Forza Motorsport e Gran Turismo dividem o universo dos gamers assim como Ford e Holden dividem os australianos e Senna e Piquet dividem os brasileiros. Mas diferentemente das outras rivalidades gearheads, há uma unanimidade entre os gamers: o ronco dos carros em Gran Turismo não é nada legal.
Na verdade, isso é uma característica tão marcante que até mesmo o próprio criador da série, Kazunori Yamauchi, admitiu que não está satisfeito com o som dos carros em Gran Turismo. Sério, ele falou isso na primeira postagem de seu novo blog no site da Polyphony e explicou em detalhes a evolução da gravação dos roncos para Gran Turismo, desde o primeiro jogo, até GT6.
Segundo Kaz, houve três “eras” na gravação dos roncos do game. A primeira delas, logicamente começou com o jogo e se estendeu até 2003, abrangendo, portanto, GT4.
Nessa época o carro era colocado em ponto morto e eles aceleravam o carro do ponto morto até cada marca de 1.000 rpm e seguravam a aceleração na rotação determinada (mentalize isso, faz todo o sentido!) com os microfones no interior do carro, no lado de fora, no cofre do motor e onde mais fosse preciso. No fim, eles mixavam os arquivos para chegar ao ronco final. Esse método de gravação, embora fosse simples, permitia notar a diferença entre os tipos de motor: quatro e seis-em-linha, V6 ou V8 etc. Era possível até recriar a variação do comando em um motor Honda VTEC.
O problema desse método é que o motor trabalha sem carga, com o acelerador pouco aberto. Você já deve ter notado isso ao acelerar o carro em ponto morto — é um som magro, sem o punch que se ouve (e sente) em uma aceleração real com o carro em movimento. A própria equipe da Polyphony reconhecia desde aquela época que estes não eram o tipo de ronco ideal para o game.
O ronco de um carro — que não depende só do escape, mas também da admissão — soa melhor com o motor sob carga total ao longo de sua faixa de potência, quando o fluxo de ar está em seu máximo através do motor. Acontece que para capturar a amostragem do som do carro para usar no game, é preciso gravar os motores por ao menos um segundo completo com aceleração estável, sem variação de tonalidade do ronco. Eles tentaram gravar o carro acelerando em linha reta e depois editar a gravação para eliminar as variações de tonalidade, mas o resultado não ficou bom. Depois, eles tentaram gravar usando um dinamômetro de rolo, mas o dinamômetro fazia tanto barulho quanto os motores e acabava capturado pelos microfones ultra sensíveis usados nesse tipo de trabalho.
O jogo começou a virar (sem trocadilhos) em 2003, quando Kazunori conheceu o sr. Tanabe, proprietário da Amuse, uma das maiores preparadoras do Japão. Para fazer os acertos finos dos motores, o sr. Tanabe usava um dinamômetro de chassi chamado Dynapack, que se mostrou perfeito para capturar o ronco dos motores.
Os dinamômetros de chassi (acima) servem para a mesma finalidade dos dinos de rolo, mas nesse tipo de modelo, o dinamômetro aplica carga ao carro conectado diretamente ao cubo das rodas motrizes. Como ele é parafusado diretamente ao cubo de roda, não existe o risco de deslizamento dos pneus, nem o ruído do atrito com os rolos, além de permitir a variação da carga do motor de acordo com a necessidade. Você pode, por exemplo, manter o motor a 3.000 rpm com o acelerador no talo como acontece em uma subida, por exemplo).
Alguns carros já foram gravados com a ajuda do Dynapack — segundo Kaz, os carros que têm o melhor ronco no jogo foram gravados com esse dinamômetro.
Então por que raios eles não gravaram todos os carros do game com um desses? O primeiro problema é que um dinamômetro de chassi não é um equipamento simples de transportar ou de ser operado por desenvolvedores de games ou engenheiros de áudio. Não dá pra simplesmente marcar um encontro com o dono de uma Ferrari F2001, entrar em um avião rumo à Itália, gravar em uma tarde de sol e voltar para o Japão antes da noite de domingo. Além disso, a captura de áudio começou há 17 anos e não é tão simples refazer a gravação de mais de 1.000 carros diferentes.
Mas o maior problema mesmo é o crescente número de carros incluídos no jogo. Kaz conta que é difícil fazer as gravações acompanharem o ritmo da inclusão de novos carros, mas é algo que precisa ser feito. Como hoje em dia o equipamento para gravações começou a ficar mais compacto, Kaz está trabalhando para melhorar significativamente o ronco dos carros para o futuro Gran Turismo 7.
Nesse quesito, Forza Motorsport tem uma grande vantagem sobre Gran Turismo. Sem milhares de variações do mesmo carro, Forza consegue manter a qualidade sonora dos carros sempre elevada. Como eles fazem isso?
Todos os carros do jogo têm seu ronco baseado em uma amostragem de áudio do carro real, assim como em Gran Turismo, mas diferentemente do game japonês, os desenvolvedores de Forza Motorsport já começaram usando um dinamômetro de chassi alugado e aquele set de equipamentos mais compacto que Kazunori passou a usar recentemente para GT7 — lembre-se que Forza foi lançado em 2005, enquanto Gran Turismo começou o registro do áudio dos carros em 1997.
Além disso, o pessoal de Forza pensa a longo prazo. Os carros são cedidos por colecionadores e até mesmo membros dos fóruns oficiais do game, e a equipe grava até mesmo os carros que são cedidos, mas não estão previstos para os games da série, assim, eles já tem os registros prontos para quando conseguirem a licença para incluir o carro no jogo. Se você está curioso para saber quais são os equipamentos, eles usam apenas alguns microfones dispostos em lugares estratégicos do carro como o escape e a admissão do motor, e um notebook rodando o famoso Pro Tools, que é o programa de captura e edição de áudio.
O número de microfones varia de acordo com as características do carro como espaço no cofre do motor, tipo de alimentação e posição das borboletas — nos carros carburados o microfone é posicionado sobre o componente ou sobre as cornetas de admissão. Em carros injetados, o microfone vai para a abertura da caixa de ar.
Em média, são usados oito microfones e os engenheiros de áudio dão atenção especial a ruídos como assovios de compressores e turbos, o que colabora para um ronco mais realista. Como em Gran Turismo, depois de capturado em várias rotações e diferentes aberturas da borboleta, e depois mixado e inserido na programação do game.
Quer ouvir as diferenças na prática? Aqui vai:
[ Fotos: Polyphony Digital, Turn 10 Studios ]