“Reinventar a roda” é uma expressão geralmente usada para criticar tentativas de modificar o que está funcionando direito e não tem inconvenientes. Mas com a mudança dos carros prevista para as próximas décadas, talvez seja preciso realmente reinventar a roda. Ao menos as rodas dos veículos elétricos e híbridos.
Desenvolvidos para ser o mais eficiente possíveis em termos de desempenho de seu conjunto mecânico, os veículos híbridos e elétricos usam todo tipo viável de recuperação de energia — seja para aumentar sua autonomia ou simplesmente para reduzir o consumo e emissões dos motores a combustão. A forma mais simples e convencional de recuperação de energia é a transformação da energia cinética do carro nas desacelerações em energia elétrica, que é armazenada em baterias e reutilizada conforme o projeto do carro.
Para isso, sempre que o motorista alivia o acelerador, o eixo do carro passa a mover o motor elétrico agora em modo gerador. Só que o movimento do motor gerador resulta em uma carga sobre o eixo que reduz sua velocidade com uma força maior que a de um freio motor convencional. Por essa razão, se você mantiver a distância adequada dos demais carros e antecipar suas ações, é possível usar um carro híbrido ou elétrico normalmente praticamente sem acionar seus freios.
Como resultado, as pastilhas e os discos de freio de modelos híbridos e elétricos praticamente não têm desgaste significativo ao longo de dezenas de milhares de quilômetros. É fácil encontrar relatos de donos de Toyota Prius que só precisaram trocar as pastilhas de seus carros com mais de 100.000 km. Só que isso tem um efeito colateral: a corrosão dos discos de freio, em sua maioria feitos de ferro fundido. Menos usados, eles tendem a rodar mais frios e acumular mais umidade que a centenas de graus, como os discos de carros convencionais.
Além disso, por serem menos usados, eles representam uma massa não-suspensa que talvez possa ser reduzida se substituídos por um sistema desenvolvido especificamente para os modelos híbridos e elétricos. Foi essa linha de raciocínio que levou aos “freios do futuro” da Continental. Eles não reinventam a roda, mas modificam significativamente o conjunto de freio, roda e pneus que conhecemos desde sempre.
Nesse conceito da Continental, a roda é dividida em três peças: o aro, a face e o disco de freio. Sim: o disco de freio é integrado à roda, afixado na face e o conjunto é preso ao aro. A ideia aqui é usar um disco resistente à corrosão e mais leve que um convencional do mesmo diâmetro — por isso a escolha pelo alumínio como matéria-prima.
À primeira vista um conjunto de roda e pneu que integra o disco de freio parece um contrassenso porque aumentando o peso do conjunto você aumenta a inércia rotacional, o que é ruim tanto para a aceleração quanto para a desaceleração. Mas a sacada da Continental foi modificar o layout do conjunto para que ele ficasse mais leve, sem comprometer a força de frenagem.
Os discos de freio convencionais têm um cubo central usado para sua afixação no cubo de roda. Com esse layout o disco fica ensanduichado entre a roda e o cubo de roda, e tudo se move em conjunto, enquanto a pinça é afixada na manga de eixo. Para tornar o disco de freio mais leve, a Continental adotou um disco de alumínio e ainda eliminou o cubo do disco, adotando um rotor perimetral e o afixando diretamente à face da roda. Com isso, seu movimento continua conjunto à roda, porém com uma massa menor.
O disco perimetral não é novidade no mundo motorizado: além de serem testados de tempos em tempos no automobilismo, as motos da Buell e outras esportivas usam discos perimetrais com pinças internas. Na verdade, o sistema da Continental é uma espécie de adaptação destes sistemas perimetrais das motos aos carros.
Sua vantagem é justamente eliminar o peso do sistema de freios, pois ele dispensa o cubo central e seu diâmetro maior multiplica a força de frenagem pelo efeito de alavanca. Além disso, essa multiplicação da força de frenagem permite o uso de discos mais finos (e mais leves) e pinças menores (e mais leves) para obter uma força de frenagem equivalente à força de um disco convencional preso ao cubo.
Esse sistema perimetral, por si, já exige menor pressão da pinça — o que também resulta em um menor desgaste da pista do disco e das pastilhas de freio. Mas ao ser aplicado em carros elétricos, o desgaste seria ainda menor devido à força de desaceleração provocada pela recuperação de energia. Por isso, segundo a Continental, em seu sistema os discos não precisariam ser trocados nunca. Ao menos não por desgaste.
Outra vantagem apontada pela Continental, é que nesse layout a pinça pode ser mais rígida que as pinças comuns, e isso somado à sua afixação interna, transmite menos ruído de frenagem para o interior dos carros, uma característica desejável em carros que não têm ronco de motor.
Obviamente o sistema ainda é um conceito que está em testes iniciais pela Continental. Tanto que nem uma foto do conjunto eles divulgaram, apenas estas ilustrações realistas. A nós fica claro que ele ainda tem alguns inconvenientes, como, por exemplo, a possibilidade de danificar o disco de freio em caso de um impacto severo da roda (o que poderia a deformar o disco do mesmo modo que a roda) e, consequentemente, travar a rotação devido ao empenamento do disco.
Outra questão é que discos perimetrais exigem rodas de maior diâmetro (note que o conceito da Continental usa um pneu 195/55 R20) o que exigirá um sistema de suspensão mais complexo para não sacrificar o conforto de rodagem devido ao perfil mais baixo. Ou então compensar com perfis mais altos, o que exigiria suspensões mais elevadas ou um design que leva em consideração o uso destas rodas “do futuro”.