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História

Chevette SS V6 1983: o sonho que não aconteceu

“Chevette para ficar bom, precisa trocar o motor.” Se eu ganhasse um real para cada vez que ouvi isso, andaria de Ferrari, não de Chevette.

Realmente é um fato que o motor do Chevette não é lá grande coisa. É um motor criado a 50 anos atrás, para ser basicamente frugal em consumo de combustível, e razoavelmente durável, e só. Provavelmente não teve nenhum objetivo de NVH (Noise, Vibration and Harshness, área da engenharia automotiva que trata de barulho, vibração e aspereza) em seu projeto. Se teve era ridiculamente baixo: o motor vibra, faz um som ruim e esganiçado, e não gosta muito de subir de giro.

Não é também leve: todo em Ferro Fundido, e fisicamente grande para os padrões atuais em sua faixa de cilindrada (de 1 litro a 1,6 litro). Em Kg/cm³, é definitivamente pior até que aquela conhecida âncora de navio que está debaixo do capô dos Opala 4 cilindros. Além disso, tinha tolerância largas: alguns carros são claramente mais potentes que outros teoricamente iguais, de fábrica, e o mesmo acontece com o nível de vibração e consumo de combustível.

Nos seus dez primeiros anos de existência, também, usava apenas uma versão deste motor de 1,4 litros que era definitivamente fraca. Junte a isso um acelerador de curso longo demais, em que a maioria da abertura de borboleta acontece somente lá no fim do curso (outro artifício para economizar combustível), uma embreagem abrupta, e uma primeira e segunda marchas curtas em um motor que não gosta de girar, e se tem prontinha a imagem de um motor sem salvação, e um carro lento.

Mas até um roçeiro do interior do Maranhão pode aprender boas maneiras, se tempo, boa vontade e dinheiro o suficiente sejam gastos nisso. O motor do Chevette evoluiu, em 1983 virando um 1.6 litro (a maioria, à Etanol) razoável já, principalmente por ser acoplado à um novo câmbio de cinco marchas, e relação traseira mais longa.

Mas realmente bom, somente de 1988 em diante: o motor 1.6/S, além de carburador de corpo duplo, vinha com pistões e bielas mais leves e mais bem controladas em tolerância. Era mais suave, e muito mais potente, trazendo finalmente o desempenho dos Chevette 1.6 ao nível dos Gol 1.6 AP, e à frente dos Escort 1.6 CHT.

2,5 litros no Chevette: Chepala!

O AP era claramente ainda mais forte, e muito mais suave e girador, mas o Chevette compensava isso com tração superior em arrancada, maior controlabilidade do chassi a alta velocidade, e melhor aerodinâmica. A diferença é que o motor do Chevette só ia até 1,6 litros, e o AP começava nesta cilindrada: o Gol podia ser também 1.8 ou 2.0 litros.

Mas divago; o fato é que isso não mudou nada na imagem do Chevette entre o público: em 1988, mesmo que estivesse há 5 anos de seu fim, não era segredo nenhum que era um carro em fim de vida: estava há 14 anos em produção. E não se muda 14 anos de fama ruim assim fácil.

1988: um Chevette com 81 cv de fábrica

Particularmente gosto de Chevette com motor de Chevette, desde que tenha no mínimo uns 80 cv, mas entendo perfeitamente o motivo de ser uma minoria neste caso. Sendo um carro pequeno, leve, de ótima estabilidade, e com motor dianteiro e tração traseira, tem espaço de sobra debaixo do capô para que basicamente qualquer coisa possa ser montada ali com sucesso. Mudar motor de Chevette é um esporte tão popular que devia ter torcida organizada com sede própria.

E não foi só aqui fora, para lá dos portões das fábricas da General Motors, que este esporte foi praticado. Na época do Chevette ainda eram comuns manicacas como nós dentro dos fabricantes, e pior: eles tinham alguma liberdade para tentar coisas diferentes, ainda que essas coisas não acabassem em produção.

Aqui no Brasil, primeiro lugar do mundo a ter Chevettes, os engenheiros do Campo de Provas da Cruz Alta já em 1974 tinham Chevettes “GP” protótipos equipados com o motor de quatro cilindros e 2,5 litros do Opala. Como todo mundo que já andou num Chepala sabe, o chevettinho assim se move muito parecido com um Opala seis cilindros, mas é ágil e mais leve como um Chevette, claro.

