O Porsche 911 Turbo nunca foi tão comportado e semelhante aos modelos de entrada como nesta geração 992. Ou será que as versões Carrera estão muito próximas dos 911 Turbo, em termos de aparência?
Veja só: o 992 não tem mais a variável que mais distanciava os modelos radicais dos 911 mundanos: a carroceria larga, o widebody. Todas as versões, desde a Carrera até a Turbo S — e provavelmente a GT3 — têm para-lamas volumosos, que dão ao 911 um ar musculoso, ainda que ele seja o menos potente de todos os 911.
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Isso em parte se deve à filosofia de administração da Porsche, que tornou a marca uma das mais lucrativas do planeta e a mais lucrativa do mercado automobilístico. Sem variações extensas na carroceria você tem uma maior padronização e consegue ganhar na economia de escala. Em vez de fazer um para-lamas “wide” para cada 10 para-lamas convencionais, você faz 11 para-lamas iguais, reduzindo o custo.
Mas isso também é uma consequência de algo menos explícito e que foi o principal responsável por permitir que os diferentes 911 ficassem assim parecidos: a tecnologia.
Quando o primeiro 911 Turbo (o 930) apareceu, ele se diferenciava do 911 Carrera pela carroceria alargada e pelo imenso spoiler traseiro “whale-tail” (cauda de baleia). E havia uma boa razão para ele ser tão diferente: o torque do motor turbo exigia pneus largos. Os pneus largos exigiram bitolas mais largas e tudo isso precisou de um novo para-lamas bem mais largo que o original.
O spoiler whale-tail também tem essa origem: como você sabe, o turbo pressuriza o ar admitido e a pressurização aumenta a temperatura do fluido comprimido. É por isso que se usa resfriadores de ar em carros turbo, os “intercoolers”. No Porsche 930 o intercooler ficava sobre o motor, de um jeito que ele não poderia usar o tradicional spoiler ducktail, menor e mais discreto. O jeito foi criar um spoiler que ajudasse não apenas na aerodinâmica do carro, mas também na captação de ar para o resfriador. E assim ele ganhou aquela cauda enorme.
Mas em 2020 você não precisa mais ser assim radical porque, além do próprio design do carro incorporar de forma mais harmônica estas demandas de performance, a tecnologia também deu uma ajudazinha. Desde a geração passada, 991, o Porsche Turbo já não precisa de bitolas muito mais pronunciadas, porque agora há o estiramento do eixo traseiro, que conduz a traseira pelas curvas como se Derek Bell estivesse no controle. Então todos os Porsche 911 têm bitolas semelhantes (leia direito: semelhantes, não iguais) e as demandas de performance do Turbo entram na conta do eixo traseiro direcional e dos pneus e rodas mais largos e do acerto da suspensão.
A aerodinâmica também seguiu um caminho semelhante. Primeiro porque todos os carros hoje precisam ser eficientes e contidos em emissões, e parte dessas necessidades dependem da aerodinâmica — um carro mais aerodinâmico precisa de menos energia para vencer a briga contra o ar. Isso deixou mesmo carros de marcas e modelos diferentes muito parecidos entre si, imagine então as versões de um mesmo esportivo, como o 911.
Só que o 911 Turbo ainda é um esportivo que precisa domar o ar para ser rápido. Ele não pode simplesmente driblar o vento como um modelo híbrido com foco na autonomia. Então para equilibrar as demandas dos burocratas do controle climático e as demandas da performance, a solução foi usar sistemas ativos de aerodinâmica.
As tomadas de ar dos radiadores frontais, por exemplo, usam aletas ativas — um recurso razoavelmente comum hoje em dia até em carros mais acessíveis que o 911. Elas se abrem quando é preciso arrefecer os fluidos do motor, e se fecham quando o objetivo é ganhar velocidade ou ser mais eficiente.
O spoiler frontal ativo também é razoavelmente comum — surgiu em meados dos anos 1980 no Nissan Skyline GTS, foi usado pelo Toyota Supra Mk4, pelo Mitsubishi 3000GT e também no Porsche 997 e 991 — mas no 992 ele atua com variação constante de acordo com a demanda do programa de condução escolhido, em conjunto com o spoiler traseiro, que já não precisa mais parecer uma bandeja ou um andaime como em seus antecessores — o que, de certa forma, diminui sua semelhança com os carros de corrida, a única razão pela qual gostamos de carros com aerofólios e spoilers.
No 992 os spoilers se estendem 50% no modo Sport, 100% no modo Sport Plus, mas seguem sempre atuando como freios aerodinâmicos nos modos normal e Sport, além de fechar o spoiler dianteiro e manter somente o traseiro 100% estendido para transferir o equilíbrio dinâmico do carro para a traseira no programa Wet, para pisos de baixa aderência. É como a transferência de peso desejada nas arrancadas, aumentando a carga sobre o eixo traseiro para aumentar a aderência dos pneus e otimizar a aceleração e também o controle da traseira.
E isso nos traz de volta ao 930, o 911 Turbo original. Mesmo com aquele enorme spoiler traseiro ele ficou conhecido por sua traseira selvagem, difícil de controlar a ponto de dar origem ao apelido “widowmaker”, algo como “fazedor de viúvas”. Dispensa explicações, certo?
Hoje ele não tem aquele visual insano de carro de corridas, de vencedor de Le Mans, mas ele compensa essa ausência com algo muito melhor: ele se tornou um carro mais acessível. Antes você precisava ser Derek Bell para domar o 930 em alta velocidade. Hoje, esses recursos que suavizaram o visual do 911 Turbo S permitem que você se sinta como Derek Bell por alguns instantes. E ainda que boa parte da graça dos esportivos esteja no desafio de domá-los, você não quer fazer isso 100% do tempo em que está ao volante. Às vezes você só quer dirigir sem preocupações — especialmente na chuva.
Então, no fim das contas, os carros podem estar mais iguais, menos “desafiadores”, mas nada disso importa quando você está ao volante de um carro de 600 cv na pista, preparando para apontar em uma curva e ele simplesmente faz exatamente o que você espera, sem sustos, sem riscos. É o que importa, no fim das contas, não?
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