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Como Steve McQueen tornou a Triumph Bonneville uma lenda entre as motocicletas

Você deve ter notado que estamos falando de motos com mais frequência nos últimos dias – este foi um dos pedidos que os leitores fizeram há alguns meses e que, como vários outros, temos tentado atender da melhor forma possível e esperamos que estejam curtindo. Até porque hoje vamos falar de motos mais uma vez. Sobre aquela que talvez seja uma das motocicletas mais emblemáticas já feitas no Reino Unido: a Triumph Bonneville.

Ainda que o detetive Frank Bullitt, do clássico de Hollywood de 1968 – Bullitt, obviamente – seja instantaneamente associado a seu Ford Mustang GT 1968 com motor 390 e carroceria verde Highland Green, o ator por trás do personagem era um cara mais globalizado. Ele amava o Mustang, claro (tanto que tentou comprar um dos dois carros usados no filme de seu dono em 1977, mas teve a oferta recusada), mas um de seus carros favoritos era um Porsche 911 Turbo 1976 com um mecanismo para levantar a placa traseira durante passeios “mais animados” – uma obra prima da engenharia alemã.

Quando se tratava de motos, McQueen preferia as britânicas. Mais especificamente, as motos da Triumph. E ele tinha bons motivos para isto: foi montado em cima de uma Triumph Bonneville que Steve McQueen gravou o filme que consolidou sua carreira, “Fugindo do Inferno” (The Great Escape) em 1963.

 

O nascimento do ícone

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Steve McQueen começou a atuar no cinema em 1953, primeiro com participações não creditadas como coadjuvante. Em 1958 McQueen estrelou seu primeiro filme, “A Bolha Assassina” (The Blob), que foi um sucesso e colocou o ator de 28 anos no mapa das grandes produções. O estrelato veio em 1960, com o faroeste “Sete Homens e um Destino (The Magnificent Seven), que foi visto como a melhor atuação de Steve McQueen até então. McQueen foi elogiado por sua atuação aplicada, adicionando toques pessoais ao papel do pistoleiro Vin Tanner e, de fato, tornou-se o centro das atenções – os colegas até o acusaram de tentar “roubar a cena”.

“Fugindo do Inferno” conta a história de um grupo de prisioneiros de guerra aliados que tentam fugir de um campo de concentração alemão durante a Segunda Guerra Mundial. O filme é baseado em um livro homônimo escrito por Paul Brickhill, que por sua vez conta a história real da fuga – que aconteceu em um campo de concentração chamado Stalag Luft III, considerado pela Luftwaffe (a força aérea do exército alemão na Segunda Guerra) o mais seguro do mundo. Agora, se o livro é um relato fiel à realidade, o filme é uma obra de ficção baseada em fatos reais, mudando personagens e eventos para contar uma história mais atraente e… cinematográfica.

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Em todo caso, de volta a Steve McQueen: em “Fugindo do Inferno” o King of Cool interpretou Virgil Hilts, capitão da Força Aérea norte-americana que sempre irrita os guardas da prisão com suas constantes tentativas de fuga. Perto do fim do filme (que foi lançado 55 anos atrás, então não queremos ver ninguém reclamando de spoilers), o Capitão Hilts rouba a moto de um dos guardas de uma unidade da Gestapo e tenta saltar sobre a cerca de arame na fronteira entre a Alemanha e a Suíça.

A moto em questão é uma Triumph Bonneville, e a cena do salto é considerada uma das manobras mais bem executadas do cinema. McQueen pilotou a moto ele mesmo na maioria das tomadas, mas o salto em si foi realizado por Bud Ekins, que era dublê e amigo pessoal do ator – e, de longe, até era parecido com Steve McQueen. Isto porque a seguradora de McQueen se recusou a deixá-lo saltar ele mesmo.

