincadeira dos entusiastas sobre o Miata ser o melhor carro para todas as situações. Que carro comprar para curtir track days? Miata. E qual carro comprar para curtir a estrada de serra no fim de semana? Miata. Se eu quiser um carro para ir ao trabalho, ao track day e depois à praia? Miata. “Miata is always the answer” é a brincadeira — junte as iniciais e você terá acrônimo MIATA.
Faz sentido: é um carro leve, com boa relação peso/potência, com câmbio manual e tração traseira e que custa pouco. Lá fora, claro. No Brasil o carro que reune estas características é o Chevrolet Chevette. Ele só não é conversível, como o Miata. Nem tem como gerar um acrônimo com o seu nome.
Outro ponto em comum com o Miata é o tempo de produção. O Chevette chegou em 1973 e foi embora só depois de 21 anos, em 1994. O Miata durou pouco menos sem alterações extensas — as gerações NA e NB, que são muito semelhantes tanto esteticamente quanto mecanicamente, foram feitas entre 1989 e 2004, ou seja: 15 anos. Considerando que o modelo ainda é fabricado hoje, são 33 anos de estrada em quatro gerações. Mas também são outros tempos e uma realidade diferente da nossa.
O que quero dizer aqui é que o Chevette se tornou a escolha brasileira para project cars, carros de track day, arrancada, clássico para passear no fim de semana como é o Miata nos EUA justamente porque foi vendido por tanto tempo. E foi bem vendido por tanto tempo — em 1983 ele foi o carro mais vendido do país e se manteve entre os mais vendidos por todo o tempo em que foi produzido no Brasil.
Foi isso o que o tornou um grande personagem da cultura automobilística local. O Chevette pode não ser um gigante como o Fusca ou o Gol, mas está logo atrás dos dois e foi o primeiro carro a desafiar a hegemonia da Volkswagen por aqui.
Agora… apesar de ser um ícone brasileiro e ter sido lançado no Brasil antes de qualquer outro lugar do mundo, o Chevette era um projeto global que foi vendido, bem, no mundo todo. É claro que o carro não era exatamente igual em todos os países onde foi vendido. Se nem mesmo o nome era igual, imagine o restante… especialmente a reputação do carro junto ao público.
O nome Chevette
Para nós brasileiros, que falamos português, é difícil perceber sem um conhecimento básico de francês, mas o nome “Chevette” é um diminutivo. O sufixo -ette é quem faz isso, e ele tem um significado semelhante ao diminutivo americano “Chevy” e ao nosso -inho. Uma tradução adaptada ao significa para o português seria “Chevroletinho” ou “Chevinho”, um diminutivo afetuoso.
O nome Chevette foi usado no Brasil, no Reino Unido, na Suécia, França, Alemanha, Áustria, Nova Zelândia, nos EUA e Canadá, no Uruguai, Argentina, Venezuela e Colômbia. Como já disse antes, o nome era o mesmo, mas os carros eram um pouco diferentes.
O Brasil foi o que usou o nome para mais variações do mesmo carro: Chevette apareceu em 1973 e só foi embora em 1994. Ou seja: as três fases do carro e suas cinco reestilizações/atualizações tiveram o mesmo nome.
No Reino Unido e Europa continental ele era o Vauxhall Chevette. Ele só foi feito de 1975 a 1984 e tinha uma dianteira própria, sem grade — a ventilação do radiador era feita por uma abertura que ficava oculta pelo para-choques dianteiro — e com saliências semelhantes às que viriam na segunda fase do Chevette por aqui.
É ela, aliás, que foi vendida nos EUA e no Canadá, onde ele também se chamava Chevrolet Chevette. A diferença é que na América do Norte o Chevette foi vendido somente como um hatchback de três ou cinco portas. O visual com a grade bi-partida, os faróis circulares e a porção central do capô mais baixa estreou lá em 1976 e veio para cá em 1978.
