Você já deve ter ouvido diversas histórias sobre o Lamborghini Countach – aliás, nós mesmos contamos algumas delas quando listamos alguns dos motivos pelos quais ele é fodástico. Acontece que, enquanto fazíamos aquele post, esbarramos com várias razões pelas quais ele, supostamente, não é tão fantástico assim. Ainda esbarramos de tempos em tempos, na verdade.
Isto nos faz pensar naquela velha frase que ninguém sabe quem disse pela primeira vez: “never meet your heroes“. Dizem que a maneira mais eficiente de destruir a imagem que você tem de um ídolo é encontrá-lo pessoalmente, pois as chances de ele ou ela ser uma pessoa completamente diferente do que aparenta em público — ou pior, um verdadeiro babaca — são bem altas.
Se os entusiastas tendem a antropomorfizar os automóveis, atribuindo a eles características tipicamente humanas – mesmo no dia a dia, quando dizemos que certo carro é esperto, nervoso ou cheio de personalidade —, não é absurdo algum aplicar esse negócio de “nunca encontre seus heróis” a eles. O Lamborghini Countach, por exemplo, é o ídolo de quatro rodas de muita gente.
Claro, como é que não vai ser? Para começar, o Countach pegou a missão dura de substituir o belíssimo Miura e a tirou de letra. Como? Fora o fato de ter um motor V12 e ser um Lamborghini, todo o resto era completamente diferente: as formas sensuais deram lugar às retas marcantes (desenhadas pelo mesmo projetista, Marcello Gandini), o V12 passou a ser longitudinal e o exagero futurista típico da então recém-chegada década de 1970 tomou conta de tudo.
O carro ficou mais baixo e largo. Do bico ao topo do para-brisa inclinadíssimo, forma-se uma linha quase ininterrupta, e o mesmo pode ser dito do topo teto até a traseira. As portas ao estilo tesoura são sua marca registrada e facilitam o acesso ao interior. E, supondo que você tivesse passado sua vida toda esperando o momento de entrar em um Countach para uma volta, seria nesta hora que, supostamente, você começaria a se decepcionar com ele.
Foi exatamente nesta situação que Antony Ingram, da Evo Magazine, se viu. Na verdade, exatamente com estas palavras, ele disse que havia aguardado o momento de dirigir um Countach sua vida toda. Claro, é pouco provável que um dos jornalistas da Evo jamais tenha ao menos sentado em um Countach, mas até dá para deixar passar a licença poética.
De qualquer forma, Antony diz que, como a gente, já ouviu muitas coisas ruins sobre o Countach — sobre o modo como ele é apertado, difícil de manobrar, traiçoeiro e todas aquelas coisas que, no fim das contas, ouvimos falar sobre qualquer superesportivo anterior à década de 1990, quando o lendário McLaren F1 mostrou que era possível tornar o carro mais rápido do mundo em algo utilizável regularmente.
O Lamborghini Countach, no entanto, chegou antes disso. Ele foi o topo-de-linha da marca por quase vinte anos (de 1974 a 1990), e ainda tinha a obrigação moral de ser chocante e valorizar o desempenho acima de qualquer tipo de conforto. E a imprensa comprou o argumento: fora todos os reviews escritos que exaltavam seu desempenho e seu visual e, ao mesmo tempo, diziam que era um carro quase impossível de ser guiado por mais que vinte minutos, Jeremy Clarkson — goste você dele ou não, um dos mais influentes jornalistas/críticos automotivos dos últimos anos — colaborou com isto ao demonstrar em vídeo todas as agruras de se dirigir um Countach no mundo real.
Você provavelmente já viu este vídeo e, dependendo da sua idade, é provavelmente por causa dele que você tem até medo de um dia dirigir um Countach. Imagine só, ter que sentar na soleira da porta e olhar para trás se quiser andar de ré, pois o vigia traseiro é praticamente decorativo!
Esta parte não era exagero. Na verdade, quase nada do que Clarkson diz no vídeo é exagero, como Antony confirma ao longo de quase nove minutos com um Countach LP400 S 1981. Ele nem é um cara tão alto, mas suas pernas ficam tortas. O volante fica mais para a esquerda e os pedais, mais para a direita, por causa das enormes caixas de roda. Não dá para enxergar muita coisa além do que se vê pelo para-brisa, pois as colunas “A” tornam gigantescos os pontos cegos do carro. E o interior cheio de quinas, botões e materiais (de qualidade apenas razoável) é quente como o inferno, pois o sistema de ar-condicionado só foi se tornar um opcional disponível lá em 1989, quando o Countach já estava para dar lugar ao Diablo. E a direção é mesmo pesada, sem qualquer tipo de assistência.
E tem mais: o motor é um belíssimo V12 de quatro litros capaz de girar a mais de 8.000 rpm e entregar… 355 cv, potência que já está sendo superada por hatchbacks com motor de quatro cilindros (Ford Focus RS e Mercedes-Benz A45 AMG, estamos falando com vocês). Era o suficiente para levar o LP400 S até os 100 km/h em menos de seis segundos, com máxima de 254 km/h. Mesmo que isto pareça pouco para os padrões atuais, ainda é um desempenho para lá de interessante. E que ajuda esquecer os defeitos do Countach.
Claro, você se senta todo torto e não consegue enxergar muita coisa para fora do carro — tudo isto enquanto sua feito um porco. Mas, em alta velocidade, o volante fica leve. A suspensão trabalha da forma como foi projetada para fazer. O ronco do V12 a centímetros dos seus ouvidos ensurdece e estimula. Você deixa de se preocupar com a dificuldade para entrar no carro porque, honestamente, você não quer mais sair. E, cara, honestamente, esta experiência barulhenta e totalmente mecânica é um dos principais argumentos da galera que defende com unhas e dentes que qualquer carro antigo é melhor que qualquer carro novo. Mesmo que você não concorde, admita, dá para entender este argumento.
O Lamborghini Countach LP400S que aparece nos vídeos e fotos foi cedido pela RM Sotheby’s, que o leiloará durante o Retromobile em Paris no início de fevereiro, e a agência espera arrecadar algo entre £ 200 mil e £ 250 mil — por volta de R$ 1,17 e R$ 1,47 milhão, em conversão direta. Talvez seja uma boa ideia comprá-lo e descobrir, na prática, como é conviver com um Countach…