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O salto imortalizou a imagem de Steve McQueen como o herói de milhões de motociclistas espalhados pelo mundo, e ajudou a aproximá-lo da fabricante britânica de motos. Mais do que isto: graças a Steve McQueen a Triumph foi uma das poucas fabricantes de motocicletas britânicas que sobreviveram à crise que se abateu sobre a indústria das motos nos anos 60 e 70.

 

Um pouco sobre a Triumph

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Uma moto Triumph de 1908, mostrando que naquela época as motocicletas eram literalmente bicicletas motorizadas

Triumph, BSA, Norton e Villiers, todas fundadas na virada do século 20, eram as quatro maiores fabricantes do motos do Reino Unido até a crise, que eventualmente levou a uma grande aliança entre as rivais para garantir sua sobrevivência. Não deu certo e, como efeito colateral da crise do petróleo de 1973, todas estavam liquidadas antes do fim daquela década.

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A Triumph original, que foi fundada em 1884 na cidade de Coventry, no Reino Unido, como importadora de bicicletas e máquinas de costura da Alemanha, começou a fabricar suas próprias bikes em 1889, migrando para as motocicletas em 1898. No anos seguintes as motos da Triumph Engineering foram conquistando cada vez mais espaço, e na Primeira Guerra Mundial, a Triumph H Roadster, fabricada entre 1915 e 1923, tornou-se a primeira motocicleta fornecida em grande volume para os exércitos Aliados. Aliás, foi também em 1923 que a Triumph comprou uma fabricante de automóveis, a Hillman, e a transformou em sua divisão automotiva – a Triumph Motor Company.

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Em meados do anos 20 a Triumph havia se tornado uma das principais fabricantes de motos e carros do Reino Unido, e ao longo da década de 30 expandiu sua atuação para outros mercados, em especial os Estados Unidos – que se tornaram seu mercado mais importante. Tanto que a Triumph mais conhecida de todas tem nome norte-americano. As planícies de sal de Bonneville ficam em Utah, no oeste dos EUA.

Durante a Segunda Guerra Mundial, mais precisamente em 1941, a fábrica da Triumph foi destruída em um bombardeio sobre Coventry, forçando a companhia a recuperar todo o maquinário dos destroços e mudar-se para outra cidade – Meriden, a 12 km dali.

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Depois do conflito, a Triumph retomou a produção e passou a enviar 70% das motos fabricadas para os EUA, como forma de contribuir para o pagamento da dívida do Reino Unido para com os EUA, que enviaram mais de 31 bilhões de dólares para os britânicos durante os últimos anos da Segunda Guerra Mundial.

Não foi uma coisa ruim – os americanos já eram fãs da Triumph havia muito tempo, e vender motos para jovens veteranos mostrou-se um negócio muito rentável. Não por coincidência, foi pouco depois da Segunda Guerra que a cultura dos outlaw motorcycle clubs, popularmente conhecidos como “gangues de motoqueiros”, começou a ganhar força.

O primeiro ídolo: Marlon Brando

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Alguns veteranos com algum dinheiro no bolso e sede por adrenalina compravam carros velhos dos anos 30 e colocavam motores preparados neles – os hot rodders, sobre os quais falamos aqui. Outros preferiam as duas rodas. E, como vimos há pouco, a Triumph era muito popular nos Estados Unidos – quase tão popular quanto a Harley-Davidson. No fim dos anos 1940 seu modelo mais popular era a Speed Twin 5T, que tinha um motor com dois cilindros em linha (parallel twin na nomenclatura motociclística) de 500 cm³. A Speed Twin foi fabricada entre 1937 e 1940, e depois entre 1947 e 1966. O motor era capaz de entregar 27 cv, e a partir de 1946 a Speed Twin passou a vir com garfos telescópicos na dianteira e com suspensão traseira opcional.

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Em pouco tempo, porém, a Triumph percebeu que o consumidor norte-americano preferia uma moto mais potente, que rendesse melhor em rotações mais baixas e tivesse boa velocidade em linha reta. Então, aumentando o deslocamento do motor para 650 cm³, a potência passou a 34 cv.

