Chega a ser curioso como algumas das propostas de solução para os problemas do mundo olham para o passado, em vez do futuro. Veja o caso da propulsão dos carros, motos e caminhões, por exemplo: a tendência para as próximas décadas é que a indústria substitua gradualmente os motores de combustão interna por motores elétricos.
Embora a eletricidade seja vendida como algo do futuro, os motores elétricos nasceram praticamente na mesma época que os motores de combustão interna. E eles foram usados para mover automóveis entre o final do século 19 e o início do século 20 até que sucumbiram devido às facilidades de uso dos motores de combustão. É por isso que o que está limitando os carros elétricos atualmente não é a tecnologia de motores, mas a geração e armazenamento de energia para alimentá-los. Exatamente o mesmo problema que os derruba toda vez que eles tentam levantar.
É por isso que, como já dissemos por aqui, os carros terão um momento de transição no qual os motores de combustão interna serão cada vez mais eficientes — não somente em termos de emissões e consumo, mas também na transformação de energia térmica em energia mecânica. E neste processo de otimização da combustão interna, surge um velho conceito renovado e dotado das tecnologias que surgiram enquanto ele adormecia: o motor de pistões opostos.
Não confunda com os motores boxer e flat; estes são motores de cilindros opostos. Os motores de pistões opostos são exatamente o inverso. Em vez de comprimir a mistura ar-combustível contra uma câmara de combustão no cabeçote, eles comprimem a mistura ar-combustível contra um pistão opositor que corre no mesmo cilindro. Com ignição por compressão, o combustível (diesel) é injetado próximo ao ponto-morto superior dos pistões.
Por terem pistões opostos, cada extremidade do cilindro tem um virabrequim (os dois são conectados à arvore de saída por engrenagens), mas não têm trem-de-válvulas nem cabeçotes. Essa configuração também exige o ciclo de dois tempos, pois a admissão e o escape dos gases são feitos por janelas abertas e fechadas pelo movimento dos pistões.
Esse tipo de motor também foi inventado no século 19 e teve seu auge nos primeiros anos do século 20 — em especial com os motores aeronáuticos Junkers Jumo movidos a diesel — mas por não conseguir competir em eficiência com layouts mais convencionais, acabaram em desuso por volta da década de 1940. Agora, eles foram trazidos do passado e ganharam tecnologias modernas como uma aposta para um futuro próximo, no qual as regras de emissões e consumo serão ainda mais exigentes e restritivas.
A aposta é de uma empresa americana chamada Achates Power, que desde 2012 está desenvolvendo um motor de pistões opostos com potencial para ser 30% mais eficiente que os motores diesel de deslocamento semelhante e até 50% mais eficientes que os motores Otto semelhantes, ao mesmo tempo em que atende às regulamentações previstas para 2025. A Achates afirma que seu motor de três cilindros (seis pistões) e 2,7 litros produz 274 cv e 66,2 kgfm.
Segundo a Achates Power, isso é possível fundamentalmente devido à ausência dos cabeçotes, que são o componente que mais dissipa calor em motores convencionais. Com o calor que normalmente seria dissipado pelo cabeçote concentrado entre dois pistões, é possível usar mais energia térmica para produzir trabalho. Além disso, sem um trem de válvulas não há a carga sobre o virabrequim causada pela sincronização dos comandos nos motores convencionais.
A Achates afirma também que a eficiência é otimizada pelo ciclo de dois tempos, que produz potência a cada volta do virabrequim, enquanto no motor quatro-tempos cada ciclo precisa de duas voltas. Os motores dois-tempos, contudo, não são usados atualmente devido às emissões elevadas de hidrocarbonetos, causadas pelo arraste/sucção excessivo dos gases do cilindro, que tem as janelas de escape e admissão abertas a cada descida do pistão.
No motor da Achates, a empresa diz que o posicionamento das janelas de admissão e escape em extremidades opostas do cilindro tornam o arraste/sucção mais eficientes. As janelas de escape abrem antes da janela de admissão, reduzindo a pressão dentro do cilindro, o que ajuda a aumentar o volume de ar fresco admitido, junto de um compressor de polia, e na expulsão dos gases resultantes da combustão restantes — o que controla o nível de emissões de hidrocarbonetos. Além disso, para não expelir óleo lubrificante como nos motores dois-tempos comuns, a saia dos pistões cobre as janelas mesmo quando os pistões se encontram no ponto morto superior, desta forma a lubrificação pode ser feita por spray de óleo, como em um motor quatro-tempos convencional.
Ainda de acordo com a Achates, seu motor de pistões opostos já completou mais de 5.000 horas de testes em dinamômetro, e recebeu investimentos das forças armadas dos EUA para desenvolver um motor para um futuro veículo de combate. A empresa também anunciou em 2017 que assinou um contrato de parceria de desenvolvimento com nove fabricantes e um contrato de licenciamento com um fabricante, que, segundo a Achates, já está preparando o ferramental para produzi-lo em larga escala.
Apesar de o protótipo usar diesel, essa configuração prevê também o uso de gasolina com ignição por compressão por meio de taxas de compressão elevadas, como no motor Skyactiv da Mazda, o que o coloca como uma opção promissora para o futuro.