Esta é uma das oportunidades perdidas mais tristes da indústria nacional, pois era uma alteração ridiculamente fácil de se fazer então. O Chevette GP acaba sendo lançado com um pacote estilístico externo e interno legal demais da conta, mas com o motor 1400 do Chevette normal, apenas com um pouco mais de taxa de compressão para usar a gasolina premium da época, a azul.

Pense nesse carrinho com uma relação de eixo traseiro de 3,08:1, igual a do Opala seis, um 151-S debaixo do capô, e a inscrição na lateral: GP 2.5. Imagine isso em 1976! O mais louco é que o projeto foi cancelado pela crise de petróleo, mas na verdade era também um carro bem econômico, se dirigido tranquilamente. Quem não viu a beleza do GP 2.5 e o cancelou dentro da GM, desculpe a sinceridade, era mais cego que um morcego com seu radar biológico estragado. Shame on you!

Mas enfim, não tivemos um GP 2.5. Mas os americanos perderam uma possibilidade ainda mais maluca: eles quase tiveram um Chevette SS V6.

 

O Chevette americano

Originalmente, o Chevette não seria vendido nos EUA. O Vega, um gigantesco projeto interessantíssimo, mas que fracassou de forma completa, era para ser o menor dos Chevrolet. Era uma categoria de tamanho acima do Chevette, e foi lançado em 1970.

O Chevette americano, 1975.

Mas em 1973, tudo havia mudado. Problemas com o novo bloco de motor 4 em linha de alumínio do Veja, e de corrosão acentuada e cedo (com menos de um ano) praticamente acabavam com as possibilidades de sucesso do Vega. Além disso, uma crise aguda de abastecimento de petróleo. A GM decide fazer uma versão do Chevette para os EUA.

Apesar de baseado no nosso Chevette, o americano, lançado em 1975, era muito diferente. Entre-eixos maior (20 mm no 2 portas e 70 mm no 4 portas), carroceria diferente, mais pesado ao redor de 10% (para atender normas de crash), e com uma regulagem de suspensão decididamente para conforto.

Face-lift de 1979

Particularmente nunca dirigi um Chevette americano, mas acredito no grande José Luis Vieira, da Motor 3, que disse em 1982: “O Chevette americano é nitidamente inferior ao nosso no que se refere à sua maneabilidade e estabilidade. Claro que é muito mais bem acabado e acessoriado; claro que é melhor num acidente de frente ou de trás (todo carro americano, nesse sentido, é melhor do que o de qualquer outra procedência – as leis de lá assim o exigem); mas é também menos seguro do ponto de vista ativo, com estabilidade em curvas e frenagens inferiores às dos nossos.”

Era também mais lento; com motores iguais aos nossos, mas amordaçados para atender emissões, e mais pesado, não poderia ser diferente. Os americanos odiaram o Chevette, e com toda razão. Mas carros econômicos eram necessários, e ele era barato: quase 3 milhões de Chevettes foram vendidos nos EUA de 1976 até 1987, quando foi descontinuado.

 

O V6-60

Em 1975, com o Chevette lançado, a GM começa outro projeto gigantesco, parecido com o do Vega, novamente. Este devia mudar totalmente a maneira como a GM fazia carros, até ali ainda fixada em motor dianteiro e tração traseira. O projeto X faria um carro com espaço interno e desempenho de Chevrolet grande, full-size (o tamanho dos nossos Galaxie/Landau), mas com motores pequenos e econômicos, e tração dianteira.

Citation: um novo Chevrolet em 1979

Para isso, tudo teve que ser criado do zero, era tecnologia nova para a GM. Transeixos manuais e automáticos para motor transversal em linha com o motor, suspensões McPherson, monobloco novo, e tudo mais. É difícil um carro com tudo novo projetado do zero acontecer; raro mesmo. Mas assim foi o X, que conhecemos como o Chevrolet Citation de 1979.

O motor 4 em linha do Citation básico é um velho conhecido nosso: o 2,5 litros OHV que temos aqui nos Opala. Mas isso era apenas para carros de frota, baratos, básicos, onde preço é o que interessa. Um motor novo, melhor e mais moderno, foi desenvolvido para ele: um V6 criado para ser compacto, e caber no lugar de um 4 em linha transversal.

