Por mais que nós, entusiastas, prefiramos manter nossos carros bem cuidados e conservados, robustez e resistência ao uso intenso (para não dizer abusivo) são qualidades admiráveis, também. Gostamos de veículos simples e rústicos, feitos para enfrentar condições adversas sem reclamar; de projeto antigo e eficiente e capazes de permanecer rodando por décadas a fio com manutenção de rotina, seja porque são de fato duráveis ou porque, bem… não há muito o que estragar.
E você não precisa ir atrás de um Land Rover Defender das antigas, um Jeep Wrangler ou, sei lá, um Lada Niva. Um utilitário muito mais bucólico, simpático e abundante em terras brasileiras também se encaixa neste nicho: nossa Velha Senhora, a Volkswagen Kombi. Ok, ela foi criada em 1950 e permaneceu com o mesmo projeto básico por nada menos que 64 anos, mas isto só aconteceu porque “não se mexe em time que está ganhando”.
A Kombi podia ter uma dinâmica ruim e não ser exatamente um veículo seguro, mas era barata (ou não tão cara) e durava muito tempo. E, graças a sua construção, podia até ser desfigurada pelo tronco de uma árvore e continuar rodando normalmente. Eis a prova:
Mas como isto aconteceu? Como esta Kombi ainda anda por aí, com esta traseira empinada e este queixo para o alto, como se não tivesse acabado de passar por uma experiência de quase-morte?
Bem, no último dia 6, uma tempestade atingiu a cidade de Rio Negrinho/SC. Os fortes ventos e a chuva violenta chegaram a derrubar algumas árvores, e uma destas árvores acabou atingindo esta Kombi 2006 no pátio da empresa onde prestava serviço.
Por sorte, não havia ninguém dentro da Kombi quando isto aconteceu. Assim, logo que o susto passou, o pessoal da empresa catarinense constatou que a perua ainda conseguia andar, e um deles a levou rodando para o galpão. O cara precisou entrar e sair da Kombi pelo para-brisa, mas conseguiu conduzi-la sem problemas e até ensaiar um “zerinho”. Brasileiro é isso aí mesmo, não adianta.
Ok, mas como a Kombi conseguiu continuar rodando depois de quase praticar mitose involuntária? É simples, amigos: tem a ver com sua própria natureza.
Você já deve lido por aqui mais de uma vez que a Kombi compartilhava seu layout mecânico com o Fusca, embora dispensasse a construção por carroceria sobre chassi e adotasse uma espécie de estrutura híbrida, com carroceria monobloco reforçada por longarinas. Os bancos da frente eram deslocados para ficar sobre o eixo dianteiro, deixando todo o entre-eixos de 2,4 metros livre para carga ou passageiros. Assim como no Fusca, o motor e a transmissão (que, na verdade, era um transeixo) ficavam lá atrás.
Por conta disto, a distribuição de massas da Kombi ficava toda esquisita e o centro de gravidade, longe do chão. Consequentemente, o comportamento dinâmico dela não era dos melhores (a suspensão também não ajudava muito, com sua tendência a dobrar as rodas para dentro). No entanto, foi este arranjo um dos fatores que possibilitaram à perua de Santa Catarina continuar rodando mesmo com um dano tão severo.
Isto porque, apesar de ter dobrado a Kombi ao meio, a árvore não teve força suficiente romper as poucas conexões entre a traseira e a dianteira do veículo. Nas Kombi mais antigas, estas ligações resumem-se, basicamente, a fiação elétrica e linhas de freio. As rodas dianteiras não são ligadas às rodas traseiras e não há cardã, afinal, motor e câmbio ficam juntos na traseira e sequer tomaram conhecimento do tronco que atingiu a van. No exemplar em questão, com motor 1.4 arrefecido a água (o mesmo do VW Fox exportado para a Europa) ainda há o radiador e toda a tubulação do sistema de arrefecimento, mas como passam pelo fundo do carro, eles também não foram danificados o bastante para impedir o funcionamento da perua.
O outro fator é (quase) inexistência de itens eletrônicos. No caso da Kombi com motor 1.4, ainda que o carburador já seja parte do passado, há apenas o módulo de injeção e ignição lá atrás. É claro que, com o comprometimento de itens como o painel de instrumentos, a ventoinha do radiador ou os faróis e lanternas, a perua jamais poderia rodar por um longo período. Mas do estacionamento da empresa até o galpão? Sem problemas.
Em um carro mais moderno, haveria mais módulos eletrônicos espalhados por toda a sua extensão. O funcionamento destes módulos costuma ser todo interligado e, quando um deles falha (ou é atingido por uma árvore), a chance de o carro todo simplesmente parar de funcionar por completo é muito maior.
É por esta mesma simplicidade que é possível encurtar o entre-eixos da Kombi, criando o chamado “Shorty Bus”. No caso da Kombi de Santa Catarina, está mais para “Crushy Bus”… e seu destino provavelmente será o ferro-velho.