É o fim de uma era. Eu não gostaria de começar o texto com este clichê, mas os clichês só existem porque funcionam e, nesse caso, não há forma melhor de expressar o que significa o fim do Volkswagen Gol. Foram 42 anos com o carro que talvez melhor tenha expressado o Brasil sobre rodas — começando pelo nome, que seguia a temática esportiva da Volkswagen da época, mas que acertou em cheio o imaginário do brasileiro comum.
O Gol nasceu com a difícil missão de substituir o Fusca no Brasil, algo que outros modelos já haviam tentado sem sucesso, em especial a Brasilia, que mantinha as qualidades do Fusca em um pacote mais racional em termos de aproveitamento de espaço, mas que não conseguiu superar o antecessor e até mesmo saiu de linha quatro anos antes dele.
A missão do Gol era dupla, na verdade. Ele não tinha apenas que substituir o Fusca, mas também modernizar a Volkswagen no Brasil. O problema é que, mesmo com um visual moderno, inspirado não pelo Golf e Polo, mas pelo atraente Scirocco, de Giugiaro, mesmo com outros três modelos de passeio com o motor arrefecido a ar, e mesmo com o sucesso do Passat com o motor E827, a Volkswagen achou uma boa ideia lançar o Gol com o antiquado motor de cilindros contrapostos com arrefecimento a ar.
É claro que não deu muito certo. Por que ter o Gol se dava para ter a Brasilia ou o Passat? Ou o Fusca, que tinha muito mais liquidez? A história é conhecida: a Volkswagen decidiu lançar o Gol GT e, finalmente, dar a ele o motor merecido desde o início. Foi um sucesso de público e crítica, e também foi o início do Gol como conhecemos e como o Brasil aprendeu a gostar. Quando o Fusca finalmente saiu da frente em 1986, ao ser tirado de linha, o Gol finalmente estava livre para brilhar.
E como brilhou: foi o carro mais vendido em 1987. Depois em 1988. Depois em 1989, 1990, 1991 e assim sucessivamente por 27 anos consecutivos, até 2015, quando foi superado pelo Fiat Palio. Desde então o Gol nunca mais foi o mesmo. A chegada do Up, o fôlego do Fox e a renovação do Polo tornaram aquele conceito pouco interessante.
De repente, o Gol não era mais tão legal quanto seus irmãos. Foi simplificado a ponto de ser comprado majoritariamente por frotistas, que ainda viam nele um projeto eficiente, confiável e bem-resolvido — e certamente conseguiam um bom desconto na negociação em grande volume. Com o fim do Up, do Fox e com os problemas na cadeia de fornecimento de componentes, o Gol ainda teve um último tiro nesta reta final da sua carreira, chegando ao topo do ranking de vendas no mês de julho deste ano.
Agora, ele deixa de ser oferecido, substituído pelo Polo Track, que passa a ser o novo carro de entrada da Volkswagen no Brasil, partindo de R$ 80.000.
Nestes quase 43 anos, o Gol também foi um sobrevivente. A matriz da Volkswagen alemã, segundo fontes ligadas à marca, sempre procurou formas de substituí-lo por um produto global. A vinda do Polo e a tentativa de substituí-lo pelo Fox e depois pelo Up são sinais claros disso. Mas desta vez não deu. A existência do Gol já estava fragilizada demais para superar a atual conjuntura sócio-econômica global.
E assim o Gol se despede, um pouco decadente, mas valente até o último momento. É realmente o fim de uma era. Todo brasileiro com menos de 42 anos não sabe como são as ruas sem o Gol. Mesmo o “menos jovem” da nossa equipe, tinha apenas 12 anos quando ele deu as caras. Fez parte das nossas vidas e agora não faz mais. É muito tempo. Tanto tempo, que o mundo era um lugar muito diferente quando o Gol foi lançado. Veja só:
Emerson Fittipaldi ainda estava na Fórmula 1 – Alex Dias Ribeiro também
Emerson deixou a Fórmula 1 ao final da temporada de 1980, quando subiu ao pódio pela última vez após chegar em 3º lugar no GP do Oeste dos EUA, vencido por Nelson Piquet, que subia ao pódio pela segunda vez. Isso significa que, em 1979, o último ano sem o Volkswagen Gol nas ruas, Piquet ainda não tinha um único pódio na F1. Ayrton Senna estava disputando o Mundial de Kart pela segunda vez.
Além de Emerson e Piquet, o outro brasileiro na Fórmula 1 naquele ano foi Alex Dias Ribeiro, amigo e antigo chefe-tutor de Nelson Piquet na oficina Câmber, em Brasília/DF. Ribeiro participou das duas últimas etapas do campeonato pela March, mas não conseguiu classificar para as provas.
Os Dodge brasileiros ainda estavam em produção
Quando o Gol chegou às lojas, toda a linha Dodge que fez sucesso nos anos 1970 por aqui — Dart, Charger, Magnum, Polara, Le Baron e Gran Sedan — ainda eram produzidos. Eles só saíram de linha em 1981, depois que a Volkswagen (que havia comprado Chrysler do Brasil no ano anterior) encerrou a produção para basicamente eliminar a concorrência.
O Maverick ainda era produzido e o Opala estava na primeira “geração”
O Ford Maverick e o Opala de primeira “geração” quase coexistiram com o Gol. O primeiro deixou de ser produzido no início de 1979. O segundo, foi reestilizado justamente em 1980, recebendo um novo conjunto óptico retangular, mais alinhado com a tendência de estilo da época — em 1978 o Corcel II estreou os faróis retangulares no mercado Brasileiro.