Em 1983, quando o nosso Chevette foi reestilizado pela última vez ele também mudou na América do Norte. A dianteira deles era relativamente semelhante à do nosso, porém os faróis eram destacados e os piscas ficavam nos para-choques, e não nas extremidades da dianteira. As laterais, claro, eram iguais à do nosso Chevette hatch, mas a traseira foi baseada na traseira original do hatchback, e não no “notchback” que tivemos por aqui. Nos EUA e no Canadá o Chevette durou até 1987 e teve outras derivações da Pontiac — que veremos mais adiante.
Para encerrar o nome Chevette, vemos para os países vizinhos, aqui da América do Sul. Na Argentina o Chevette foi vendido com este nome, mas somente em sua terceira fase (o Chevette “quadrado”). Só que ele não era um Chevrolet, e sim um GMC Chevette. Sim, a GMC 500 era sua picape e, como ela, o GMC Chevette foi vendido de 1992 a 1995.
No Uruguai ele era o Grumett Chevette, uma versão local feita de fibra com base no Chevette britânico até 1980 e, depois, baseada no Chevette brasileiro. Apesar de ter sido feito desde o início dos anos 1970 o Grumett só ganhou o nome Chevette em 1976.
Ainda nos anos 1980 a Chevrolet começou a montar o Chevette no Uruguai, na Venezuela, na Colômbia e no Equador — mas neste último ele não se chamava Chevette. Todos eram idênticos ao Chevette brasileiro, porém com a opção de um motor 1.8 diesel, além do 1.4 e 1.6 que tivemos aqui. Os modelos americanos também tiveram estes mesmos motores. Somente os Vauxhall tiveram uma seleção diferenciada: os modelos comportados usavam um motor 1.3 e os esportivos um DOHC de 2,3 litros e 16 válvulas.
Pontiac Acadian e T1000
Bug na matriz: Pontiac Acadian e T1000 não se trata de um robô de metal líquido dirigindo um pony car. São os nomes que o Chevette recebeu quando foi travestido pela Pontiac para venda no Canadá e nos EUA. Coisas da GM do passado.
O Acadian, que era o nome da Pontiac para o Nova de segunda geração vendido no Canadá foi o nome escolhido para o Chevette naquele país. T1000 era o nome do Chevette da Pontiac nos EUA. O visual era o mesmo do Chevrolet Chevette, mas com grades e emblemas diferentes.
A grade bipartida era uma marca característica da Pontiac (e é por isso que eu, Leo, costumo chamar o Chevette 78-82 brasileiro de “Chevette Pontiac”) e, embora não haja uma confirmação oficial, é muito provável que o estilo do carro tenha sido feito pela/para a Pontiac e adaptado à Chevrolet.
Tanto o Acadian quanto o T1000 foram lançado em 1976 e vendidos até 1987 com as mesmas reestilizações do Chevette. Os motores eram os mesmos 1.4 e 1.6 Isuzu Série G que o Chevette teve no mundo inteiro, além do motor 1.8 diesel, e as únicas opções de carroceria eram os hatchback de cinco e três portas.
Opel K180 e Chevrolet San Remo
Poderiam muito bem ser um Chevette alemão e um italiano, não? Mas eles são, respectivamente, o Chevette de primeira geração vendido na Argentina e o Chevette de terceira geração vendido na Venezuela e no Equador.
O Opel K180 era um Opel Kadett C europeu com outro nome — e mais tarde com os faróis do Chevette brasileiro. Além disso, ele também tinha uma variação de quatro portas e, mais legal, uma versão esportiva chamada K180 Rally, semelhante ao Kadett Rally europeu, com detalhes em preto na carroceria.
A principal diferença, contudo, era seu motor. Ele não usava o motor Isuzu G, mas uma variação argentina do motor Chevrolet Turbo Thrift. Esta variação era, basicamente, o Turbo Thrift com dois cilindros a menos e, claro, com o deslocamento reduzido de 194 pol³ (3,1 litros) para 110 pol³ (1,8 litro). A potência, contudo, não era muito diferente do 1.6/S que viria a ser vendido por aqui mais adiante: com um carburador Bendix e taxa de 8,2:1, ele produzia 83 cv brutos a 5.200 rpm.
O Opel K180 foi feito somente entre 1974 e 1980. Após o fim de sua produção, ele foi substituído pelo Chevette e, nos anos 1990, pelo GMC Chevette.
