Já calejado por notícias ruins, o mundo assistiu ao encalhamento do Ever Given e o consequente bloqueio do Canal de Suez – também conhecido como “o canal mais importante do mundo em rotas comerciais e o único que realmente não poderia ser bloqueado de forma alguma” – com um misto de preocupação e divertimento. À parte da preocupação real com o impacto do bloqueio na logística global, centenas de memes foram feitos com a situação. Que é mesmo cômica, à parte de toda a tragédia.
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Porém, o show acabou – ou está perto de acabar. Isto porque o Ever Given finalmente foi desencalhado nas primeiras horas da manhã de ontem (29) e, exatamente às 15:05 no horário local (10:05 da manhã por aqui), foi colocado em movimento novamente – seis dias e algumas horas depois de encalhar. Não apenas o Ever Given, mas cerca de 360 outras embarcações congestionadas no Canal de Suez puderam seguir viagem.
Mas como isto foi feito? E por que uma operação relativamente simples demorou tanto? Calma: temos respostas.
Como você deve ter imaginado, a operação envolveu principalmente o uso de escavadeiras e rebocadores. As escavadeiras foram utilizadas para, bem, cavar ao redor do casco do navio, tanto na proa quanto na popa, para liberar espaço nas margens do canal e permitir que o se pudesse “manobrar” o cargueiro enquanto os rebocadores o puxavam.
Não é difícil entender por que o Ever Given ficou preso no Canal de Suez. Em seu ponto mais largo, o curso d’água tem pouco mais de 200 metros de largura, enquanto o cargueiro tem 399,8 metros de comprimento – quase o dobro. A profundidade do navio (a distância entre o nível da água e o ponto mais baixo do casco), de 15 metros, é considerada segura para atravessar o canal, bem como seus 60 metros de largura. Mas, por conta do enorme comprimento, qualquer desvio de curso poderia causar problemas. E foi exatamente o que aconteceu quando fortes ventos laterais atingiram o Ever Given e o condutor não foi capaz de corrigir sua rota.
O enorme peso do navio – 224.000 toneladas (ou 224.000.000 kg) – garantiu que a proa e popa do barco se enterrassem firmemente nas margens. Então, naturalmente, o trabalho começou com a escavação da areia em volta do casco. Escavadeiras trabalharam dia e noite ao longo de seis dias, removendo mais de 30.000 metros cúbicos de areia.
No início, a prioridade foi escavar a areia ao redor da proa, de modo a liberar espaço para que o Ever Given se deslocasse para a frente – consequentemente, liberando a popa ao mesmo tempo. Não existe solução mágica: o tamanho das escavadeiras comparadas ao navio dá uma ideia do volume de areia que teve de ser removida – e essas coisas demoram.
Ao mesmo tempo em que as escavadeiras removiam a areia da margem, dragas ajudavam a remover areia do fundo do canal onde a proa do barco estava alojada, complementando o trabalho feito na superfície. Algumas dragas utilizam uma garra subterrânera para remover os sedimentos e despejá-lo nas margens. Nesta operação, porém, uma draga especial de sucção – que já opera normalmente no Canal de Suez para mantê-lo sempre na profundidade ideal – foi utilizada para acelerar o processo. A draga de sucção utiliza bombas a vácuo para sugar os sedimentos e os despeja por um sistema de dutos, e é capaz de deslocar 2.000 m² de material por hora.
Abrir caminho para que o Ever Given pudesse se mover era só metade do trabalho – também era preciso… movê-lo, claro. E, para isto, foram utilizados rebocadores – 14 deles ao todo. De um lado, barcos presos por cabos puxavam a proa do cargueiro em sentido anti-horário e empurravam a proa em sentido horário, fazendo assim o barco “esterçar” para a esquerda. Do outro lado, acontecia o oposto: os rebocadores se posicionavam paralelamente ao casco e empuravam a proa ao mesmo tempo em que outros, presos por cabos, puxavam a proa. No total, 14 navios rebocadores foram utilizados para manobrar o navio no espaço recém-aberto. Por precaução, navios grandes como o Ever Given possuem pontos de ancoragem reforçados no casco, especialmente para que se possa usar rebocadores nestas situações.
O processo foi repetido ao longo de uma semana, dia e noite, ininterruptamente. Na noite de domingo a força-tarefa conseguiu desencalhar a popa do Ever Given, e a proa foi desencalhada na manhã de segunda-feira. O processo de “endireitamento” do navio seguiu até as 15:05 no horário local (10:05 no Brasil), quando o Ever Given foi declarado livre e capaz de mover-se por conta própria novamente.
Segundo as autoridades envolvidas no desencalhe do cargueiro, a lua cheia e a maré alta ajudaram, pois a profundidade do Canal de Suez aumentou levemente e facilitou o trabalho dos rebocadores.
Assim que o Ever Given foi colocado em movimento novamente, foi realizada uma análise da integridade do leito do canal a fim de determinar se era seguro retomar o tráfego de embarcações pela via. Às 19h, a passagem de navios foi liberada. O Canal de Suez opera normalmente agora.
E se não desse certo? O uso de rebocadores, escavadeiras e dragas era o plano A, mas havia ao menos uma alternativa: reduzir o peso do Ever Given removendo sua carga e o combustível dos reservatórios. Era esta possibilidade que as autoridades egípcias consideravam quando disseram que o bloqueio da passagem poderia durar “semanas”.
Isto porque não é só ir removendo contêineres (20.000 deles, cada um com 20 pés de comprimento) usando um guindaste gigante: é preciso remover os contêineres corretos, pois retirá-los de forma indiscriminada poderia causar um desequilíbrio de massas e afundar o Ever Given – o que aumentaria exponencialmente a dificuldade para reabrir o Canal de Suez.
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