Um dia os carros da Stock Car eram carros stock realmente, ou seja: carros com características originais, modificados para as pistas. Lá fora e no Brasil. Por aqui, a categoria nasceu em 1979, em uma iniciativa apoiada pela GM do Brasil — que se tornou organizadora da categoria até 2003, quando a Vicar assumiu o comando.
Foi também quando os carros de verdade foram substituídos por bolhas de material compósito cobrindo chassis feitos sob medida e motores V8 5.7 derivados do small block da Chevrolet. Outras marcas entraram na categoria, mas apenas estampando seus emblemas e colocando as lanternas nos carros de corrida. “Stock Car” virou apenas um nome ligado à tradição.
A mudança, embora passível de críticas foi, de certa forma, positiva. No tempo em que a publicidade das fabricantes não hesitava em confundir as bolhas e os carros de rua, como se o Peuvrolet que ganhou as corridas fosse o mesmo das lojas, mas ao mesmo tempo, essa mudança para chassi e motor únicos permitiu a sobrevivência e a permanência da categoria até hoje.
Foi o que permitiu, por exemplo, que ela se tornasse uma categoria de “SUV”, como foi anunciado nos últimos dias. Todo mundo sabe que não é um SUV de verdade. Mas vamos lá… que carro eles poderiam mimetizar na Stock? Onix Sedã e Yaris? Além disso, as silhuetas ficaram parecidas com peruas. Vai que o povo gosta e começa a querer esse tipo de carro de novo…
Agora… já que o mundo moderno não permite mais vermos carros de rua modificados correndo na stock (seria legal ver um Tracker turbo contra um Corolla Cross aspirado, não?), só nos resta relembrar como era pilotar um Opala de Stock nos velhos tempos.
Se hoje basta uma procura rápida para encontrar dezenas de vídeos onboard modernos, o mesmo não vale para os primórdios da competição. Na verdade, os vídeos onboard só ficaram populares de verdade nos anos 1990. Pode procurar aí no YouTube onboard das corridas de Fórmula 1 nos anos 1980. Difícil achar muito mais que 10 ou 20 diferentes.
Por sorte, em 1985 a Bandeirantes publicou uma matéria com o Opala do piloto Luis Pereira, da equipe Havoline Texaco, então o terceiro colocado na briga pelo título daquele ano — que acabou entregue a Ingo Hoffman.
O repórter Eduardo Savoia foi até Interlagos para dar uma volta no carro – aparentemente sem assistência, acompanhado apenas de uma câmera. Embora a qualidade da imagem não seja tão boa e o som seja acompanhado de um persistente chiado (as agruras da conversão de fitas VHS para arquivos digitais), é possível notar como a Stock Car era “raiz” em 1985.
A reportagem não é muito técnica, mas tem seu valor por nos mostrar como era um Opala da Stock Car por dentro – e também por nos deixar ouvir o ronco do seis-em-linha. Na época, os Opala fornecidos pela própria Chevrolet não eram tão diferentes assim dos carros que se viam nas ruas. O monobloco era exatamente o mesmo, porém reforçado com uma gaiola de proteção integral. O interior era simplesmente extirpado de quaisquer itens desnecessários para uma corrida, incluindo todos o acabamento – revestimentos de porta, carpete, tapetes, tabelier do painel de instrumentos e todos os bancos (exceto o do piloto, obviamente).
Logo que se vislumbra pela primeira vez o interior do carro (aos 1:18 do vídeo), é possível ver que a porta conta apenas com a chapa externa, com duas travessas metálicas cruzadas para aumentar a rigidez da peça sem aumentar demais o seu peso.
Também dá para ver o painel de instrumentos minimalista, com o conta-giros em destaque e uma caixa com os demais instrumentos auxiliares, além dos comandos para dar a partida: uma chave geral, uma chave para a ignição, uma chave para a bomba elétrica e o botão para ligar o motor. No caso do carro de Luis Pereira, o banco era do tipo concha, mas havia pilotos que corriam com o banco original do carro, adaptando um cinto de três pontos para ter maior segurança.
Este, aliás, também usava como base o projeto original nos anos 70: o bloco do motor 4100 era exatamente igual ao dos Opala de rua, por exigência do regulamento, sendo permitidas modificações como a troca de pistões e bielas, rebaixamento do cabeçote (para obter uma taxa de compressão bem maior, de até 12:1, contra 7,8:1 originais) e retrabalho de fluxo no carburador que vinha de fábrica.
Também se podia usar coletores de admissão e escape retrabalhados. Geralmente a potência dos motores ficava entre 220 e 230 cv líquidos – um bom acréscimo em relação aos 171 cv de fábrica do motor 250-S.
A suspensão usava o arranjo original, com braços sobrepostos na dianteira e eixo rígido com barra Panhard na traseira, porém com modificações nos ângulos de cambagem, cáster e convergência – que tornavam o cupê da Chevrolet mais esperto nas curvas, porém ainda traiçoeiro nas retomadas de velocidade. Ainda era fácil perder a traseira do Opala, mesmo com preparação para as pistas.
A matéria é interessante porque ser um piloto da Stock Car nunca foi para todo mundo. A Chevrolet até dava uma mãozinha, oferecendo carros semi-prontos aos que se interessassem em correr, mas não era assim tão fácil.
Em teoria, qualquer piloto amador podia comprar um Opala e correr na Stock Car, porém o custo elevado da categoria – que incluía, além do carro, despesas com combustível, peças sobressalentes e, claro, a infraestrutura de uma equipe – acabava agindo como peneira, e apenas os que obtivessem patrocínio conseguiam ser competitivos ao longo de toda uma temporada.