O Chevrolet San Remo era o nome chique do Chevette na Venezuela e no Equador. Eles foram vendidos localmente de 1984 até 1996 no Equador e até 1998 (!) na Colômbia, sempre com a carroceria sedã de quatro portas — e com pintura de dois tons, como mostra a foto acima.
Gemini, um Chevette do oriente
O Chevette não foi um carro global apenas por que foi vendido no mundo todo, mas por que teve seu desenvolvimento realizado por diversas subsidiárias da General Motors. E uma delas era a Isuzu, marca japonesa responsável pelo motor do Chevette. Pode ser surpresa para muita gente, mas a essa altura do século 21 é um fato muito conhecido que o motor do Chevette é japonês. De onde que você acha que veio a boa relação potência/economia dele?
O motor em questão é o já citado série G da Isuzu, um quatro cilindros com comando no cabeçote (OHC) e 1,4 ou 1,6 litro. Isso no Chevette ocidental. Para o oriente os japoneses guardaram algo mais interessante: os motores tinham 1,6 e 1,8 litro, além de um 1.8 16v com comando duplo.
A maioria de vocês também já sabe que o Chevette oriental se chamava Isuzu Gemini, mas isso apenas no Japão e na Nova Zelândia. Na Malásia e Tailândia ele era o Opel Gemini. Na Austrália ele também se chamava Gemini, mas com uma marca local: Holden Gemini. E antes que você se pergunte por que estou falando de Austrália e Nova Zelândia no oriente, bem… geograficamente eles estão no hemisfério oriental, então eu decidi colocá-los aqui.
O Gemini tinha as mesmas formas básicas do Chevette original, de 1973, mas com grade, faróis, interior, rodas e decoração própria da Isuzu. É por isso que a Nova Zelândia teve o Vauxhall Chevette e o Isuzu Gemini — eram o mesmo carro com cara diferente, exatamente como o Pontiac Acadian e o Chevrolet Chevette no Canadá.
O Isuzu Gemini foi lançado em 1974 com um visual muito próximo do Kadett C e do nosso Chevette, mas ele teve apenas carroceria sedã de quatro portas e cupê de duas portas. Em 1979 o carro foi reestilizado, mas com um visual mais próximo do que teríamos aqui em 1983, com linhas retas, capô encurtado e grade plástica envolvente, com faróis integrados e piscas nas extremidades da carroceria.
O Isuzu Gemini foi produzido de 1975 a 1984 na Oceania, de 1975 a 1985 na Malásia e Tailândia e de 1976 a 1985 nos EUA. Ah, eu não falei dos EUA?
Bem, aqui vai uma informação pouco conhecida: o Isuzu Gemini coupé com o motor 1.8 de 80 cv foi vendido nos EUA como Buick Opel e depois Isuzu I-Mark.
Piazza, o Chevette que não parece um Chevette
Apesar de o Isuzu Gemini ter se transformado em um carro de tração dianteira em 1985, ele continuou produzido até 1990 disfarçado de cupê italiano. Era o Isuzu Piazza, um dos mais belos esportivos dos anos 1980, projetado por Giorgetto Giugiaro.
Você leu a história dele ontem aqui mesmo no FlatOut. O carro nasceu como um conceito que foi rejeitado pela Audi, que influenciou o Scirocco, mas que foi produzido mesmo pela Isuzu usando a plataforma T do Chevette.
E ele não era apenas um corpinho bonito. O Isuzu Piazza foi a derivação mais interessante desta plataforma, porque ele tinha motores 2.0 8v e 16v (este último aspirado ou turbo), além de um motor 2.3 aspirado, voltado ao mercado americano — as potências variavam de acordo com o mercado, de 120 cv a 180 cv.
A versão mais mansa tinha suspensão desenvolvida pela própria Isuzu, mas quem quisesse mais esportividade poderia escolher as versões acertadas pela Irmscher e pela Lotus — “handling by Irmscher” e “handling by Lotus” eram os nomes comerciais.
O Piazza foi vendido no Japão, no Reino Unido, na Europa continental, na Austrália (Holden Piazza) e nos EUA (Isuzu Impulse), e foi produzido entre 1980 e 1990.
