Sou da opinião de que nada é totalmente sagrado, e que desde que você não prejudique outras pessoas – direta ou indiretamente –, o que você faz com suas coisas é problema seu. Há coisas que eu acho bacana e coisas que eu acho simplesmente ridículas, mas também sou da opinião de que, se minha crítica não é bem vinda, melhor que fique guardada comigo.
Dito isso, não vejo graça em carros rebaixados – de modo geral. E tenho certeza de que muitos leitores compartilham do mesmo sentimento. Só que eu sempre me perguntei quem começou essa história de rebaixar carros por estética. Quem foi o primeiro maluco que cortou as molas, rebaixou, jogou no chão?
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Em um primeiro momento, é fácil deduzir que os carros rebaixados surgiram porque alguém quis imitar o visual dos carros de competição em um carro de rua. Como sabemos, os carros de corrida modernos têm a suspensão mais baixa e firme para lidar melhor com as curvas – menos rolagem, centro de gravidade mais baixo, geralmente acompanhados de suspensão mais firme e pneus mais largo, de fato melhoram sensivelmente o comportamento dinâmico de qualquer carro quando executados de forma criteriosa e correta.
Só que essa é só parte da história. A verdade é que não há como saber exatamente quem foi o primeiro a rebaixar o carro pela estética da coisa – o primeiro a valorizar o stance acima de tudo. Mas dá para ter uma noção, claro.
Uma origem possível dos rebaixados está nos EUA – que, querendo ou não, foram o celeiro de diversas vertentes da customização. E sim, a origem passa pelos carros preparados, mas não os de competição. Falo dos hot rods!
Os hot rods, como se sabe, surgiram na Califórnia ao final dos anos 1930. Inspirados, em parte, pelos carros usados para quebrar recordes de velocidade, os entusiastas da época arrancavam para-lamas, rebaixavam o teto, colocavam pneus mais borrachudos e fuçavam o motor para sair na frente em cruzamentos e disputar rachas. Mas os hot rods também eram uma forma de expressão – e, com o passar dos anos e o retorno dos soldados da Segunda Guerra Mundial, ganharam milhares de adeptos dispostos a elevar cada vez mais o nível da customização.
Os hot rods continuaram existindo desde então – é uma das mais antigas e populares escolas de customização, do tipo que atrai até quem não curte muito os carros. Eles são símbolos de uma época, de uma cultura e dificilmente vão desaparecer (apesar de toda a conspiração). Só que eles também evoluíram e deram origem a outros estilos. E os carros rebaixados podem muito bem ter surgido dos hot rods.
Novamente: quando se trata de uma subcultura, ou de um hábito generalizado, é difícil traçar origem. Mas os historiadores concordam que a cena hot rodder teve bastante influência na fronteira do México com os Estados Unidos – onde jovens descendentes de latinos também foram pegos pela febre das bielas quentes. Só que por uma questão de autoafirmação e até mesmo de identidade, alguns deles não eram fãs da velocidade e do estilo “pelado” dos hot rods. E, uma vez que os hot rods se tornaram a vertente dominante, os mais rebeldes trataram de procurar subvertê-la. É assim que os jovens são, e sempre serão.
Foi assim que, em algum momento da década de 1950, surgiu o movimento low n’ slow (algo como “baixo e devagar”). Eles também modificavam seus carros, mas o foco era outro. Em vez de arrancar peças da carroceria para deixar os carros mais leves, e de trocar os motor pelos V8 flathead fuçados, o foco estava na suspensão. A ideia de reduzir a altura da suspensão para deixar o carro mais esperto nas curvas foi subvertida – quanto mais perto do chão, melhor.
E não havia problema se isso deixasse o carro ruim de curva ou desconfortável, porque o lance era andar devagar, com calma, para que as pessoas tivessem tempo de observar cada detalhe. Os métodos para obter o resultado desejado variavam: alguns cortavam molas, outros desarqueavam feixes, e alguns alteravam toda a geometria da suspensão, com direito a cortes na lata e peças feitas sob medida. Por outro lado, havia quem simplesmente colocasse sacos de cimento ou areia no porta-malas.
Do low n’ slow aos lowriders
Se você pesquisar por aí sobre a origem dos carros rebaixados, é provável que tope com teorias dizendo que eles se originaram dos lowriders. Como você acabou de ler, não foi bem assim – mas os lowriders estão envolvidos nessa história.
Isso porque o low n’ slow não demorou mais que alguns anos para cair no radar das autoridades – que, naquela época, já começavam a se preocupar com a regulamentação dos automóveis. Os hot rods também foram pegos nessa por serem barulhentos e poluentes demais – mas eram os adeptos do low n’ slow que estavam na mira do governador californiano Goodwin Knight. Em 1957, Knight sancionou uma lei contra os carros modificados, e esta lei ditava especificamente que nenhuma parte da carroceria do carro poderia ficar abaixo da base das rodas.
Foi aí que veio a revolução. Um homem chamado Ron Aguirre, customizador que vivia em Los Angeles, apresentou em 1959 o X-Sonic Corvette – que foi nada menos que o primeiro lowrider equipado com um sistema de suspensão hidráulica. Embora ainda não fosse totalmente independente, como nos lowriders que vieram depois, o sistema permitia que a altura da suspensão fosse alterada a qualquer momento ao toque de um botão. Se Aguirre se inspirou nos Citroën topo-de-linha da época, jamais saberemos.
Como a burocracia era menor e as leis eram mais frouxas, ainda não havia nenhum tipo de lei que impedisse, por exemplo, o uso da suspensão ajustável desenvolvida por Aguirre. Ou seja, não existiam restrições ao uso do sistema, ou uma fiscalização ostensiva. Se o dono de um lowrider fosse abordado com a suspensão baixa e acionasse o sistema hidráulico para levantar o carro, não havia base legal para dizer que seu carro era irregular.
É claro que, com o tempo, as leis foram modificadas para levar em conta essa possibilidade – tanto que, em muitos lugares do mundo, ainda é proibido instalar um sistema de suspensão ajustável em altura no carro. No Brasil, mesmo, isso só passou a ser permitido em 2014 – mas é preciso obedecer a uma série de critérios, como a altura de rodagem mínima de 100 milímetros, pedir uma autorização prévia ao Detran e passar por inspeções para garantir a segurança do arranjo.