Outro carro de outra realidade que ainda estava em produção quando o Gol apareceu era o Ford Galaxie, que havia sido transformado em Landau em 1971 e permaneceu até, pasmem, 1983! Isso também significa que o Gol é mais antigo que o Del Rey, que só apareceu depois que o Landau deixou as linhas de produção.
O Grupo B ainda não existia
Sim, o Gol era mais antigo que o Grupo B. A categoria só foi introduzida em 1982, depois da revisão do Apêndice J que transformou os Grupos 1 e 2 nos novos Grupos N e A, e unificou os regulamentos do Grupo 3 e 4 sob o novo regulamento do Grupo B.
Curiosamente, o Grupo B teve seu auge justamente quando o Gol deslanchou, entre 1984 e 1986. Foi o período em que a Volkswagen colocou o motor EA827 1.8 no lugar do velho boxer e fez o GT.
A TV brasileira era bem diferente
Quando o Gol foi lançado o SBT e a TV Manchete ainda não existiam. O canal do Silvio Santos foi fundado somente em 1981, e a Manchete, que nem existe mais, só entrou no ar em 1983. Outra curiosidade é que Fausto Silva (acima) ainda era radialista — repórter de campo da Rádio Globo na época do lançamento do Gol, depois co-apresentador do programa Balancê na Rádio Bandeirantes. Ele só estreou na televisão em 1984.
Todos os Beatles estavam vivos
O Gol foi lançado no mesmo ano em que John Lennon completou 40 anos. Tragicamente, também foi o ano em que John Lennon foi assassinado por Mark Chapman, em frente ao edifício Dakota, onde vivia em Nova York. Com a morte de Lennon, o “sonho acabou”: os Beatles jamais voltariam a se reunir.
Os outros três membros remanescentes, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr ainda se uniram para fazer o projeto Anthology, em 1995, usando gravações antigas de John Lennon. Em 2001, George Harrison foi vencido por um tumor no cérebro e, desde então, somente Paul e Ringo têm conduzido a história do Fab Four para as novas gerações.
A Ferrari Testarossa ainda não existia…
Um dos maiores ícones do universo dos supercarros dos anos 1980, a Ferrari Testarossa, ainda não existia em 1980, quando o Gol foi lançado. A Ferrari ainda vendia a 512 BB naquele ano, compartilhando o topo da gama com a Ferrari 412.
… o Porsche 956 também não…
Outro ícone dos anos 1980 foi o Porsche 956. O carro dominou as 24 Horas de Le Mans naquela década, vencendo as edições de 1982, 1983, 1984 e 1985, mas ainda não existia em 1980. Sua estreia foi justamente no ano em que venceu a 24 Horas de Le Mans pela primeira vez, 1982.
… e o Lamborghini Countach corria o risco de sair de linha
Além da Ferrari Testarossa, o Lamborghini Countach foi o outro grande supercarro dos anos 1980. Mas ele quase não foi. Em 1978 a Lamborghini entrou em recuperação judicial porque seus carros simplesmente não vendiam o suficiente para bancar a empresa.
Por sorte, um dos clientes da Lamborghini era Walter Wolf, que tinha um Countach e pediu para a própria fabricante tornar o desempenho do carro condizente com o visual futurista da carroceria. E foi a partir destas alterações bancadas por Wolf que a Lamborghini desenvolveu as evoluções que foram aplicadas nos Countach de série a partir de 1982.
Como o Countach salvou a Lamborghini com uma asa em V e para-lamas alargados
Com as mudanças, o carro ganhou outra personalidade e se tornou um sucesso de vendas — ele foi o Lamborghini mais vendido até a chegada do Diablo.
O GP Strecke de Nürburgring ainda não existia
Pois é, você sabe que o GP Strecke, o circuito de Grand Prix de Nürburgring, foi inaugurado no início de 1984 com uma corrida entre pilotos da Fórmula 1 em carros iguais, o recém-criado Mercedes 190E 2.3-16 Cosworth. Naquele ano o Gol já tinha quatro anos de estrada e estava prestes a ganhar a versão GT.
Interlagos ainda tinha seu traçado original
Enquanto isso, no Brasil, Interlagos ainda tinha seu traçado original, a velha pista com quase oito quilômetros de extensão que foi, segundo os pilotos da época, uma verdadeira escola de pilotagem, além de ser um dos circuitos mais completos da Fórmula 1 em termos de variação de nível, tipos de curva e variação de velocidade média.
A reforma, como bem sabemos, aconteceu no fim dos anos 1980, quando o Gol já era o carro mais vendido do Brasil — e já tinha até sido reestilizado.
O BMW M3 não existia. Nem o M5
Pois é… tanto o BMW M3 quanto o BMW M5 só foram inventados nos anos 1980. Em 1980, quando o Gol foi lançado, os único M car disponível era o M1. O primeiro BMW M moderno, como conhecemos até hoje, veio no final daquele ano, na forma do M535i, baseado no 535i da geração E12, mas com motor 3.5 de 218 cv em vez do 3.2 de 200 cv da versão amansada.
O M5 só apareceu em 1984, mesmo ano em que foi lançado o M635CSi ou M6. O M3 foi lançado somente dois anos depois, em 1986.
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