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Cinco leis de trânsito brasileiras que não fazem sentido

Há cerca de 4.200 anos a humanidade condiciona seu comportamento em sociedade à regência das leis, estas regras tão necessárias para que a civilização se proteja de si mesma. E elas estão aí há tanto tempo simplesmente porque funcionam.

No início elas eram ditadas por reis, por membros da elite social ou do alto clero. Um dia alguém achou que seria mais justo que elas fossem feitas pelo povo de forma direta ou indireta, e assim chegamos à democracia representativa moderna. Você sabe do que estou falando: o povo vota em seus representantes, eles se reunem para discutir as demandas da sociedade e, caso haja vontade da maioria, as leis são criadas.

As leis de trânsito não são diferentes, embora haja uma série de princípios universais — como, por exemplo, a noção de que deve os carros devem circular por um dos lados da rua — que formam o básico dos códigos de trânsito. Mas outras leis de trânsito podem ser criadas para atender alguma demanda específica da sociedade.

Ao menos na teoria. Algumas leis, quando propostas, parecem uma boa ideia para tornar o trânsito mais seguro e acabam aprovadas e passam a influenciar nossa vida em sociedade. Na prática, contudo, elas se mostram absurdas, excessivamente controladoras, ou sem sentido algum, a ponto de seu cumprimento ser impossível, assim como sua fiscalização.

Em 2014 vimos algumas leis bizarras e absurdas de outros países, mas agora decidimos dar uma olhada em nosso próprio umbigo para destacar as leis de trânsito mais sem noção do Código de Trânsito Brasileiro.

 

Banguela fora-da-lei

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Esta foi a musa inspiradora deste post. Na tarde desta última terça-feira (26) o Senado Federal publicou em sua página do Facebook um lembrete de que descer ladeiras e morros com o câmbio em ponto morto (ou seja, sem freio motor) é infração de trânsito. Publicado em meio à campanha das alterações no Código Brasileiro de Trânsito, que passam a valer a partir de 1º de novembro, parecia até que o governo criou uma nova infração absurda para controlar ainda mais os cidadãos.

Na verdade esta infração está prevista pelo artigo 231 do Código de Trânsito desde sua publicação, em 23 de setembro de 1997. A intenção é até boa, ela tenta fazer com que os motoristas evitem usar o carro “na banguela” (como a prática de descer desengrenado é chamada), usando o freio motor para impedir que o carro ganhe velocidade demais e acabe descontrolado. Em carros carburados esta prática ajuda a economizar um pouco de combustível, e por isso era muito comum na época.

Só que esta lei tem alguns problemas. O primeiro é o mais óbvio de todos: como fiscalizar um carro em movimento com o câmbio desengrenado? Pelo ruído?

Depois temos os veículos com roda livre, que não têm freio motor. Isso era mais comum nos DKW e outros carros com motores dois-tempos, mas alguns modelos com tração 4×4 também têm esta função.

Você até poderia dizer que são uns poucos modelos e que isso não é problema, só que nos últimos anos a roda livre vem se popularizando como recurso eletrônico para redução de consumo e emissões. Vários carros modernos, como o Mercedes-AMG E63 lançado hoje, têm uma função que desacopla o câmbio do motor em situações de declive até um certo limite de velocidade.

Por último, ainda há a questão dos caminhões, mas… se você já desceu uma serra abarrotada de carretas certamente reparou o cheiro de borracha queimada. São as lonas de freio dos caminhões. Motores a diesel têm pouquíssimo freio motor, sendo insuficientes para auxiliar o controle de velocidade em declives, por isso os caminhoneiros precisam usar os freios nessas situações.

Como se não fosse bastante ser uma infração impossível de se fiscalizar, esta lei está simplesmente obsoleta.

 

Na seca

Seu carro pode parar na via por quebra de motor, pane elétrica, pane mecânica ou qualquer outro motivo… exceto pane seca. Sim: “ter seu veículo imobilizado na via por falta de combustível” é uma infração de trânsito prevista pelo artigo 180 do Código de Trânsito, e é punida com multa, quatro pontos na habilitação e remoção do veículo.

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Embora seja mais fácil de fiscalizar — basta olhar o nível de combustível no painel —, nem todo carro tem pane seca porque seu proprietário esqueceu de abastecer. Uma linha de combustível pode se romper, o tanque de combustível pode furar, uma pane elétrica pode afetar a marcação de nível.