O V6 HO do Citation: 135 cv

É o Chevrolet V6-60, o “60” aqui significando o ângulo entre bancadas. É um V6 tradicional GM em muitas coisas: é OHV, com um comando no vale do V, operando as válvulas alinhadas no cabeçote via varetas e balancins, e é todo em ferro fundido. Mas também é diferente: 60° entre as bancadas ao contrário dos tradicionais 90°, e pequeno e compacto, um motor que não é muito maior nem mais pesado que um 4 em linha.

No Citation ele inicialmente media 89 x 76 mm para 2837 cm³, e com um carburador duplo, dava 115 cv. Em 1981 aparecia o esportivo Citation X-11, e com ele, o V6-60 HO (High Output), que com mais taxa e comando diferente chegava a 135 cv, ainda com carburador duplo. O V6-60 teria uma longa vida e milhares de versões diferentes; durou até 2005 (2010 na China), teve deslocamento até 3,4 litros, e chegou até 185 cv. Nos anos 1990 teve até uma versão DOHC 24 válvulas e injeção com 3,4 litros e 215 cv.

 

O Chevette SS V6

Chevette SS

Tal e qual o povo do CPCA aqui em Indaiatuba, a engenharia experimental da Chevrolet no Michigan queria mudar a imagem de lerdo e horrível do Chevette. E que maneira melhor de fazer isso do que criando um novo Chevette SS?

É claro que o motor ideal para isso era o V6-60 HO. Pequeno e compacto, pesava pouco mais que o motor original do Chevette, basicamente o mesmo que o 2,5 litros que os brasileiros usaram. Nos EUA de 1982, Chevrolet potente era um SS, então este seria o Chevette SS V6. Mostrado durante o lançamento para a imprensa da linha Chevrolet 1983, foi um imediato sucesso entre os presentes.

Era um 2 portas hatch, preto e cinza bem no esquema de nosso contemporâneo, o Chevette S/R 1.6. O V6 dava 135 cv e 23 mkgf de torque, o que num carro de 1025 kg e com câmbio manual, era mais que suficiente para um desempenho interessante. Um tempo de 0-96 km/h em “menos de 8 segundos” foi mencionado pela Chevrolet.

O câmbio era um Warner de cinco marchas, mas um TH350 automático de 3 marchas foi testado também. As Rodas eram Gotti de alumínio, aro 14 com pneus 185/60.

Chevette SS

JLV, presente no lançamento, andou com o carro durante uma hora dentro do campo de provas da GM. Disse ele: “Ele vai, sim, de zero a 100 km/h em pouco menos de oito segundos, passa dos 170 km/h antes de se chamar a quinta marcha e continua roncando lá para cima até terminara reta e começar uma curva um pouco indigesta. Nas quatro primeiras marchas, o tacômetro acusa os 6.200 rpm sem a mínima indicação de esforço.”

JLV reclamou da suspensão traseira, que diferente de nossos Chevettes, dava axle hop em arrancada forte, por falta de controle de giro do eixo por torque aplicado. Mesmo assim, ficou louco pelo carro, que parecia fácil de se fazer e delicioso de andar. Ele inclusive imaginou este motor no Brasil, debaixo do capô de Opalas, Monza, e Chevette S/R. Já pensou?

Disse o JLV: “Mas o que realmente impressionava eram outras constatações. O nível de ruído do motor é muito baixo. Mesmo em regimes de pé embaixo, o consumo normalizado deste foguetinho é de cerca de 12 km/litro.

E tudo isso acontece apesar de o motor estar totalmente equipado e amordaçado para fazer face às ferrenhas exigências dos padrões de poluição americanos. Já imaginaram um bicho desses aqui no Brasil, projetado “à antiga”, sem estrangulamentos, e com razões de compressão acima dos 13:1, trabalhando com álcool? Com o Chassi do carro brasileiro, muito melhor? E em uma Marajó?”

Sim, JLV, conseguimos imaginar sim. Quarenta anos depois de você escrever essas palavras, a ideia ainda povoa nossos mais malucos e impublicáveis sonhos dourados.