Os entusiastas de automóveis têm ao menos três tipos diferentes de tração para escolher. A tração dianteira é vista como a mais eficaz e “civilizada”. A tração traseira, que já foi o padrão na indústria, hoje vem cedendo espaço para a tração integral quando o assunto são esportivos – até o BMW M3/M4 mais recente adotou a tração integral como opcional. Cada tipo de tração tem sua hora e seu lugar de destaque, e isto só é possível porque os carros são mais complexos e oferecem mais opções de tamanho, formato e configuração mecânica.
Ainda não é assinante do FlatOut? Considere fazê-lo: além de nos ajudar a manter o site e o nosso canal funcionando, você terá acesso a uma série de matérias exclusivas para assinantes – como , , e muito mais!
As motos, porém, são veículos mais simples e diretos. Elas mudam muito de forma, mas a maneira “certa” de fazer uma motocicleta é uma só: duas rodas, motor no meio e tração traseira. Claro, também existem motos de vários tamanhos, categorias e preços, mas a forma de fazer motos não sofreu nenhuma revolução em seus fundamentos: elas ainda têm duas rodas, motor no meio e tração traseira. O jeito “certo” de fazer motos ainda é o mesmo.
Quer dizer… há quem discorde. A americana Christini AWD, por exemplo, faz motos de tração integral. E dá certo!
Como outras fabricantes de motos, a Christini começou com bicicletas. Mas ela é uma empresa relativamente recente: foi fundada na Filadélfia em 1995 por Steve Christini, que procurava uma forma de transformar as bicicletas em veículos mais robustos e capazes de atravessar condições consideradas impossíveis. Para tal, a Christini desenvolveu um engenhoso sistema com cardã, engrenagems e embreagem de roda livre para transmitir a força das pedaladas também para a roda dianteira.
O sistema, protegido por uma série de patentes para evitar qualquer tipo de cópia, só atua quando necessário. O princípio de funcionamento é relativamente simples: uma engrenagem ligada à coroa da roda movimenta um cardã articulado que acompanha o quadro da bicicleta até o garfo através de uma pequena correia sincronizadora. No garfo, outra engrenagem – ligada à roda dianteira por outro cardã – transmite a força das pedaladas para a roda dianteira. Quando a roda traseira perde aderência, a embreagem é acoplada e a força imediatamente é transferida para a roda dianteira.
Como você deve ter imaginado, as bicicletas que receberam o sistema eram do tipo mountain bike, geralmente utilizadas em terrenos acidentados e trilhas. Além do benefício da maior tração sobre pisos desse tipo, a tração integral nas bikes garante arrancadas mais rápidas e se mostra especialmente útil em ladeiras – se a roda traseira destraciona, imediatamente a roda dianteira assume o serviço e garante que o ciclista não fique patinando sem sair do lugar.
Na época, a recepção entre os praticantes do mountain bike foi muito boa – especialmente porque, apesar da melhora de tração em condições de baixa aderência, as bikes da Christini se comportavam exatamente como uma bicicleta normal, de tração traseira, em condições ideais. Era praticamente o melhor de dois mundos. Daí a adaptar o sistema para as motocicletas foi uma evolução natural.
Nas motos, o princípio é semelhante, ainda que mais complexo, obviamente – envolve não apenas simplesmente levar força para a roda dianteira, mas também fazer com que esta potência seja entregue da forma correta, na hora certa e na quantidade exata. Caso contrário, o esterçamento por torque (torque steering) poderia torná-las impraticáveis de conduzir. E claro, é preciso um sistema bem mais robusto que o utilizado pelas bicicletas.
Assim como nas bikes, a transmissão da força do motor para as rodas dianteiras se dá através de eixos e correntes. No entanto, a conexão é feita através de uma coroa secundária ligada ao câmbio por uma correia e ao garfo por um cardã, cuja conexão com a roda dianteira funciona da mesma forma que nas bikes.
Segundo a Christini, como o sistema é ligado à roda traseira através da correia principal, é simplesmente impossível para a roda traseira perder tração sem transferir ao menos uma parte da força para a dianteira. Da mesma forma, uma embreagem de roda livre permite no cubo dianteiro que o sistema de tração integral só entre em ação quando uma das rodas começa a perder tração. Quando é a roda traseira que destraciona, a força que seria desperdiçada vai para a roda dianteira. Quando a perda de aderência ocorre na roda dianteira – situação que muitas vezes resulta em queda – o mesmo ocorre para ajudar a estabilizá-la. Um detalhe importante: a roda dianteira sempre roda a uma velocidade 32% menor que a roda traseira, de modo a evitar o esterçamento por torque.
A Christini ressalta que, diferentemente do que ocorre em um automóvel, a tração integral não foi criada para trazer benefícios em situações de asfalto, como mais estabilidade nas curvas. Seu uso é voltado para o off-road, com grandes vantagens sobre areia, lama, cascalho e neve – quem já pegou um areião de moto sabe o quanto a roda dianteira gosta de “dançar” nessas situações. E, novamente, quando não é necessário, o sistema não age. E pode ser desativado, usando uma chave seletora, para quem quiser uma motocicleta normal.
É claro que o sistema também tem seus pontos negativos – além do peso extra (cerca de 8 kg a mais), há um “calombo” no local onde os componentes são instalados que pode incomodar quem pilota. No geral, porém, as vantagens compensam os problemas e abrem possibilidades, como o uso da roda dianteira para ajudar a transpor obstáculos e uma espécie de “controle de estabilidade” que pode evitar boa parte das quedas, especialmente quando quem está montado na moto não tem tanta experiência em situações off-road.
As motos da Christini são todas do tipo trail, com versões legalizadas para as ruas, de competição, e de uso militar – foram bastante elogiadas pelos oficiais do exército americano por sua desenvoltura fora de estrada, aliás. Quando entrou no ramo das motos, a Christini apenas vendia kits de conversão para AWD que podiam ser instalados em modelos da Honda e da KTM. Só depois, em 2002, que uma parceria com a espanhola Gas Gas possibilitou o fornecimento de motos inteiras, já convertidas e prontas para o uso.
Os kits, porém, ainda podem ser comprados – eles incluem toda a transmissão usada para levar a força para a roda da frente, incluindo engrenagens correias, protetores, suportes, garfo e cubo de roda. Por enquanto eles só estão disponíveis para as Honda e KTM a pronta entrega, mas a Christini diz que também os faz sob encomenda, custando a partir de US$ 20.000.