E se o argumento favorável é que a lei força os motoristas a serem zelosos com seu carro, por que só a pane seca rende multa? Ela atrapalha mais o trânsito que outro tipo de pane que imobiliza o carro?

 

Descolado

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Infração? Só eleitoral, por enquanto

Sabe aqueles adesivos que você cola na traseira do seu carro? Ou os adesivos que os cabos eleitorais colam no vidro traseiro? Ou ainda a adesivagem da identidade visual corporativa das empresas, ou um simples anúncio de venda do seu carro? É tudo proibido pelo artigo 111 do Código de Trânsito Brasileiro — ao menos em tese:

“É proibido o uso de inscrição de caráter publicitário ou qualquer outra que possa desviar a atenção dos condutores em toda a extensão do pára-brisa e da traseira dos veículos, salvo se não colocar em risco a segurança do trânsito”.

A infração é prevista pelo parágrafo XV do artigo 230:
“Conduzir veículo com inscrições, adesivos, legendas e símbolos de caráter publicitário afixados ou pintados no pára-brisa e em toda a extensão da parte traseira do veículo, excetuadas as hipóteses previstas neste Código.”

A questão é: quais são as hipóteses? “Não colocar em risco a segurança do trânsito”? Como isso é determinado? A lei prevê retenção do veículo para regularização — você é multado e é liberado depois que remover as inscrições, símbolos e afins. Na prática, os agentes sabem que não há como fiscalizar isso.

 

Desça descalço

O artigo 252 do Código de Trânsito considera infração dirigir com calçado que não se firme nos pés ou que comprometa a utilização dos pedais. Aparentemente é um jeito bonito de dizer que é proibido dirigir de chinelos ou sandálias, saltos e afins.

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Realmente, dirigir com um calçado que não se firme ou comprometa o uso dos pedais pode ser perigoso, mas… novamente, como fiscalizar?

A lei não proíbe que você dirija descalço, e descer do carro com um calçado desses não significa que você estava dirigindo com eles. Na prática algumas polícias não fiscalizam essa infração justamente por esse motivo. Mas se um dia você estiver dirigindo descalço e for parado por um agente, é melhor esconder o chinelo e descer do carro descalço.

Nota: não estamos dizendo que deveria ser permitido dirigir de chinelos, mas esta é uma noção que deve ser ensinada na formação do condutor em vez de considerada infração. Sendo impossível de fiscalizar, qual seu efeito prático?

 

Características alteradas

Provavelmente o mais polêmico é o artigo 230 do Código de Trânsito, que prevê multa e retenção do veículo para quem estiver conduzindo veículo com “característica alterada”. A intenção desta lei é impedir que algumas características referentes à construção e identificação do carro sejam alteradas sem controle da autoridade de trânsito. O problema é que essa lei acabou gerando algumas distorções sem o menor sentido.

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Kits de performance comprados após a compra do carro precisam de autorização do Detran

Por exemplo: é proibido alterar a potência ou cilindrada do veículo sem autorização. É proibido também alterar o sistema de freios, o sistema de suspensão e até o sistema de sinalização e iluminação sem pedir por favor ao Detran do seu Estado. Novamente as intenções são boas, mas como controlar isso? Como um agente de trânsito pode saber que seu Fiesta usa freios de Focus? Ou que seu Nissan GT-R tem um kit Hennessey que aumenta a potência original para 700 cv? Ou que seu Escort RS Cosworth (sim, há dois no Brasil) é uma versão totalmente diferente dos demais? Como identificar que seu Peugeot 308 não saiu com farois de xenônio de fábrica, e sim foi convertido posteriormente?

A questão não é sequer a impossibilidade de fiscalização, mas a pura e simples impossibilidade de controlar esse tipo de “alteração de característica”. Na maioria dos países europeus basta que os componentes sejam certificados pelo órgão fiscalizador local (como o TUV, da Alemanha) e pronto. Sem burocracia, sem bate-boca.

Você pode até argumentar que, por exemplo, um sistema de freios alterado pode comprometer a segurança, mas da mesma forma um sistema de freio sem manutenção também oferece riscos. A diferença é que circular por aí com freios mal cuidados não é infração de trânsito.