Daewoo Maepsy, outro Chevette do Oriente
Carro global, lembra? Vendido no mundo todo, lembra? Pois na Coréia (do Sul, claro) o Chevette era o Saehan Maepsy (que mais tarde mudaria o nome para Daewoo Maepsy). Ele era muito semelhante ao Isuzu Gemini, porém tinha apenas o motor de 1,4 litro em seus primeiros anos de produção (1974 a 1979).
A Daewoo também foi a primeira marca a fazer uma picape do Chevette. Era a Saehan Max (depois batizada Daewoo Max), que foi lançada em 1979.
Na Coreia o Maepsy escapou de ter uma história curta. Como seu motor era importado do Japão, o custo de produção e venda era relativamente caro. Quando a Hyundai colocou o Pony a venda a partir de 1975, ele era muito mais barato que o Maepsy por ser todo feito na Coréia. Como resultado, as vendas do carro começaram a cair drasticamente.
Porém, em 1979 a Coréia estava sob o comando ditatorial do general Chun Doo-hwan. Quando a recessão do Leste Asiático afetou a indústria local, o general exigiu que a Kia interrompesse a produção do Brisa (um Mazda 323 licenciado) para concentrar-se na produção de caminhões leves. Em contrapartida, a Saehan/Daewoo e a Hyundai deveriam abrir mão deste segmento, mas poderiam usar os motores Mazda TC de 1,3 litro que a Kia havia produzido e licenciado.
Assim, o Daewoo Maepsy ganhou um novo motor nacional e teve seu custo de produção reduzido significativamente, e sobreviveu até 1989. Os sedãs de quatro portas foram encerrados em 1987, a picape Max foi encerrada em 1988 e os sedãs voltados aos taxistas foram tirados de produção em 1989, o que deu ao Maepsy uma história quase tão longa quanto à do Chevette brasileiro.
Opel Kadett C
Por último, o modelo que todos conhecem: o Chevette europeu, o Opel Kadett C. A linhagem Kadett começou em 1936 e, em 1973, chegou à sua terceira geração, identificada pela letra C, como de praxe na Opel.
A Europa foi a região onde o Chevette teve a vida mais curta. Chegou em 1973 e foi embora em 1979 — apenas seis anos no mercado. Naquele mesmo ano, a Opel lançou a quarta geração do modelo — a primeira com tração dianteira, que daria origem ao Kadett e ao Astra.
Aliás, uma curiosidade aqui: o Kadett mudou de nome em sua quinta geração (o Kadett que tivemos aqui) no Reino Unido. Lá nasceu o nome Astra — o Kadett E era o Vauxhall Astra. Depois, quando o Opel Kadett E foi substituído por um novo modelo, a Opel adotou o nome Astra, afastando o antiquado nome militarista do modelo.
A curiosidade mesmo está na África do Sul: o Kadett começou a ser vendido na quarta geração (D), depois foi substituído pela quinta geração (E) e quando a África do Sul recebeu o primeiro Astra (F), ele não se chamava Opel Astra, mas…. Opel Kadett. É por isso que não existe Astra A, Astra B, C, D ou E. A linhagem do Astra é a mesma do Kadett, mas como os nomes foram usados em alternância, a GM manteve a contagem de gerações na transição do Kadett para o Astra.
Voltando ao Opel Kadett C, apesar de ter sido produzido por apenas seis anos, ele teve uma carreira intensa. Foi o modelo que mais teve variações de carroceria — sedã de duas e quatro portas, cupê, perua, hatchback de três portas e conversível targa. Faltou só perua de quatro portas, hatch de quatro portas e picape, que foram feitos em outros países.
Os motores eram todos da Opel — nada de japoneses aqui. O mais básico era um 1.0 de 40 cv, seguido por um 1.2 de 60 cv. Eram os únicos oferecidos nos dois primeiros anos. Em 1975 veio o CIH de 1,9 litro e 105 cv e, em 1977, vieram os CIH de 1,6 litro de 75 cv e o 2.0 de 110 cv — este último usado no Rallye/E.