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Triumph Thunderbird 1953

A moto equipada com o novo motor, lançada em 1949, foi batizada Triumph Thunderbird 6T, e foi apresentada na cidade de Montlhéry, na França. Lá, três motos de pré-produção foram conduzidas por pilotos profissionais em um circuito a uma velocidade média de 148 km/h por 800 km, e depois foram rodando até a fábrica no Reino Unido, a cerca de 670 km de distância. Foi uma excelente forma de conseguir publicidade e garantir boas vendas nos EUA nos primeiros anos. Mas o melhor ainda estava por vir.

Em 1953 o galã Marlon Brando estrelou “O Selvagem” (The Wild One), no papel de Johnny Strabler, lider da gangue Black Rebels Motorcycle Club (BRMC) e bad boy em geral, com uma Thunderbird 1950. “O Selvagem” é considerado o precursor dos filmes sobre gangues de motociclistas, e foi de fato o primeiro a retratar a violência dos motoclubes “fora-da-lei” nos Estados Unidos. Strables dirigia uma Triumph Thunderbird e, apesar de não ser adorado por pais e mães, era venerado pelas garotas e imitado pelos rapazes. Desnecessário dizer que isto ajudou nas vendas da Thunderbird e gerou exposição da marca Triumph por muitos anos.

 

A primeira moto de Steve McQueen

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Você provavelmente lembra: em 1953, um jovem Steve McQueen estava começando a carreira de ator, e começando a ganhar dinheiro, e havia se mudado recentemente para a Califórnia. Ele tinha 23 anos, gostava de motos e foi um dos que quiseram comprar uma Triumph Thunderbird em vez de uma Harley Davidson. Talvez depois de ter visto Marlon Brando em “O Selvagem”.

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Ele comprou a moto através de Don Brown, representante de vendas da Johnson Motors, concessionária de motocicletas em Pasadena, na Califórnia, que foi a maior revenda da Triumph nos Estados Unidos até meados dos anos 60. Don contou ao The Telegraph em 2014 que foi orientado por seu chefe a não vender motos a “tipinhos de Hollywood”, porque algumas pessoas haviam ficado com uma impressão negativa dos motociclistas depois do filme de Marlon Brando e, por causa disso, era melhor evitar.

Mas o agente de McQueen insistiu tanto que Don cedeu, e levou a moto rodando até os estúdios da Universal Pictures, onde o ator trabalhava na época. Foi a primeira moto zero-quilômetro comprada por Steve McQueen, e o início de uma relação íntima entre ele e a Triumph.

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Steve McQueen em uma de suas Triumph Bonneville, 1962

Por recomendação de Don, Steve McQueen levava sua moto até Bud Ekins, que começou a carreira como piloto de motos em em 1949 e, em meados dos anos 50, era um dos melhores pilotos de motocross dos EUA. Ele também era, como já dissemos, piloto-dublê de cinema, e no anos 60 era também dono uma revenda/oficina de motocicletas em Hollywood. O lugar logo se tornou um ponto de encontro para jovens astros do cinema e da TV, como o próprio Steve McQueen, Paul Newman e Clint Eastwood.

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Steve McQueen e Bud Ekins conversando durante as filmagens de “Fugindo do Inferno”

A relação de Steve McQueen e Bud Ekins tornou-se uma grande amizade – Ekins tornou-se o mentor de Steve McQueen no motociclismo, e o ensinou as primeiras técnicas de pilotagem. Foi ele quem influenciou McQueen a pedir ao diretor de “Fugindo do Inferno” que incluísse a cena com o salto de motocicleta, e até forneceu dois exemplares da Triumph Bonneville para a produção. Anos mais tarde, em 1968, Ekins seria o dublê de McQueen em Bullitt. As motos foram pintadas de verde e receberam carenagens para ficarem mais “alemãs”, mas quem conhecia as duas rodas sabia: aquela era uma Triumph.

 

Bonneville

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Quem tinha uma moto e não queria bancar o Marlon Brando tinha outro destino: as planícies de sal de Bonneville, onde desde o início do século, graças aos quilômetros e quilômetros de chão plano, eram disputados recordes de velocidade em linha reta.

Em 1953 foi lançada a Triumph Tiger T110, sucessora da Thunderbird. Ela era movida por um motor bicilíndrico de 650 cm³ com bloco de alumínio, e era capaz de chegar às 110 mph (177 km/h), e por recebeu o sufixo “T110” no nome.

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No dia 6 de setembro 1956, no deserto de sal em Bonneville, o piloto Johnny Allen chegou aos 344,67 km/h em cima de uma Triumph Tiger T110. A moto havia passado por diversas modificações, com componentes internos reforçados, comando de válvulas mais agressivo, câmbio preparado e uma carenagem aerodinâmica. Mais publicidade para a Triumph, que agora era a fabricante da moto mais rápida do mundo.

E foi por isto que, quando apresentou a sucessora da Tiger T110, a Triumph batizou a moto de Bonneville T120. Apresentada em 1959, a Bonneville foi anunciada como “a melhor moto do mundo”. O motor era semelhante ao da T110, porém trazia dois carburadores  e comando de válvulas mais agressivo para entregar 47 cv. Foi um sucesso.

 

 

Seis dias off-road

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Steve McQueen era cliente assíduo da Triumph e, depois do sucesso em “Fugindo do Inferno”, tornou-se ainda mais fiel. Em 1964 ele e Bud Ekins fizeram parte da equipe que representou os Estados Unidos na edição daquele ano do International Six Day Trial, principal evento de off-road da Federação Internacional de Motociclismo (FIM) que foi disputado pela primeira vez em 1913.

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O Six Day Trial costuma ser chamado de “As Olimpíadas do motociclismo”, e todos os anos pilotos de mais de 30 países competem por quase 2.000 km de trilhas, seguindo um roteiro bastante severo que obriga os participantes a realizar eles mesmos os reparos necessários nas máquinas, com um limite de peças que podem ser substituída. É um teste de resistência para o ser humano e para a moto. A prova de 1964 aconteceu em Erfurt, na antiga Alemanha Oriental, e tanto Ekins quanto McQueen se inscreveram com suas Triumph Bonneville.

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A equipe norte-americana, mesmo habituada a corridas no deserto e não em trilhas pesadas, estava liderando a tabela nos dois primeiros dias, mas no terceiro dia McQueen e Ekins se acidentaram. Steve perdeu a moto, Bud quebrou um tornozelo e os dois precisaram abandonar a competição. Os outros dois membros da equipe, Cliff Coleman e o irmão de Bud, Dave Ekins, continuaram na competição pela medalha de ouro individual, e ambos ficaram com elas.

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Mais publicidade para a Triumph, que seguiu fabricando a Bonneville até 1975. Graças a seu sucesso a Bonneville foi a primeira moto que voltou a ser produzida quando a fabricante entrou em concordata no início dos anos 80, mantendo a marca viva até seu retorno definitivo em 1991. Isto aconteceu pelas mãos do magnata John Bloor, que abriu uma nova companhia chamada Bonneville Coventry Ltd, que pouco depois foi rebatizada Triumph Motorcycles.

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A Triumph hoje está em sua melhor fase – em 2017 as vendas aumentaram em 22% comparadas ao ano anterior. E a Bonneville, que desde 2016 usa um motor bicilíndrico de 1.200 cm³, é seu modelo mais popular. Em 2011 a moto ganhou uma versão especial chamada “Steve McQueen Edition”, extremamente fiel esteticamente ao modelo dos anos 60, e pintada na cor verde em referência à moto do filme. Uma homenagem mais do que justa.